Tem cara de miúdo, capa de super-herói, veste «bleu, blanc, rouge» e tem um estilo «cartoon» mais próximo dos «blockbusters» da Pixar do da tradição futebolística. A mascote do Euro 2016 foi apresentada esta terça-feira, primeiro online, depois em versão de corpo inteiro, em Marselha, antes do França-Suécia. Ainda não tem nome: irá chamar-se Goalix, Driblou ou Super Victor, de acordo com a votação dos adeptos no site da UEFA, que decorre até dia 26 de novembro. Pela frente, terá uma tarefa ingrata: ter melhor sorte do que os seus nove antecessores, que rapidamente caíram no esquecimento depois de breves momentos de popularidade. Nada de complexos, miúdo: o mais provável é o problema ser nosso, e não teu.




Foi no início da década de 60 que, para combater a quebra de assistências nos jogos da Liga inglesa, os clubes se viraram para uma solução milagrosa chamada marketing. Num tempo de crescente tensão nas bancadas e de incidentes entre adeptos de equipas rivais, os dirigentes da época decidiram reativar as tradições dos regimentos militares do século XIX, que usavam animais vivos, ou crianças, como símbolos e talismãs. O objetivo era duplo: condensar a identidade de clubes e cidades numa figura simpática, quase infantil, e abrir caminho a novas fontes de receita fazendo a ponte entre o mundo do futebol e o do mercados de produtos para crianças e jovens.



Foi nesse contexto que, a pouco mais de um ano do início do Mundial de 1966, a federação inglesa encomendou a uma empresa de licenciamento de direitos, liderada por um antigo funcionário da Disney, Walter Tuckwell, a criação de uma mascote que associasse a ideia de «britishness» e de futebol. Depois de considerar a hipótese de um buldogue, o ilustrador Reg Hoyes fez em cinco minutos o primeiro esboço de World Cup Willie, um leão com a bandeira britânica e juba à Beatle, que, ajudado pela posterior vitória da seleção inglesa, se tornou um enorme sucesso comercial. A exemplo da canção com o seu nome, interpretada por Lonnie Donegan:







O sucesso de vendas e popularidade de Willie abriu os olhos da FIFA e também do Comité Olímpico Internacional: a partir daí, todas as edições de Mundiais e Jogos Olímpicos tiveram mascotes com produtos de «merchandising» associados. Já a UEFA, historicamente mais lenta a reagir, esperou pelo Europeu de 1980 para lhes seguir as pisadas. Tal como essa fase final, realizada em Itália, por entre o escândalo do «Totonero», violência, poucos espectadores e pouquíssimos golos, o italianíssimo «Pinocchio» caiu rapidamente no esquecimento e deu pouco dinheiro a ganhar aos organizadores.



Aliás, o mesmo pode dizer-se do seu sucessor: Péno, criado em 1984, foi o primeiro ensaio de um galo futebolista – catorze anos depois os franceses viriam a reincidir com Footix, a mascote do Mundial 1998. Num caso e noutro, se as mascotes não ficaram nas memórias, o galo pelo menos deu-lhes sorte, já que a França venceu essas duas competições, com, respetivamente, Platini e Zidane como maestros.







Mas se a fixação francesa com galos já sugere alguma falta de imaginação, nesse particular ninguém leva a palma aos suecos: depois de os alemães terem criado um coelho chamado Bernie como mascote do Euro 1988, o comité de organização do Europeu seguinte, num gesto radical, decidiu mantê-lo no cargo, mudando-lhe apenas a cor do equipamento. Ah, e mudaram-lhe também o nome: num requinte de criatividade, Bernie passou a chamar-se oficialmente «Rabbit». Ou Bernie para os mais nostálgicos. Como quiserem: a verdade é que ninguém prestou grande atenção ao bicho, um primo afastado do Bugs Bunny.







A falta de imaginação prosseguiu em 1996, com os ingleses a apresentarem o Goaliath, no fundo um update do pioneiro World Cup Willie, 30 anos mais velho e mais totó. Quatro anos depois, a primeira fase final organizada por dois países, Bélgica e Holanda, resultou também na primeira mascote mista: o Benelucky (Benelux + Lucky, estão a ver?) era um leão holandês arraçado de Diabo Vermelho, fundindo as mascotes dos dois países organizadores numa juba multicolor.



O Euro-2004, em Portugal, marcou a entrada em cena da Warner Brothers, companhia responsável pela criação do Kinas, um primo afastado de Spirou que assinalava o regresso das mascotes humanas. O seu impacto poderia ter sido bem mais duradouro, pelo menos em Portugal, se não tivesse havido uma certa cabeçada de um tal Charisteas a dar um toque de tragédia grega a esta história.







Em 2008 e 2012, a falta de imaginação voltou a ser servida em dose dupla, sempre com a Warner Brothers ao comando: no regresso das co-organizações, os gémeos alpinos Trix e Flix representavam Áustria e Suíça. Nunca foi fácil distingui-los, porque debaixo das máscaras vermelhas e do corte de cabelo modernaço, um equipava de vermelho e branco (cores suíças) e o outro de branco e vermelho (cores austríacas). Ou talvez fosse ao contrário. Quatro anos mais tarde, vieram Slavko e Slavek, os primos eslavos que representavam Ucrânia e Polónia – pelo menos tinham cores bem diferentes nos equipamentos, embora repetissem o corte de cabelo estilo labareda.







Por esta altura já deu para perceber que a história das mascotes dos Euros está longe das memórias afetivas dos Willies, Gauchitos, Naranjitos e Piques que pontuaram o imaginário coletivo dos Mundiais. Chame-se Goalix, Driblou ou Super Victor, o rapaz que o Mundo ficou a conhecer nesta terça-feira vai ter mesmo de usar os poderes de super-herói para mudar esse estado de coisas.