* por Tiago Antunes

Há um jovem português de 16 anos a viver o sonho americano. Guilherme Eloy, jogador de futebol americano dos Lisboa Lions, equipa associada ao Clube Desportivo Olivais e Moscavide, vai estudar e jogar na Escola Secundária Rabun Gap, no estado da Geórgia. Será, assim, o primeiro português a cruzar o Atlântico com proposta em mão para abraçar esta modalidade.

Mas a bola oval nem sempre foi a eleita. Guilherme começou a jogar futebol aos quatro anos, passando mais tarde para o futsal, mas a envergadura física revelou-se um problema de integração.

«Eu jogava futsal nos infantis e sempre fui mais alto que todos. Nos treinos só trabalhava condição física por ordem do treinador, tinham medo que magoasse os outros, e nos jogos até tinha de mostrar o cartão de cidadão, era um processo demorado», recorda ao Maisfutebol.

Pouco tempo depois surgiu o futebol americano. Embora a confiança não fosse muita, Guilherme aceitou o desafio.

«Decidi parar com o futsal e uns dias mais tarde fui experimentar futebol americano. Admito que tinha receio, eram todos mais velhos, mas sempre me tentaram incluir na equipa. Quando tinha medo do contacto diziam para não desistir, para não ter medo. Tenho muito a agradecer aos meus colegas», confessa o jovem.

Pedro Esteves, diretor dos Lisboa Lions, a secção de futebol americano do Clube Desportivo Olivais e Moscavide, admite ter ficado surpreendido quando viu Guilherme pela primeira vez, e acredita no sucesso do jovem nos Estados Unidos, ainda que o sonho seja muito difícil de alcançar.

«Chegar à NFL são outros tantos. Temos de ser realistas e reconhecer que é complicado. A verdade é que fiquei muito impressionado quando o vi. O pai enviou mensagem a dizer que ele queria experimentar o futebol americano. Disseram-me que ele era grande, mas não sabia que era tão grande. Quando o vi pensei: "chiça, se é assim com esta idade, quando chegar aos 18 anos vai ser um monstro dentro do campo". Fiquei entusiasmado e mais impressionado quando o vi com 14 anos a treinar com pessoas de 20, 30 anos e ele não tinha medo. Não sabia bem as regras, mas não tinha medo», recorda Pedro Esteves.

Guilherme conhecia pouco da modalidade, por essa altura, mas foi ganhando prática, até com a ajuda de videojogos.

«O futebol americano não é tão grande em Portugal como o futebol ou o futsal. Acho que tem muito a ver com o facto de os meios de comunicação só se focarem no futebol. Isso fecha as portas a novos desportos que existam. O futebol americano já existe cá há 12 anos, pelo menos. Esta notícia, da minha aventura, vai dar outros olhos às pessoas sobre o futebol americano em Portugal. Até os olheiros visitam Portugal para ver novos jogadores. Tudo vai mudar», acredita Guilherme.

A aventura americana está prestes a começar, mas começou a ganhar forma há ano e meio, por ocasião de um jogo em Loulé.

«As conversações remontam ao final de 2019, quando o Guilherme jogou contra os Algarve Sharks. Correu bastante bem, ganhou a melhor placagem do jogo, teve apontamentos acima da média para a idade dele. Estava lá um treinador americano que viu potencial nele e pediu-me para enviar vídeos. Entende que ele tem muita margem de progressão», conta o pai, Nuno Eloy.

Joe Sturdivant, o treinador da escola de Rabun Gap, não descansou enquanto não recrutou o jogador português.

«O treinador reconheceu qualidades nele. Disse que o Guilherme mexe bem a cintura, que apoia bem as mãos no chão, que tem boa técnica. Coisas que nós não conseguimos ver. Perguntou logo como era o Guilherme academicamente, e eu expliquei que ele sempre foi muito evoluído, entrou para o quadro de honra da escola, e as notas sempre foram excelentes», diz o pai, que tem uma forte ligação ao desporto: é presidente do Futebol Clube Prior Velho e diretor técnico na vizinha Sociedade Recreativa Catujalense.

Apesar do interesse americano em Guilherme, era preciso contornar a barreira financeira. E a primeira abordagem ficou aquém da realidade.

«Eles não podiam oferecer a bolsa de 105 mil dólares, pelo que ofereceram só 55 mil na primeira reunião. Esse valor não chegava e o dinheiro que nós, pais, tínhamos de dar, era insuportável. Mas eles prometeram que iam voltar a falar connosco. A escola insistiu e fez ver que o Guilherme não é mais um jogador, ele é o jogador que eles querem ter. Acabaram por aumentar o valor da bolsa, apesar de termos de contribuir do nosso bolso, com um valor mais comportável. Alguns conhecidos também ajudaram financeiramente incluindo os nossos patrões, quando souberam da história dele», explica Nuno Eloy.

Uma rotina virada para o profissionalismo, sem o aconchego familiar

A menos de um mês da partida, o jovem de 16 anos promete «aproveitar o máximo tempo possível com os amigos e a família», de quem se vai afastar durante um ano. As saudades são a maior preocupação, mas a mudança de país não assusta.

«Sempre gostei de inglês, mas vou melhorar. Aqui, nas aulas, podemos pensar em português e falar em inglês, mas lá vou ter de pensar em inglês e falar em inglês. Já falei com alguns companheiros novos, foram bastante acolhedores, deram os parabéns pela bolsa. Vai ser uma experiência rica», acredita.

O pai não esconde a tristeza, ainda que envolvida num enorme orgulho.

«Neste momento estamos chateados, porque vamos perder o nosso filho por um ano. Agora só volta em maio, nem passa o Natal em casa. Mas ao mesmo tempo estamos felizes por ele seguir o seu caminho», diz Nuno.

«Ainda não sei bem da rotina, mas já falei com alguns dos meus futuros colegas e eles contaram que acordam às cinco da manhã, tomam banho e o pequeno-almoço, e depois vão para as aulas. A seguir têm o almoço, da parte da tarde começam com um treio no ginásio e, duas horas depois, vão para o campo. Está feito o dia. Cá saía às sete da manhã para correr, mas por iniciativa própria. Lá é obrigatório, é assim que começa o dia. É algo mais profissional», antecipa.

O jovem atleta não esconde a motivação, apesar de ter um plano B estudado.

«Agora vou para a «high school» e recebo a bolsa de estudos. Os jogadores da universidade já são profissionais, recebem salário. Lá há sempre um curso profissional que pode abrir portas. Se não for chamado para o «draft», tenho sempre o curso profissional de reserva. Gostava de estudar direito e justiça criminal, e pode ser por aí a minha saída. A European Football League também é interessante, há clubes que pagam salários bastante razoáveis, de quatro ou cinco mil euros mensais, salários de grandes empresários cá em Portugal», revelou Guilherme.

Para quem joga a “defensive tackler”, que tem como função comandar a defesa e atrapalhar a tarefa do quarterback adversário, Guilherme acredita ter uma característica essencial.

«Uma das coisas em que tento ser melhor é na liderança. Como estou no centro da linha e tenho os olhos na bola, tenho de dar indicações aos meus defesas. Quero que confiem em mim, que se sintam bem comigo, como um núcleo familiar. Estamos juntos para o que der e vier. A nível técnico perfuro melhor a linha, faço bem a placagem ao quarterback, tento atrapalhá-lo na hora do passe, tenho de lá chegar depressa para que ele erre o passe», explica o jovem.

Vita Vea é o jogador que Guilherme escolhe como referência na NFL, e os Las Vegas Raiders a equipa preferida, mas antes da mudança para os Estados Unidos o jovem da Póvoa de Santa Iria recebeu conselhos de outro atleta a viver o sonho americano: o basquetebolista Neemias Queta.

«Disse-me que tinha de manter o foco, nunca desistir, estar sempre concentrado, trabalhar duro e estudar muito. Foram palavras sábias. Ele é do Vale da Amoreira. Não é a minha zona, mas veio de uma realidade parecida à minha. Ele conseguiu destacar-se cá, foi logo para a universidade e agora vai entrar para a NBA, vai ser o primeiro português a jogar lá. Isso é algo inspirador», diz Guilherme.

Eloy não vive apenas o sonho em nome próprio. Alimenta a ambição dos jovens que contrariam a tendência, que vivem um desporto pouco reconhecido em Portugal.

«Fico muito feliz por conseguirmos ter aberto esta porta ao Guilherme. Ele é a perfeita representação de que é possível. É a modalidade de elite deles, e ele conseguir isto tão jovem é impressionante», diz o diretor dos Lisboa Lions.

«Pode ser difícil, vamos ter sempre adversidades, mas basta trabalhar, manter o foco e seguir o rumo certo. Acaba por ser uma boa forma da promoção da modalidade em Portugal, porque muito pouca gente não sabe que há futebol americano no nosso país. O Guilherme pode vir a ser uma imagem de marca do futebol americano em Portugal», acredita Pedro Esteves.

A mala está quase feita. Guilherme Eloy leva a ambição de chegar à NFL.