O 10 sempre foi mais do que um número, um dorsal, mais até do que uma posição em campo. O 10 era o craque, o líder incontornável do ataque. Criador e, muitas vezes, também finalizador. No passado, muitas vezes o 10 era o 10, outras camuflava-se noutros números. «Os 10 e os deuses» recupera semanalmente a história destes grandes jogadores do futebol mundial. Porque não queremos que desapareçam de vez. 

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El portugués. O Dez-gazua. O Dez que ultrapassa defesas como se descesse um slalom gigante, conduzindo a bola do lado de fora do pé esquerdo. Um Dez de ouro, não um Fucking Sixteen, como repete a um surpreendido Harry Redknapp, a escassos minutos do pontapé de saída com o Arsenal e com John Moncur, o infeliz dono da camisola, e o jovem Frank Lampard a olharem para ele de boca aberta.

Eusébio, number ten! Pelé, number ten! Maradona, number ten! Futre, number ten! No fucking sixteen! Com o 16 joga ele!

O número 10 que pega na bola e perfura a defesa da Estónia para o último dos seus seis golos na Seleção, e que podia ter deixado Portugal mais perto do Campeonato do Mundo dos Estados Unidos, apesar da derrota seguinte em Itália e das declarações de Queiroz sobre o que era preciso limpar na Federação.

O fantástico golo à Estónia:

O génio da final de Viena, que deixa um rasto de alemães favoritos até aos caracóis de Pfaff. Génio, puro génio. Mas não é só talento. A fé em si próprio não tem medida.

Explosivo. Letal. Que o digam Paco Buyo e o Real Madrid, os seus rivais mais queridos em Espanha, depois do crescimento no Sporting, a rábula dos ordenados e a saída para fazer história nas Antas, com dois campeonatos e o primeiro caneco continental conquistado para o FC Porto.

Um dos incidentes com Buyo:

«Ganhava 70 contos por mês no Sporting e o FC Porto ofereceu-me 27 mil contos em três anos. Falei com o Sporting e pedi-lhes 18 mil contos em três anos, 6 mil por ano. Disseram-me que estava louco e fui para o FC Porto.» (Paulo Futre em entrevista à «Sábado» em 2009)

Duas Taças do Rei, e depois o Benfica, pago com dinheiros públicos da RTP, e mais uma Taça.

«O Atlético de Madrid tinha muitos problemas económicos. Eu e o Gil y Gil acertámos uma estratégia para eu sair e só podia ir para Portugal, por causa do limite de estrangeiros. Apareceu o Sporting, chegámos a acordo, mas na altura de pagar o Sousa Cintra não apareceu com o dinheiro. Então pus o meu advogado a falar com o Benfica e o negócio concretizou-se.»

«O balneário do Benfica era complicado. Estava cheio de grupinhos. Não foi preciso dizerem-me nada. Já havia rumores sobre a crise do clube. Tínhamos quatro meses de salários em atraso. Chegou o Marselha e ofereceu o mesmo que o Benfica tinha pago ao Atlético de Madrid.» (Paulo Futre, novamente à «Sábado»)

Futre marcou poucos golos pela Seleção.

Segue-se Marselha, com Rui Barros, mas também o início de um longo calvário. Assina pelo Reggiana, marca um golaço e lesiona-se gravemente na segunda parte, depois de uma entrada assassina.

Recupera. Milan, primeiro, West Ham, depois. O regreso ao Atleti para tentar recuperar-se para o jogo e o Japão, onde precocemente se despede dos relvados. 1998, 11 anos depois da Taça dos Campeões na Áustria, com 32 feitos. Dez anos apenas após ter perdido para Ruud Gullit a Ballon d’Or da «France Football».

Futre era ainda o Dez-diabo. Um demónio à solta, que fica a dever a si próprio títulos que lhe acompanhassem a grandeza e, sobretudo, sorte. Menos lesões. Sorte, repito.

Veloz, ágil, com remate forte, Futre é um dos melhores de sempre do futebol português e mundial. Como muitos outros, acabou demasiado cedo. O azar também é nosso.

Todos os golos da campanha do FC Porto na Taça dos Campeões Europeus:

Um «Best of» organizado pelos próprios filhos:

Paulo Jorge dos Santos Futre
28 de Fevereiro de 1966

1983-84, Sporting, 28 jogos, 3 golos
1984-87, FC Porto, 117 jogos, 33 golos
1987-93, Atletico Madrid, 163 jogos, 15 golos
1993, Benfica, 13 jogos, 5 golos
1993, Marselha, 8 jogos, 2 golos
1993-95, Reggiana, 14 jogos, 5 golos
1995-96, Milan, 1 jogo, 0 golos
1996-97, West Ham, 9 jogos, 0 golos
1997-98, Atletico Madrid, 10 jogos, 0 golos
1998, Yokohama Flügels, 13 jogos, 3 golos

Portugal, 41 jogos, 6 golos

1 Taça dos Clubes Campeões Europeus (FC Porto, 1986-87)
2 campeonatos de Portugal (FC Porto, 1984-85 e 1985-86)
1 campeonato italiano (Milan, 1995-96)
1 Taça de Portugal (Benfica, 1992-93)
2 Supertaças de Portugal (FC Porto, 1984 e 1986)
2 Taças de Espanha (Atletico Madrid, 1990-91 e 1991-92)
2º lugar Ballon d’Or (1987)

O estilo inconfundível de «el portugués».

Primeira série:

Nº 1: Enzo Francescoli
Nº 2: Dejan Savicevic
Nº 3: Michael Laudrup
Nº 4: Juan Román Riquelme
Nº 5: Zico
Nº 6: Roberto Baggio
Nº 7: Zinedine Zidane
Nº 8: Rui Costa
Nº 9: Gheorghe Hagi
Nº 10: Diego Maradona

Segunda série:

Nº 11: Ronaldinho Gaúcho
Nº 12: Dennis Bergkamp 
Nº 13: Rivaldo
Nº 14: Deco
Nº 15: Krasimir Balakov
Nº 16: Roberto Rivelino
Nº 17: Carlos Valderrama

Futre ao serviço do West Ham.