Por: Francisco Sousa

«Todo o estádio era alegria e exuberância, nós festejávamos todos. Quando regressámos à cabine, foi uma desilusão». Manuel Pedro Gomes, figura mítica do Sporting, recorda assim, exatamente 43 anos depois, um dos principais episódios de uma história feita de episódios rocambolescos, apaixonantes e tensos na história da equipa de Alvalade nas competições da UEFA. Os leões haviam vencido o Glasgow Rangers nas grandes penalidades num jogo relativo à segunda mão dos oitavos de final da Taça dos Vencedores das Taças, mas o árbitro tinha cometido um engano. E dos grandes…

«Pouco tempo antes, as regras da UEFA tinham mudado. O sistema de apuramento alterou-se, sendo que, em caso de empate numa eliminatória, a equipa que tivesse marcado mais golos fora, seguiria em frente», frisa em conversa com o Maisfutebol o antigo lateral-direito e treinador do Sporting, ele que até se consagrou como uma das figuras dessa eliminatória: «Dois dos poucos golos que marquei ao mais alto nível foram nessa eliminatória: fiz o segundo em Glasgow (derrota por 3-2) e marquei o 3-2 que nos levou a prolongamento na segunda mão».

Ora até ao prolongamento tudo bem, o problema iria surgir depois disso. Já durante a meia hora derradeira, Henderson fez o empate para o Rangers (3-3), resultado que obrigava o Sporting a marcar mais dois golos. Os leões lançaram-se com tudo mas só conseguiram metade dos tentos que necessitavam: Peres apontou o 4-3 final, de grande penalidade.

O episódio verdadeiramente bizarro daquela longa e fria noite de Novembro surgiu após o apito final. O árbitro holandês van Ravens, certamente pouco familiarizado com a recente alteração de regulamentos, decidiu dar a eliminatória como empatada. Os escoceses exaltaram-se, alegaram que já estavam apurados, mas nenhum dos responsáveis da UEFA parecia ciente do que se estava a passar. Entretanto, Vítor Damas avançou para a baliza, defendeu quatro grandes penalidades e tornou-se, por breves momentos, num herói, num jogador cujo feito lendário iria permanecer para sempre na história do futebol.

A história contada pelo lado escocês:



Foi mesmo por breves instantes: «Vimos o Damas defender as quatro grandes penalidades e foi um momento de exuberância», recorda Manuel Pedro Gomes, ele que juntamente com outros companheiros levou o malogrado guarda-redes em ombros. O pior viria depois: «Deu-me a ideia de que nem o árbitro nem o delegado da UEFA (o espanhol Andrés Ramirez) estavam a par da mudança da regra. Alguém os há de ter informado e já soubemos disso no balneário. Não houve protestos da nossa parte e acabámos por aceitar a decisão. O público ficou dececionado, nós também, naturalmente. Foi uma desilusão, depois de ter festejado então, ainda custa mais…», assume Manuel Pedro Gomes, ele que fez toda a sua carreira enquanto jogador no Sporting.

Se essa noite foi difícil de digerir, outras houve na história do Sporting que ficaram marcadas pelos seus contornos épicos, quer para o bem quer para o mal. Antes ainda de 1971, no caminho rumo à conquista da Taça dos Vencedores das Taças de 1964, o Sporting teve de passar três jogos de desempate em campo neutro (incluindo a final) e eliminou o Manchester United de uma maneira brilhante, numa eliminatória onde não faltaram as queixas sobre a arbitragem: «Em Old Trafford, perdemos 4-1 e eles beneficiaram de duas grandes penalidades inexistentes. Em Alvalade, vencemos por 5-0 mas houve um golo mal anulado ao Mascarenhas e ainda outro pénalti por assinalar», assinala Pedro Gomes, referência dessa equipa.

Vários episódios épicos ocorreram na história leonina na Europa: a mítica eliminação frente ao Magdeburgo a poucas horas do 25 de Abril, em 1974, as quedas inusitadas e com derrotas pesadas nos anos 90 frente aos «modestos» Grasshoppers e Rapid Viena, em 2003 com o desconhecido Gençlerbirligi e ainda vitórias em eliminatórias épicas, como em 2005 em Alkmaar ou mais recentemente com o Manchester City (2012).

O jogo mais recente da longa história europeia dos leões, a derrota em casa do Schalke, prolonga, pela forma como tudo ocorreu, esse historial muitas vezes agitado e acidentado. Em Gelsenkirchen, o Sporting caiu, uma vez mais, perante um adversário alemão, num jogo que teve de tudo, desde golos a reviravoltas e quase reviravoltas até uma arbitragem polémica.

Se formos bem a ver, boa parte destes jogos épicos ocorreu frente a adversários alemães, com os quais o Sporting tem um historial bastante negativo (apenas uma vitória em 20 encontros). Em vésperas de um jogo onde o Sporting está «obrigado» a vencer, novamente frente ao Schalke 04, será de mais pedir uma partida épica e emocionante dos leões na Europa, que acabe com sorrisos em Alvalade?