A transferência de Guillermo Ochoa para o AVS tomou de surpresa o futebol nacional e internacional, no fecho do mercado. Sem que nada o fizesse prever, o guarda-redes mexicano de 39 anos mudou-se para Portugal, pela primeira vez, depois de já conhecer os campeonatos italiano, francês e belga.

E foi exatamente na Bélgica, no Standard Liége, que Ochoa se cruzou com um português com quem ainda hoje mantém contacto. Ricardo Pereira é treinador de guarda-redes e trabalhou com o mexicano ao longo da temporada 2017/18, na Bélgica, quando Ricardo Sá Pinto orientava o clube. Guarda histórias divertidas com ‘Memo’, como o trata carinhosamente, com uma francesinha - iguaria inconfundivelmente portuguesa - pelo meio.

Atualmente, Ricardo Pereira é treinador de guarda-redes no Valladolid, da La Liga espanhola. Já conheceu diferentes campeonatos, muitos países, entre eles a Arábia Saudita, Bélgica, Polónia, Inglaterra ou Equador. Mas garante – Guillermo Ochoa é o guarda-redes com melhores reflexos que alguma vez treinou.

Pereira não está completamente surpreendido pela decisão do mexicano. «Parcialmente. Não sabia da intenção dele em continuar a jogar e esta intenção manter-se-á, se calhar, ainda por alguns anos, enquanto ele se sentir muito bem. Isto tem a ver com uma grande paixão pelo jogo da parte dele, não tem a ver, evidentemente, com qualquer necessidade financeira», começou por explicar.

«Sabia de alguma afeição dele pelo nosso campeonato. Quando estivemos juntos no Standard, falávamos muitas vezes da Liga Portuguesa, falávamos muitas vezes do FC Porto pelos vários mexicanos que lá estavam. Mesmo falando com muita regularidade com ele, não sabia da transferência. Parabéns para o AVS porque traz para a sua baliza um guarda-redes de grande experiência», disse Ricardo Pereira.

«Ele não vem para Portugal de férias», garante ainda. Guillermo Ochoa junta-se a uma equipa que subiu de divisão. Como tal, a principal expectativa dos dirigentes e dos adeptos é a manutenção. O treinador de guarda-redes explica como esta contratação pode ser útil a um clube neste contexto.

«Aquilo que são as características dele na defesa da baliza, com blocos mais baixos e com muitas solicitações em termos de remate, não tenho dúvida nenhuma que o Memo, estando bem, e acredito que vai estar porque ele cuida-se muito, eu acredito que ele poderá ajudar muito o AVS a manter-se. Não só pelas suas características enquanto guarda-redes mas também pelas suas características enquanto pessoa. É um homem de grupo, um aglutinador com uma humildade vai servir de exemplo para muitos colegas dentro do balneário», defende.

Uma carreira feita em clubes modestos, mas em grande pela seleção

Aos 39 anos, Guillermo Ochoa leva 719 jogos oficiais por clubes e 151 (!) pela seleção mexicana. 418 dessas partidas foram disputadas no América, do México, quando Ochoa era ainda menos conhecido pelos europeus.

Ainda assim, emigrou em 2011 para o modesto Ajaccio, da Ligue 1 francesa. Seguiram-se aventuras no Málaga, Granada, Standard Liége, um curto regresso ao América e, finalmente os italianos da Salernitana. Nenhum destes clubes pode ser considerado um ‘tubarão’, mas as grandes exibições de Ochoa nos Mundiais (disputou cinco, mas só foi titular em três) levaram-no à ribalta internacional.

«Eu acho que em França chegou a haver realmente essa possibilidade [de ir para um ‘tubarão’], mas não se concretizou. Eu acho que a oportunidade acaba por não surgir e a verdade é que o Ochoa se destaca, principalmente, naquilo que são as suas características na defesa da baliza. É claramente o guarda-redes com a maior velocidade de reação que eu treinei em toda a minha vida», afirma Ricardo Pereira, dando depois a entender quais as razões que não o levaram a outros voos.

«É um ‘tipo’ racional, que não vai correr riscos no jogo aéreo. Não tem qualquer problema em sair da baliza quando percebe que a bola é para ele. Tem um timing de deslocamento e uma técnica de deslocamento absolutamente deliciosa, mas não se vai expor a riscos porque sabe que não é um gigante de 1,95m», já que Ochoa mede 1,83m.

«Nos últimos anos a tendência é procurar guarda-redes muito completos que façam tudo bem, que joguem muito bem com os pés que controlem o espaço na sua frente. Espaço seja por cima, ou seja por baixo, em situações de um contra um, de controle de profundidade e que sejam craques também a defender a baliza. Não há muitos guarda-redes totalmente completos», termina o, também ele, antigo guardião.

Introdução à francesinha e ‘roubo de identidade’ 

Do ano que trabalhou com Ochoa, Ricardo Pereira guarda boas histórias. Desde o dia-a-dia dos treinos, aos momentos íntimos com a família. A primeira que Pereira recorda, era um habitué dos treinos - «em jeito de piada e devido aos nossos cabelos desgrenhados, quando entrávamos para o aquecimento era pai e filho a pisar o relvado [risos]», garantindo que «quase assinei um ou dois autógrafos pelo ‘Memo’», tal era a semelhança física.

Outras histórias envolveram algum sofrimento físico. «Ao final do segundo treino, numa situação de um contra um, tentei picar a bola por cima dele. O Memo, de maneira valente, percebeu onde ela ia passar desviou ligeiramente a cara. O primeiro contacto que o Memo teve contra um treinador de guarda-redes português foi partir-lhe um dente ao fim do segundo treino [risos]. Foi só uma lasca, mas lá teve de ir à tarde ao dentista», recorda Ricardo Pereira.

Por fim, o técnico natural de ‘gaba-se’ de ter introduzido Guillermo Ochoa a uma iguaria portuguesa já famosa. «O Memo chegou a ir à minha casa e pôde provar, feito pela minha mulher, uma francesinha portuguesa. Claro que agora terá a oportunidade de comer muito melhores do que aquela caseira, mas teve logo ali este este primeiro contacto.» Será a francesinha um dos fatores a ter em conta para esta aventura em Portugal?