Testar a razoabilidade, desafiar os limites, afrontar a improbabilidade. Quem nasce no Gana, e sonha, conduz-se por estes três lemas de vida. Christian Atsu faz deles o seu guia. Filho de uma família «profundamente religiosa e pobre», engana a fome com os pontapés na bola e a amizade dos outros capitães da areia.

Nasce a 10 de Janeiro de 1992. «Tinha uma vida muito dura. Jogava futebol para esquecer as agruras do dia-a-dia, mas as infraestruturas não ajudavam. Os campos são terríveis. Mesmo os poucos relvados que há não prestam», explica ao Maisfutebol, naquela genuinidade que não se percebe, mas cativa.

Mais de um ano depois, no outro lado do mundo, Kelvin abre os olhos e enche de felicidade a família Oliveira. A cidade de Coritiba é o palco de uma infância «feliz, livre, sem compromissos». «Passava o dia com a bola nos pés. Ia mal na escola por causa disso, mas os meus pais nunca me deixaram perder o tino.»

Os genes de artista revolvem-se com o ADN do futebol de rua. «Habituei-me a jogar um futebol divertido, de gingada, com alegria. Ali não havia responsabilidade e dava para adquirir um conforto grande a tratar a bola. Isso ajudou-me bastante no começo e ainda levo essa herança para o relvado», explica Kelvin.

Lionel Messi, Hulk, Robinho e... Kelvin

Na altura ainda não sabiam. Quase 20 anos depois, os destinos haviam de se cruzar. Por obra e graça do F.C. Porto. «Fazia parte de uma academia e competia num clube chamado Cheetah FC. Certo dia fui abordado por um emissário português do F.C. Porto e propuseram-me um contrato de seis meses, por empréstimo», recorda Christian Atsu.

Kelvin sonhava apenas em imitar o ídolo, Robinho. A vida muda, transtorna, motiva, decide. Agora deleita-se com Messi e Hulk, «os melhores do mundo».

«Treinar ao lado do Hulk foi fantástico. Mas acho que ainda sou mais forte do que ele [risos]. É uma pessoa excelente. No passada admirava o Robinho. Uma vez assisti a um jogo dele no Santos, contra o Corinthians, e deu uma desequilibrada genial num defesa. A partir daí decidi que queria fazer o mesmo.»

As preferências de Atsu são semelhantes. «Messi é fantástico. É o meu jogador favorito. Ver o que ele é capaz de fazer motiva-me todos os dias a ser melhor. Se falarmos só sobre humanos, já que o Messi é de outro mundo, tenho de destacar o Hulk e¿ o Kelvin, claro.»

Kelvin: um drama chamado playstation

Há uma dissonância óbvia nas personalidades de Christian Atsu e Kelvin, pérolas do F.C. Porto depositadas no plantel do Rio Ave. O ganês é sereno, envergonhado, passa os dias a reflectir e a partilhar passagens da Bíblia nas redes sociais.



«Venho de uma família extremamente religiosa. O mais importante na minha vida é fazer a vontade de Deus. Foi isso que a minha mãe me ensinou. Acho que Ele tem algo fantástico reservado para mim no futuro», conta-nos. Inestimável candura.

Kelvin é extrovertido, bem humorado e viciado em playstation. Em Portugal, a consola é o seu maior problema. «Trouxe a minha do Brasil e não é compatível com os jogos que compro cá. Tenho de desbloquear o sistema», lamenta. Só falta mesmo resolver esse drama e marcar o primeiro golo. Tudo o resto é secundário.

«Quando marcar, a casa vem abaixo. Nunca fui de fazer muitos golos, sempre tive mais tendência para assistências. Curiosamente, no primeiro jogo que fiz nos seniores do Paraná, marquei logo. Foi a loucura!»