Mário Rui estava em campo no domingo, viveu por dentro uma das despedidas mais fortes que o futebol recordará. No Olímpico de Roma, a partilhar sentimento e lágrimas com Francesco Totti. Um momento especial para tantos, especial para o português. Não envolveu um troféu, um grande golo, nem lhe disse diretamente respeito, mas é isto: «Foi dos momentos mais marcantes da minha carreira.»

Ele leva-nos para dentro do relvado do Olímpico de Roma, mas antes disso explica por que foi isto mesmo especial para ele. Foi Totti quem o seduziu, criança, para o futebol: «Quando eu era pequeno, no Euro 2000, no jogo da Itália com a Holanda ele teve um penálti decisivo, acho que na meia-final. É das primeiras recordações que tenho de futebol.» 

É «o» Panenka de Totti. Ou «Cucchiaio», a expressão italiana para aquele desplante de Francesco no desempate da meia-final do Europeu:

Mário Rui era um miúdo a olhar fascinado para a televisão e aquele momento foi um marco no seu futuro. «Eu tinha nove anos, foi das primeiras vezes que comecei a interessar-me por futebol. Era muito novo e tinha um irmão mais velho que jogava andebol, era muito bom no andebol. Eu andava entre o andebol e o futebol e foi a partir daí que dei o salto para o futebol, foi a partir desse momento», recorda: «Se calhar o que me prendeu foi o mediatismo. Era uma semi-final, um penálti decisivo. Com nove anos não compreendia o que era a pressão, mas aquele penálti, aquele ambiente, foi por aí. Quando cheguei à Roma, foi uma das primeiras coisas de que me lembrei e de que falei.»

Era o tempo de Totti, que foi com a Itália à final do Euro, perdida para a França (de Zidane, depois de Abel Xavier e daquele penálti na outra meia-final) e na época seguinte lideraria a Roma na conquista do único «Scudetto» da sua carreira.

«Tinha muitos amigos mais velhos e o ídolo deles era o Totti. Na época seguinte a Roma também acabou por ganhar o campeonato. Ele era um dos melhores do mundo», continua o lateral português, na conversa com o Maisfutebol. «Foi dos meus primeiros ídolos. Depois tive outros, tendo em conta a posição em que jogo, mas ele foi dos primeiros.»

Totti, portanto, acompanhou sempre Mário Rui, que nasceu em 1991, passou pela formação do Sporting e do Benfica e foi muito jovem para Itália. «Ele tem mais anos de jogador do que eu de vida, só por aí...»

Cresceu a admirá-lo. «Ao longo da carreira rejeitou propostas de muitos clubes grandes para sair, acabou sempre por valorizar a ligação que tinha pela Roma.»

E um dia, depois de se destacar em Itália com as cores do Empoli, Mário Rui despertou a atenção da Roma. Foi no verão passado, e foi então que conheceu Totti. E ele surpreendeu-o. «O que mais me marcou foi a simplicidade. Lembro-me do primeiro dia em que cheguei, para fazer exames médicos. Ele foi das primeiras pessoas que cumprimentei. É sempre o primeiro a chegar ao estádio. Eu tinha chegado há pouco ao centro médico, ele já lá estava. Estava a receber os jogadores, a dar-lhes as boas vindas.»

«Foi uma das coisas que mais me marcou, ele ser quem é e ter esta atitude.»

«Foi muito especial conviver todos os dias com ele no balneário, ao longo de um campeonato inteiro. Era uma pessoa muito simples, sempre a brincar. É dos primeiros a entrar nas brincadeiras, sempre disponível para dizer a primeira piada», descreve: «Não era de dar grandes conselhos, mas era uma presença muito importante.»

Esta foi uma temporada difícil para Mário Rui, que contraiu ainda na pré-época uma grave lesão no joelho e esteve longos meses longe dos relvados. Regressou aos poucos, no final de novembro pelas reservas da Roma, a partir de janeiro com a equipa principal. «No meu caso, que tive um ano difícil por causa da lesão, quando me preparava para voltar o Totti era um dos primeiros que dizia «Vais ver que vai correr bem». Aquela mensagem de motivação: «Confia em ti, vai tranquilo. Vai, aproveita a oportunidade e acima de tudo diverte-te.» Isso é o mais importante.»

Portanto, o domingo em que Roma se despediu de Totti iria ser sempre especial. Antes disso, o capitão e a equipa já se tinham reunido num jantar, onde Francesco ofereceu a cada companheiro uma camisola personalizada com a sua assinatura. Um momento que Mário Rui partilhou nas redes sociais.

 

Grazie Capitano 👑 💛❤️

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A homenagem a Totti foi no final de um jogo em que Mário Rui entrou em campo aos 18 minutos e terminou com uma vitória sobre o Génova que garantiu à Roma o segundo lugar e a entrada direta na Liga dos Campeões. Totti deu uma volta a pé a todo o estádio, ao lado da família, com a equipa perfilada no centro do terreno. Muitos, milhares de rostos comovidos, entre eles o de Mário Rui. Depois fez um discurso que foi uma declaração de amor. «Hoje o tempo veio tocar-me no ombro e dizer: «Temos de crescer, a partir de amanhã és crescido, tira os cações e as chuteiras, porque a partir de hoje és um homem e não vais poder sentir mais o odor da relva de perto, o sol na cara quando corres para a baliza adversária, a adrenalina e a satisfação de festejar», dizia a mensagem, antes de acabar assim: «Amo-vos.»

Está aqui toda a cerimónia

«Há muito tempo que o Olímpico de Roma não enchia como encheu naquele dia. É difícil explicar, as pessoas têm um carinho pelo Totti sem limites. Ele é uma lenda, o Imperador de Roma, o último Gladiador. Há um sentimento pelo Totti que é inexplicável. Foram 25 anos, uma vida de amor a esta camisola. Ver que o estádio finalmente se encheu por ele foi muito forte», recorda Mário Rui: «Vê-lo assim frágil, a chorar, com o estádio cheio, nem os mais insensíveis conseguem ficar indiferentes. Marcou-me muito. Apesar de não ser diretamente comigo, foi um dos momentos mais marcantes da minha carreira.»

Depois de se apagarem os holofotes, os jogadores regressaram ao balneário, Totti pela última vez. Como foi? «Voltou a agradecer a cada um», diz Mário Rui, «como já tinha feito no jantar que tivemos durante a semana.»

Totti não voltará a jogar pela Roma, mas ainda não definiu o seu futuro. Se continua a jogar noutro lado, se assume um cargo diretivo no clube, como lhe foi proposto. Mário Rui diz que os jogadores não sabem mais sobre isso do que todos nós: «Sinceramente, o que ele disse para fora foi o que disse para nós.»

O português acredita que o próprio Totti ainda não tenha decidido: «É muito difícil decidir de um momento para o outro. Perceber que acabou não é fácil. Acho que só daqui a um mês é que ele vai ter noção.» Mas tem uma certeza, Mário Rui. Em Itália Totti não vestirá outra camisola: «Acho que mesmo decida continuar a jogar não será em Itália.»

É final de época e Mário Rui continua ligado à Roma, embora o seu nome tenha sido associado ao Nápoles de Maurizio Sarri, que o treinou no Empoli. Para já, o português diz que quer mostrar em Roma os motivos por que o contrataram. «Não foi a melhor época a nível pessoal, acabei por ter uma lesão grave. A única coisa que sei é que tenho mais quatro anos de contrato com a Roma, o meu futuro é em Roma. Nunca se sabe o dia de amanhã, mas acho que tenho muito ainda para dar à Roma. Fui contratado com grande expectativa por causa das épocas que tinha feito na Serie A pelo Empoli, com o problema que tive não pude dar 100 por cento», diz: «Neste momento não é correto falar do Nápoles. É verdade que tenho uma ligação especial com o mister do Nápoles, um treinador que me completou muito como jogador. Serei grato ao mister Sarri até ao fim da minha carreira. Mas quero acima de tudo demonstrar o meu valor, mostrar que me compraram por alguma coisa.»

Em Roma, seja como fora, as coisas vão ser diferentes. Desde logo vai mudar o treinador, com a saída de Luciano Spalletti já oficializada. Mas, sobretudo, não estará Totti no balneário. «De certeza que vai ser uma época muito diferente. Não terá o capitão dos últimos 20 anos. Vai ser muito estranho. Será sempre diferente para os jogadores e para os adeptos, que não terão o ídolo deles.» Um vazio que poderá ser amenizado se Totti decidir assumir outro papel na Roma. «Espero que sim. Pela influência que ele tem no ambiente e nas pessoas, seria muito importante que ficasse. Mas a decisão é dele e devemos respeitá-la.»