O Sporting tem 52 jogadores formados no clube a atuar nos vários campeonatos europeus. Só há três clubes com melhores números em todas as 31 ligas analisadas pelo Observatório do Futebol/CIES, que revelou agora o seu relatório anual. E este é o único dado positivo para Portugal num estudo que identificou muitos sinais de desinvestimento na formação. Os sinais não são só nacionais: os clubes europeus aproveitam cada vez menos jogadores das suas «canteras» e recorrem cada vez mais a estrangeiros, ao mesmo tempo que aumentam a atividade com contratações de futebolistas. Mas Portugal segue a tendência e acentua-a em muitos casos. É a quinta liga com mais estrangeiros e tem dois clubes entre os que mais recorrem a jogadores não nacionais, FC Porto e Benfica. O tema levanta várias questões. Seguem-se algumas delas e algumas pistas para soluções, do ponto de vista de quem está por dentro do assunto.

«Há muito que temos vindo a procurar sensibilizar os clubes para a aposta na formação. É um setor estratégico. E pode representar um ganho significativo ao nível das finanças dos clubes», observa ao
Maisfutebol o português Emanuel Medeiros, presidente cessante da Associação de Ligas Europeias de Futebol Profissional (EPFL), salvaguardando que ainda não analisou o estudo, mas defendendo que as conclusões globais apontam para «redobrada preocupação».

«No ano em que entra em vigor o fair play financeiro da UEFA, vemos que os clubes continuam a importar jogadores estrangeiros. Não é uma questão de xenofobia, mas continua-se a tirar oportunidades a tantos talentos que os clubes têm. E têm muitos», prossegue Emanuel Medeiros, para depois chegar à questão final que este tema levanta: «A longo prazo acarreta efeitos manifestamente negativos para os clubes, para os jogadores mas também para a seleção nacional.»

O CIES (Centro Internacional para Estudos do Desporto) faz este estudo há seis anos e concluiu que os 21.2 por cento de jogadores da formação aproveitados em média pelos clubes europeus em 2013 representam um mínimo histórico. Em Portugal baixa para 12 por cento, o quarto registo a contar do fim. Quanto a estrangeiros, os 36.8 de média europeia representam também um recorde. Aqui, igualmente, Portugal está entre os países com mais estrangeiros: 52,1 por cento, atrás apenas de Chipre (63.8), Inglaterra (60.4), Itália (54.1) e Turquia (53.1). Mais um dado. O estudo contabilizou os jogadores em cada clube a 1 de outubro de 2013 e concluiu que em média 41.3 por cento desses jogadores tinham sido contratados depois de janeiro. Ou seja, eram reforços.

Diogo Matos, que foi jogador e durante vários anos responsável pela Academia do Sporting, começa por destacar a perplexidade com estes números. «O maior destaque deste estudo é que torna-se difícil perceber como nesta fase de conjuntura económica o número de transferências bate recordes. Sobretudo na Europa do Sul, a mais afetada pela crise, onde a média é de 12,1 contratações por equipa. É uma demonstração de que talvez haja dirigentes no sul da Europa que ainda não perceberam que a realidade mudou.»

Há vários dados no estudo relativos aos três grandes do futebol português. O Sporting é o clube nacional que tem mais jogadores da formação na equipa principal, média de 33 por cento, contra 6.9 do Benfica e 4.2 do FC Porto. Os dragões são em absoluto o segundo clube com mais estrangeiros, atrás apenas do Inter. E o Benfica está no oitavo lugar, mas na verdade até tem mais estrangeiros: baixa a média porque tem um plantel maior.

Depois há esse dado relativo aos jogadores que cada clube conseguiu projetar para o futebol europeu. O ranking é liderado pelo Ajax, segue-se o Partizan, o Barcelona e a seguir vem o Sporting.


Fonte: www.football-observatory.com

São claramente estratégias diferentes as dos três grandes. Os leões têm um historial de aposta e valorização da formação, com períodos de maior ou menor consistência, FC Porto e Benfica têm optado nos últimos anos por um caminho que envolve contratar promessas jovens no estrangeiro, valorizá-las e vendê-las, o que têm conseguido fazer com valores substanciais.

Diogo Matos faz para o Maisfutebol o contraponto entre os dois caminhos: «Não existe melhor ou pior. Existe é ser mais arriscado ou menos arriscado. Em relação a um jogador da formação tudo o que entra é mais valia. Os jogadores contratados, mesmo que sejam jovens, já implicam um investimento, algum risco associado. Tem de se passar por um processo de valorização.»

«Se se conseguir, como está a conseguir agora o Sporting, ter uma equipa competitiva a gastar metade do que os outros gastam, com mais-valias maiores que os outros clubes, isso é o ideal», defende, comentando ainda a relação que se procura estabelecer entre a aposta na formação e a conquista de títulos, ou a falta deles: «É uma falácia desvalorizar a aposta na formação com o argumento de que o clube não ganha. A formação é um setor, a gestão do futebol profissional é outro. Se funcionarem bem ambas num clube, e entre si, então o modelo resulta.»

O Barcelona, o clube das grandes Ligas que mais jogadores da formação aproveita na Europa, é o melhor exemplo de como se pode conciliar formação com vitórias. É também grande exemplo de estabilidade. Ainda de acordo com o estudo do CIES, só há dois clubes entre todos os analisados que têm média de permanência de jogadores no clube superior a cinco anos. São o Barcelona e o Manchester United.

Estabilidade e identidade são outras das vantagens duma aposta estruturada, comenta Diogo Matos: «Temos os ganhos diretos, mas também muitos indiretos. Há uma identidade, uma passagem de identidade, com enormes vantagens no que diz respeito àquilo a que se chama mística do clube, mas também para integrar jogadores da formação, ou reforços.»

A propósito dessas abordagens diferentes dos grandes do futebol português, Emanuel Medeiros também não fala de uma forma ideal de gestão, mas insiste na necessidade de uma visão a longo prazo: «Qualquer recomendação tem de ter em conta uma análise profunda do problema, mais que um receituário.»

«Há uma forte pressão sobre os dirigentes e treinadores, há a ânsia de resultados, muitas vezes o tempo não permite investimentos de longo prazo. Os clubes portugueses não têm acesso a grandes receitas da Liga dos Campeões ou de direitos televisivos. Isso causa grande inibição e tem-nos incentivado a procurar compensação nas transferências de jogadores», analisa Emanuel Medeiros: «Mas tudo isto não deve afetar o investimento na formação, porque é aí que está o futuro dos clubes portugueses. Acrescentar valor, ganhar projeção, por forma a que possam gerar receitas e investi-las, num ciclo virtuoso.»

«A questão não pode ser vista só no âmbito estrito da formação. Há uma forte questão financeira. Em face das debilidades e dos estrangulamentos que vive o futebol português, seria bom que o caminho fosse em sentido inverso», conclui.

Emanuel Medeiros leva muitos anos a analisar estes temas. Enquanto revela que a EPFL se prepara para «tornar públicas um conjunto de medidas» que visam lidar com o problema, aponta dois caminhos possíveis para incentivar a formação no futebol português.

«Mais do que injeções de capital público ou institucional, há duas medidas que seriam elementares. A primeira, a proteção dos clubes formadores, que muitas vezes são espoliados pelos clubes europeus, que exercem grande pressão sobre os jogadores, os pais e os clubes formadores», defende, considerando que o mecanismo de solidariedade da FIFA, que prevê uma quota de cada transferência para o clube formador, «não é suficiente». «Em Portugal a legislação que rege o contrato de trabalho desportivo e de formação desportiva data de 1998. Está completamente desfasada da realidade. É algo para que têm de olhar o Governo e a Assembleia da República, junto com o movimento desportivo», nota ainda, apontando como caminhos possíveis regras que protejam mais os clubes na ligação contratual aos jogadores que formam.

A segunda medida de que fala está há muitos anos na gaveta, diz. «Há, do ponto de vista contabilístico, uma medida que pode proteger os investimentos dos clubes formadores: ser possível relevar contabilisticamente os ativos formados nos clubes. Há 10, 11 anos, liderei um grupo de especialistas que, ao serviço da Liga, preparou um conjunto de medidas para a adequação do quadro contabilístico à realidade. Morreu na praia», revela, evitando alongar-se sobre os motivos porque não avançou e explicando melhor a ideia: «Previa que os jogadores formados fossem contabilisticamente relevantes. Nas contas dos clubes só é atribuído um valor quando há uma transferência. Há todo um conjunto de despesas que devem ser consideradas.»

Diogo Matos também defende que «está na altura de pensar em medidas para incentivar a formação» e volta a centrar a questão na seleção nacional. Um dos caminhos, defende, passaria por alargar a base de recrutamento da seleção: «Se tivermos mais um ou dois clubes que se juntem ao lote de fornecedores de jogadores à seleção é muito importante para a sustentabilidade.»

«Percebo a preocupação do presidente da federação quando há pouco tempo se manifestou preocupado com o futuro da seleção», nota, para depois lembrar que em Portugal o trabalho a este nível nos últimos anos já foi melhor e deu frutos até agora: «Até 2000 fomos a quatro fases finais de grandes competições. Desde 2000 conseguimos atingir, muito à custa do Sporting, todas as fases finais. Se forem todos a ajudar, se calhar conseguimos manter esta tendência.»