O Mazembe transportou o coração de África para a final do Mundial de Clubes. Neste sábado, o continente negro apoiou 11 homens, 11 histórias de sobrevivência a conflitos armados que feriram uma nação. A República Democrática do Congo, a mesma que nos trouxe Bosingwa e Makukula, sobreviveu.

O Inter de Milão foi mais forte (3-0). O Mazembe, que vergara o Pachuca e o Internacional de Porto Alegre, faz a festa apesar da derrota.

Na década de 80, o futebol português descobriu os talentos em bruto que fugiam da RD Congo, então Zaire. NDinga e Basaúla chegaram ao V. Guimarães, NKama foi logo a seguir. À época, a capital Kinshasa tinha forte presença lusa, raízes profundas que perduram até aos dias de hoje.

«Depois de assinar pelo Vitória, quando ia jogar na selecção, percebi que os portugueses do Congo torciam muito por nós. Mas não foi uma época fácil», recorda Basaúla, agora radicado na Amadora, em conversa com o Maisfutebol.

Do Filho do Vento a Mbo Mpenza

Aquele sector intermediário do V. Guimarães, aquele trio com sangue congolês, cativou os adeptos. Outros vieram, como Mapuata, Tueba, NKongolo ou o filho do vento, NTsunda, tão rápido que nem se viu em Portugal. Dois miúdos, então desconhecidos, chegaram para ficar: José Bosingwa e Ariza Makukula.

«A principal dificuldade da RD Congo, ao longo dos anos, tem sido convencer os jogadores a optar pela nossa selecção. Sou próximo da família do Makukula e tive de perceber a escolha dele», afirma Basaúla, secundado por Kasongo, lateral congolês que permanece no nosso pais, agora como treinador em Chaves: «São opções que temos de respeitar, o Bosingwa por exemplo faria-nos falta, mas escolheu e pronto.»

Basaula Lemba acrescenta um nome: Mpenza. «Esse avançado que esteve no Sporting é, como o irmão, filho de congoleses. Mas os dois jogaram pela Bélgica. Esperemos que este sucesso do Mazembe dê força ao futebol no Congo. É um orgulho imenso para nós, os congoleses foram muito prejudicados pelos conflitos, o futebol perdeu muito. Tudo está lentamente a mudar», diz o antigo médio, entre sorrisos.

O passado teve cenas de terror, mesmo para aqueles que fugiram para Portugal. «Eu nunca tive problemas, porque já jogava na selecção, portanto estava muito protegido», garante Kasongo, nascido e criado em Lubumbashi, a terra do Mazembe. A história de NDinga e Basaula é bem mais negra.

A fugir da RC Congo num barco

«Eu e ele jogávamos no Imana, o presidente do Vita foi comprar-nos para nos levar para o Nice de França. Mas a realidade era complicada, não se podia mudar assim de um clube para o outro. Deixámos de poder andar na rua de dia, só podíamos sair com guarda-costas. Até que fugimos de barco, de noite, para o Congo (Congo-Brazzaville) e daí para Portugal, de avião. Íamos fazer escala, mas acabámos por ficar», relata Basaula.

Kasongo chegou pouco depois. Um quarto de século mais tarde, a RD Congo está mais segura, mais forte. O Mazembe é o reflexo dessa energia positiva.

«África sempre foi uma potência de futebol. O presidente de Lubumbashi é adepto do Mazembe e colocou muito dinheiro lá», refere o ex-lateral esquerdo, em diálogo com o Maisfutebol a partir de Chaves.

O Mundial de Clubes levou Portugal a olhar novamente para o futebol na República Democrática do Congo. Depois de NDinga, Basaula, NKama, Kasongo, Tueba ou NKongolo, as equipas lusas olham com cobiça para o Mazembe. O filão está ali, à espera.

«Quero trazer jovens jogadores de lá para cá, acho que os portugueses não tem a noção exacta da qualidade destes talentos», remata Basaula. O Mazembe ajuda-nos a ter.