Até o Marquês vestiu a camisola. A simbólica praça lisboeta estava «reservada» para a festa do do Benfica, mas não teve capacidade para acolher os muitos milhares de adeptos que se juntaram para festejar a conquista do 33º título e que acabou por transbordar para as avenidas adjacentes, num imenso mar vermelho que esta noite pintou Lisboa. Uma festa que começou discreta, ainda com o jogo a decorrer, mas que foi crescendo ao longo da noite até alcançar a apoteose por volta da meia-noite, quando «o campeão voltou» e se juntou à multidão.



Às 18 horas, quando o jogo estava a começar no Estádio da Luz, ninguém diria que a festa ia ser tão grande. O trânsito ainda circulava normalmente na caótica rotunda onde se juntavam apenas algumas centenas de adeptos vestidos a rigor. Num dos extremos da praça, o que fica de costas para o Parque Eduardo VII, estava a ser montado um sistema de luzes e som. Não tinha nada a ver com o que estava para vir, mas acabou por ser aglutinado e tornou-se num os pontos fortes da festa encarnada. Tratava-se da «Lisboa sobre rodas», uma iniciativa da Câmara de Lisboa em parceria com cinco restaurantes para dinamizar aquela zona da capital, que esta noite ia dar música à cidade com uma uma série de «DJs convidados. Esta festa tinha início marcado para as 22h00, mas acabou por começar bem mais cedo.

Assim que Lima marcou o primeiro golo no Estádio da Luz, o «formigueiro» aumentou de forma considerável. O Marquês passava a ser o centro do mundo e todas as avenidas iam alimentando aquela imensa rotunda que foi ficando cada vez mais apertada. Quando o jogo acabou na Luz já estava praticamente cheia. Encheu, encheu, encheu até não caber mais ninguém. O raio de visão, que no início permitia ir quase até as Restauradores, estava agora reduzido a poucos metros. Os pontos mais altos foram rapidamente ocupados. Primeiro a parte mais baixa da estátua, depois os semáforos, os candeeiros, por fim a parte mais alta da estátua, com dois adeptos a arriscarem subir até ao leão do Marquês.



Uma enchente ao som da música estridente da iniciativa «Lisboa sobre rodas», agora já tomada por um «DJ» do Benfica, que certamente não esperava tamanha adesão. Uma «flash mob» levada ao extremo. O primeiro ponto alto do final da tarde foi a chegada de um camião carregado de adeptos com a inscrição «Campeões limpinho». Multiplicavam-se as bandeiras, cachecóis e cartazes. «O Manuel também é campeão», «Acabou o ciclo da fruta», «33 a conta que Jesus fez», são alguns exemplos dos muitos cartazes que divagavam no Marquês. O segundo ponto alto da noite foi a subida de uma grua até ao ponto mais alto da estátua para vestir uma camisola do Benfica a Sebastião José de Carvalho e Melo, o impávido marquês que dá nome à praça.

Pelo meio, as câmaras de televisão eram a principal atração. Cada vez que se acendia um «pirilampo», o repórter era engolido por uma multidão que extravasava todo o seu benfiquismo para a pequena lente e para o mundo. Uma situação que se repetia em diversos pontos da praça.

Mas o momento mais aguardado da noite era, obviamente, a chegada dos heróis que estavam demorados na Luz. A ansiedade era visível e a procura de informação uma constante. «Sempre vêm?», «Onde estão», «Estão a chegar?».

Acabaram por chegar num enorme camião que desceu a avenida Fontes Pereira de Melo. O Marquês de Pombal inclinou-se. A multidão debruçou-se sobre as vaias de proteção e chegou-se a temer o pior. A polícia reforçou o cordão de segurança e acudiu aqueles, principalmente crianças, que estavam sob ameaça de ficarem esmagados contra as grades. Tinham sido muitas horas de espera. Todos os queriam ver de perto. Primeiro um momento formal, com Luís Filipe Vieira a dedicar o título a todos os adeptos, recordando as mortes de Eusébio e Coluna e reafirmando a vontade de continuar a somar mais títulos.

Depois Luisão, seguido de todo o plantel, desceram do «pedestal» (leia-se camião), e juntaram-se ao povo. Foi a loucura total. Afinal a festa era de todos e com todos. Apenas Oscar Cardozo, com o troféu do título nas mãos, ficou a ver os companheiros lá de cima. Todos os outros desceram, andaram a correr pelas ruas, abraçaram os adeptos, beberam e festejaram com eles. Jorge Jesus também era mais um deles. Dos adeptos. Ao ponto de ter levado ao engano um polícia que esteve quase para o deter. O treinador perdeu a compostura e andou no «comboio» dos jogadores. Tudo isto ao longo de uma intensa meia-hora, com o povo a delirar. Depois, tão depressa como tinham chegado, os jogadores foram embora. O Benfica é campeão, mas a época ainda não acabou. Quinta-feira há jogo com a Juventus. A festa prosseguiu no Marquês, ainda com muita música, mas já em fase de rescaldo.