Luís Castro vive dias felizes em Dunkerque. Chamaram-no de «maluco» quando abraçou o desafio de orientar a equipa da pequena cidade, que disputa a segunda divisão francesa, mas a verdade é que tem alcançado um sucesso que supera todas as expectativas. Disputa a promoção à Ligue 1 e apurou-se de forma história para as meias-finais da Taça de França, onde irá defrontar o todo-poderoso Paris Saint-Germain.
Associamos normalmente o nome Dunkerque a uma célebre batalha da Segunda Guerra Mundial, em que 300 mil soldados britânicos foram retirados das praias da localidade francesa, em 1940, numa manobra que seria fulcral para a vitória dos Aliados. Mas, nesta cidade portuária que já ultrapassou os horrores da guerra há bastante tempo, desponta um português.
Conhecido por ter ganho a Youth League pelo Benfica, em 2022, Luís Castro saiu do Seixal no ano seguinte procurando um desafio nas cinco principais Ligas europeias. Foi abordado por Demba Ba, antigo avançado de Chelsea e Newcastle, que lhe apresentou o projeto do Dunkerque. Foi convencido pelo diretor-desportivo do clube e, de forma indireta, pode conseguir mesmo o seu objetivo inicial e disputar a Ligue 1... através da promoção na segunda divisão. Com 42 pontos, está a quatro do líder Lorient, em terceiro lugar. Sobem dois emblemas.
Nesta segunda parte da entrevista ao Maisfutebol, Luís Castro traça uma comparação entre a Ligue 2 e as competições nacionais, garantindo que «três ou quatro equipas» desta divisão iriam competir pela primeira metade da Liga portuguesa, «sem dúvida nenhuma». França é um viveiro de talento, beneficiando de futebolistas com «muita variedade genética», recordando casos recentes como o de Samuel Essende ou Amine El Ouazzani. No Dunkerque orienta o português Diogo Queirós, que o surpreendeu como médio-defensivo.
PARTE I - «Estou no Dunkerque pelo Demba Ba, sou um treinador querido aqui»
PARTE III - «António Silva e Tomás Araújo vão chegar a alto nível, sem dúvida»
Falando mais sobre a 2.ª Liga francesa, falou numa entrevista ao Maisfutebol, há uns anos, sobre o facto de querer dominar os jogos. Imagino que na primeira época tenha sido mais complicado dominar, ter esse estilo de jogo mais dominador. Ao longo do tempo, tem vindo a implementar o seu estilo de jogo? Como é que vê a competitividade da segunda Liga francesa em comparação às divisões portuguesas?
O nível da segunda Liga francesa é muito superior à segunda Liga portuguesa, isso sem dúvida nenhuma. Basta ver que o Sp. Braga comprou um jogador [Amine El Ouazzani] penso que por 3,8 milhões de euros, poderá chegar a 5,6 milhões. Comprou um ponta-de-lança da segunda Liga francesa que nem era sequer o melhor. Se calhar era um dos três mais promissores, mas não era o melhor de longe. Temos o caso do Vizela, que comprou o Samuel Essende e foi o melhor marcador de sempre na primeira Liga do Vizela. Foi vendido por cinco milhões de euros. A segunda Liga Francesa tem um nível muito, muito alto. Não tenho dúvida nenhuma que haja aqui três, quatro equipas que se estivessem na Liga portuguesa lutariam pela primeira parte da tabela, sem dúvida nenhuma. E, acima de tudo, muito pela qualidade individual dos jogadores, porque é um país que beneficia de uma genética muito diferenciada com o cruzamento de europeus, africanos, magrebinos, muita variedade genética que faz com que os perfis encontrados aqui sejam muito diferenciados e de muita qualidade.
França é quase como um viveiro de talento, não é? Aliás, até se formos um pouco mais abaixo, não só na 2ª Liga. Falei recentemente com o Julien Domingues, avançado do Cannes que tem sido a sensação da Taça de França e era um jogador praticamente desconhecido. Imagino que haja muitos casos também assim.
Basta ver jogadores franceses que chegaram à seleção francesa e que estão a jogar ao mais alto nível, que jogaram na quinta divisão e sexta divisão em França. Depois foram subindo e chegaram a este patamar. É, daquilo que eu conheço, eu não posso falar de tudo, mas daquilo que eu conheço é o país da Europa com mais talento individual.
Gostaria também de falar só um pouco também sobre a composição do plantel, porque quando nós olhamos para o Dunkerque não vemos imediatamente uma grande estrela. Vemos muitos jogadores jovens, aliás o Luís Castro também tem um currículo muito virado também para esse aspeto. Jogadores como o Enzo Bardeli, que tem uma estrutura muito baixa, mas tem sido um grande jogador. E vemos, por exemplo, o Diogo Queirós, um português que era muito reputado, ganhou o Euro Sub-17 e Sub-19. Como é que tem sido trabalhar com ele?
No primeiro caso que falou, o Enzo, era um jogador não muito utilizado quando cheguei ao clube. Tinha alguns jogos que jogava de início e era substituído aos 50 minutos, 60, e alguns jogos mais na linha, mais como ala. Foi um jogador que me surpreendeu muito pela capacidade técnica e pela inteligência quando eu cheguei, tem sido uma aposta desde o primeiro dia que cheguei aqui, felizmente para nós tem dado resultado, é um jogador que valorizou muito neste último ano e meio. Este ano está a fazer uma excelente época, em termos de golos e assistências com números fora de normal para o médio. É realmente um jogador com características muito diferentes daquilo que são os médios em França normalmente. Por acaso é um jogador daqui de Dunkerque, um jogador da cidade, penso que vai evoluir ainda mais e vai dar muito a falar.
E o Diogo Queirós?
O caso do Diogo é engraçado, porque eu conheci o Diogo a vida toda como defesa-central e nós no início da época estávamos à procura de um número seis. O chief scout do clube chegou à minha beira com o nome dele e disse-me: 'Está aqui o Diogo Queirós, não sei se conhece, se tem uma opinião sobre ele'. Disse-lhe que nós estamos à procura de um seis e ele respondeu: 'Sim, ele joga a seis'. E eu não tinha de todo acompanhado o Diogo na última época, ele estava a jogar a seis na Roménia [no Farul]. E foi contratado por nós como número seis. É uma posição em que o Diogo, por ter apenas um ano antes desta época, ainda está a evoluir, ainda está a descobrir, ainda está a crescer, tem sido útil, tem sido útil porque é um jogador, acima de tudo, muito profissional, é um jogador que tudo aquilo que a gente corrige e ele tenta fazer ao máximo. Contudo, tem muitos anos de defesa-central e na nossa forma de jogar nós pedimos muitas coisas ofensivas ao seis. Ele tem evoluído sem dúvida nenhuma, é um dos jogadores que tem feito alguns jogos importantes. Quando chegou foi muito importante. Fez quatro jogos seguidos e eu penso que nós tivemos quatro vitórias nesses quatro jogos apesar de, no último desses quatro, ele ter sido substituído ao intervalo. Foi titular com o Auxerre, na nossa primeira vitória contra uma equipa da primeira divisão da Taça. Agora tem perdido algum espaço, tem jogado menos, temos tido outras soluções para a posição, mas é um jogador que está evoluindo a posição, que eu penso que poderá melhorar.
Pelo que vi também, o vosso lateral-esquerdo, Alec Georgen, é um jogador com formação em grandes clubes, como o PSG, e que agora tem estado a afirmar-se no Dunkerque, aliás foi selecionado para a equipa da última ronda da Taça de França. Às vezes é também importante enquanto treinador ter este tipo de jogadores, sem serem grandes estrelas, dando-lhes oportunidade e tempo de jogo correspondem depois em termos coletivos?
Sim, nós temos apostado em jogadores jovens. Temos aqui uma mescla de alguns jogadores mais experientes, que também ajudam nessa aposta, que sustentam um pouco esses jogadores. Eu sou um treinador que gosta de apostar em jovens, gosta de trabalhar, gosta de ver os jogadores crescerem e evoluírem, e penso que temos conseguido uma boa mescla aqui no clube, e as coisas têm resultado, acima de tudo porque o grupo tem sido um grupo que tem trabalhado muito, que quer evoluir, que gosta da forma como nós trabalhamos, e isso ajuda toda a gente, ajuda o clube a ter melhores resultados, os jogadores a evoluírem e ajuda o staff também a crescer.
Nessa entrevista que referi disse, com alguma graça, que o seu pai não queria que fosse para o futebol e que tem muito orgulho no seu percurso porque nada foi lhe foi dado. Veio de Bragança, tirou o curso em Bragança, e neste momento está prestes a jogar contra o PSG nesse grande jogo, na meia-final da Taça de França, está prestes até a disputar a promoção, eventualmente, para a primeira Liga francesa. Tem feito ultimamente um balanço pessoal daquilo que tem sido o crescimento da sua carreira e sente que está cada vez mais no rumo certo enquanto treinador?
Sim, sem dúvida. E sinto que, quando eu vim para a França, tive muita gente amiga do futebol que me disse que eu era maluco, disseram: 'O que é que tu vais fazer? Já tens um nome em Portugal, ganhaste a Youth League, és o único treinador que ganhou a Youth League no Benfica, conseguiste ganhar a Intercontinental logo a seguir, tens um bom nome em Portugal, tens clubes que te querem em Portugal e vais agora dar um passo para um país que nem te conhecem...' Mas agora tenho a certeza que fiz a coisa certa, acredito na minha competência, acredito que era capaz de fazer o meu trabalho e sim, tenho um orgulho enorme de ter vindo de baixo, mesmo lá de baixo, comecei a treinar em miúdos de cinco ou seis anos ao fim-de-semana no Vizela e sou agora o único treinador estrangeiro na segunda Liga francesa. Estar a fazer o campeonato que estamos a fazer, estar a fazer a Taça de França que estamos a fazer, sem dúvida nenhuma que tenho cada vez mais a certeza de que tenho dado os passos certos. Não tenho dado passos muito grandes, mas tenho dado passos certos um de cada vez e penso que as coisas vão acontecendo com naturalidade.