Miguel Vítor deixou Portugal há cinco anos e depois de três anos na Grécia, a representar o Paok, está há duas épocas no Hapoel Beer Sheva, onde se sagrou bicampeão de Israel.

Depois de uma primeira época de sonho onde aliou a conquista do título com o prémio de melhor jogador do campeonato, o jogador formado no Benfica viveu, esta época, um ano mais complicado, com uma lesão que afastou dos relvados em Março.

O regresso está previsto apenas para o final do ano, mas o defesa assume, nesta entrevista ao Maisfutebol, que ter erguido o troféu de campeão o ajudou a tirar algo de positivo de um ano tão difícil em termos pessoais.

Sobre a instabilidade do país, Miguel Vítor garante que o conflito israelo-árabe não se sente no quotidiano de um país onde o central de 28 anos confessa sentir-se seguro e feliz, junto da família.

Qual a sensação de se ter sagrado bi-campeão em Israel no Hapoel Beer Sheva?

Foi muito bom. Tivemos uma época de altos e baixos. Estivemos quase a entrar na Liga dos Campeões, mas perdemos com o Maribor no playoff e acho que a equipa sentiu um bocado essa não qualificação. Estávamos com grande expectativa que isso pudesse acontecer e nessa altura fomos um pouco abaixo animicamente.

Mas acabam como campeões com grande vantagem.

Tivemos um início da época um pouco complicado, mas em Israel há um playoff final com as seis melhores equipas e nessa fase mostrámos claramente que somos a melhor equipa em Israel. Para o clube foi o terceiro ano seguido a ser campeão e a cada ano que passa, torna-se mais difícil revalidar o título, até por questões de motivação. Foi um sentimento de grande felicidade acabar o ano com o título. Para mim, serviu para tirar algo positivo no meio de uma época que foi muito complicada, por causa de uma lesão. Conseguiu trazer um bocado de felicidade a este final de ano.

É mesmo mais complicado sofrer por fora?

Sim, sim. Ainda por cima, no ano passado tinha feito uma época muito boa, fui eleito o melhor jogador do campeonato. E uma pessoa tem sempre expectativas de fazer uma época pelo menos ao mesmo nível e infelizmente não foi possível. Mas o futebol é mesmo assim, num ano estamos lá em cima e no outro, por fatores que não controlamos, as coisas não correm tão bem. Mas agora só me resta trabalhar para quando regressar, conseguir voltar ao nível em que estava antes.

(Miguel Vítor festejou com a família a conquista do tricampeonato do Hapoel Beer Sheva, o segundo desde que o jogador está no clube)

Também por ter sido eleito o melhor jogador do campeonato ano de estreia em Israel, tornou-se mais difícil lidar com a lesão?

Sim. Já no início da época tive problemas neste joelho. Na altura conseguimos evitar a operação, mas já tinha estado alguns meses parado. Foi uma época em que joguei muito pouco e foi complicado. Também porque tinha grandes expectativas para esta época. Para um jogador, o mais complicado são estas alturas em que estás lesionado, vês toda a gente a treinar, a fazer o que mais gosta, e estás a treinar à parte. São períodos em que temos de ser muito fortes mentalmente para ultrapassar

Este foi o terceiro título do Hapoel Be'er Sheva, depois de 40 anos sem o conquistar. Já se pode dizer que são a nova potência do futebol em Israel?

Acho que sim. Nós e o Maccabi Tel Aviv somos as equipas mais fortes – também as que têm maiores orçamentos – e acho que nos próximos anos são as que vão estar sempre na luta pelo título. Há também o Maccabi Haifa que é um dos maiores clubes em Israel, mas está a atravessar uma fase menos positiva. Nós conseguimos o tri-campeonato, temos mostrado ser a melhor equipa do campeonato, mas cada ano que passa torna-se mais complicado revalidar o título. Temos uma tarefa difícil à nossa frente, mas queremos voltar a ganhar porque o campeonato é a competição mais importante para os adeptos.

Está no segundo ano em Israel. Como é jogar num país onde existe uma instabilidade tão grande.

No dia-a-dia, quem vive em Israel não sente esse tipo de instabilidade que as notícias passam para o resto da Europa, e que se vive na zona da Faixa de Gaza. Nós lemos as notícias, sabemos o que se passa, mas no dia-a-dia, é um país que oferece uma excelente qualidade de vida.

Não se sente a instabilidade?

Eu tenho cá a minha família, as minhas filhas adoram estar cá e, para ser sincero, este é um país onde me sinto mais seguro do que sentiria noutro país da Europa. Mais do que em França ou Inglaterra, onde, por vezes, há atentados terroristas onde atacam indiscriminadamente. Aqui há alguns focos de conflito, é verdade, mas estão localizados em duas ou três zonas. No resto do país, toda a gente faz a sua vida normal e não sente essa instabilidade.

Não se sente insegurança nem nas deslocações que fazem para os jogos?

Não, não. Nunca senti nenhum tipo de insegurança aqui. Quando vim, também tive algumas dúvidas e receios porque aquilo que a comunicação social passa é sobre os conflitos que existem. Na altura, falei com um ou dois portugueses que já jogavam em Israel, que me disseram para vir sem problema porque este é um país com uma excelente qualidade de vida. E depois de estar aqui dois anos, vejo que eles tinham razão e que Israel é um excelente país para se viver. Claro que tem os seus conflitos, mas no dia-a-dia isso passa um bocado ao lado.

Aqueles que aconteceram na fase final do campeonato devido à mudança da embaixada dos EUA para Jerusalém também passaram ao lado?

Sim. Em Jerusalém, houve um reforço das medidas de segurança. Mas eu estou a mais ou menos 40 quilómetros da Faixa de Gaza. Não estou muito longe, mas no dia-a-dia, não sinto nenhuma diferença no país. A polícia é a mesma, o controlo que existe é o mesmo que havia antigamente. Este é um país que tem uma segurança muito forte, mas não se sentiu nenhuma diferença.

Tem muitos colegas israelitas no balneário. Algum tem a família em zonas problemáticas ou já teve alguma situação mais delicada?

Não. Temos jogadores muçulmanos, judeus e cristãos e toda a gente se dá bem. Temos famílias que vivem do lado de Jerusalém, que pertence à Palestina, mas que nunca soube que tenham passado por algum episódio mais complicado. Quem vê as notícias pode pensar que isto é um país em guerra, mas não tem nada a ver com isso. Se não fosse seguro, eu não teria aqui a minha família.

Quando estava na Grécia deu uma entrevista onde disse que as suas filhas lhe ensinavam grego. Também já lhe ensinam hebraico?

(risos) Sim, já. Elas já estão a falar praticamente tudo, estão completamente integradas aqui e vão-me ensinando algumas coisas. Dão-me uma boa ajuda.

Leia ainda:

Miguel Vítor, o sonho de voltar ao Benfica e a evolução de Rúben Dias 

Miguel Vítor: «Sei que o meu tempo para a seleção passou»

«Violência no futebol? Em Israel os castigos são muito pesados»