Sabia que apenas três equipas, entre os vários campeonatos dos principais países europeus, ainda não sofreram golos?

São elas o Bursaspor, da quarta divisão turca (clube que em 2018/19 disputava a Liga turca e agora está ‘afundado’), o Quintanar del Rey, modesto clube da comunidade autónoma de Castilla La Mancha que joga a quinta divisão espanhola e… o Lusitano de Évora, do Campeonato de Portugal, a quarta divisão nacional.

Em seis jogos na Série D, que junta os clubes mais setentrionais do país, o clube eborense soma 12 golos marcados e nenhum sofrido. Até mesmo na Taça de Portugal o registo tem sido positivo – sofreu um golo diante do Académico de Viseu, mas empatou e passou nos penáltis. Na ronda seguinte, eliminou o Estoril, da primeira divisão, também nas grandes penalidades, após um nulo.

O Maisfutebol falou com Pedro Russiano, treinador da equipa principal, para compreender este registo. Aos 39 anos, Russiano está na época de estreia neste clube após três temporadas no Juventude de Évora, o rival da cidade. «Tem sido um início fantástico», destaca o técnico, que sublinha a «coesão» da equipa como «mais-valia» do sucesso do Lusitano Ginásio Clube.

Amigo de infância de Ruben Amorim (já lá iremos) e ex-jogador da formação de clubes como Benfica, FC Porto ou Vitória de Setúbal, Russiano tem feito um percurso enquanto treinador quase exclusivamente a sul do Tejo. O técnico explica o que exige aos seus jogadores.

«Temos tido uma grande organização defensiva, juntamente com alguns jogadores que estão habituados a jogar uns com os outros. O Marcelo [Valverde], o Cassiano, o [Tiago] Palancha, por exemplo, já jogam juntos desde o União de Santarém. O nosso modelo passa por roubar a bola o mais à frente possível e isso faz, muitas das vezes, com que os adversários tenham mais dificuldade em chegar ao nosso último terço», afirma.

Já na época passada, em abono da verdade, o Lusitano de Évora tinha tido um registo assinalável, com apenas nove golos sofridos na mesma Série D do CP em 26 jogos. O próprio treinador diz que sempre tem pugnado pela eficiência defensiva. «Nas minhas últimas épocas, ao serviço do Juventude, tivemos um registo de melhor de defesa do Campeonato de Portugal», recorda.

Eliminar o Estoril na Taça de Portugal foi «a cereja no topo do bolo»

Um clube histórico, que esteve 14 anos na primeira divisão nos anos 50, com um título da II Divisão no currículo, procura agora intrometer-se na luta pela subida à Liga 3.

Sublinhando a ambição do presidente Pedro Caldeira, o treinador Pedro Russiano lembra que o Lusitano teve recentemente uma academia construída, há cerca de um ano, com dois campos relvados, mais dois sintéticos, estando nesse aspeto em vantagem face a muitos rivais. O objetivo é a subida à Liga 3.

Mas há um fator preponderante não só no Alentejo, como em todas as zonas do país: «Para recrutar os melhores jogadores para aqui, é preciso dinheiro. E, ultimamente, o Alentejo tem estado fora desses grandes investimentos», lamenta o técnico natural do Montijo. A última vez que um clube alentejano esteve na Liga foi em 2000/01, por obra do Campomaiorense.

O futebol tem estado ‘adormecido’ no Alentejo. Mas estas vitórias a equipas com outros argumentos têm galvanizado os eborenses. «Nesses dois jogos estivemos bem, apresentámos bom futebol e ganhámos. Este último jogo foi espetacular. Foi a cidade toda ao estádio, num espírito fantástico», ilustrado pela explosão de alegria após o desempate por penáltis.

«Os sócios não viam, há mais de 30 anos, um ambiente daqueles no Estádio Lusitano. Há muitos sócios que ainda vivem esse passado de I Liga e são exigentes por esse passado. Poder dar-lhes esta vitória, frente a um clube da Liga, foi um orgulho imenso. E é uma recordação que vou ter para o resto da vida», garante Pedro Russiano, que revela ter recebido até felicitações de adeptos do Juventude. O próximo duelo de Taça de Portugal é com o AVS.

«Durante muito tempo, fui o último treinador a ganhar a Ruben Amorim»

Mas antes desta vida de treinador, Russiano tentou a de futebolista. Faltou «sorte» e «qualidade», admite, tendo passado pela formação de grandes clubes nacionais mas acabando cedo a carreira, para ingressar na Faculdade de Motricidade Humana.

Foi internacional sub-19 português, teve experiências em Itália, Roménia e Barém, e jogou nas equipas principais do Olivais e Moscavide, Vitória de Setúbal e Louletano.

Na formação do Benfica era um dos grandes amigos de um tal de Ruben Amorim, ex-futebolista dos encarnados e agora treinador do Sporting. Jogaram juntos durante sete anos e frequentavam a casa um do outro. Com os anos, a ligação perdeu-se. No entanto, o futebol tratou de reuni-los, em janeiro de 2019, quando Russiano orientava o Amora e Amorim era ainda treinador estagiário no Casa Pia.

«Ganhei-lhe [1-0, aos 90+3’]. Foi o último jogo dele no Casa Pia, antes de ir para o Sp. Braga. Durante muito tempo, fui o último treinador a ganhar-lhe [risos]. Estávamos os dois a disputar a subida de divisão», recorda.

O sucesso que Ruben Amorim tem alcançado não surpreende totalmente Pedro Russiano.

«Todos os que passaram por Jorge Jesus ficaram com uma grande leitura tática. A formação dele no Benfica, aliado à experiência como jogador, tudo isso foi uma ajuda para ele que seja o treinador de hoje. Ele já tinha esse conhecimento tático, era muito bom nesse aspeto. Muito brincalhão e alegre, tem uma relação próxima com os jogadores, consegue passar essa mensagem enquanto treinador», avalia o treinador.

Recuando três anos, em 2016, Russiano era ainda preparador físico. Recebeu o convite de Álvaro Magalhães, antigo futebolista do Benfica, para integrar a equipa técnica do Gil Vicente. Diz ter sido uma época de grande aprendizagem, numa equipa que contava com Paulinho no ataque. Ainda hoje utiliza um lema do experiente técnico: «Ataques ganham jogos, defesas vencem campeonatos».

Ainda teve passagens na equipa técnica do Belenenses, ao lado de Silas e Zé Pedro, antes de se tornar treinador principal no Amora. Agora, num distrito que tem passado ao lado das manchetes do futebol nacional, Pedro Russiano procura dar mais alegrias aos adeptos de um clube histórico. Cabe ao Fabril do Barreiro, neste domingo, quebrar as muralhas de Évora.