Jorge Braz chegou ao balneário e João Matos já tinha começado uma espécie de palestra. Estava com garrafas de água no chão a explicar aos colegas o que deveriam fazer para as coisas correrem melhor na segunda parte. O selecionador nacional olhou o cenário e não travou o jogador. Antes, fez o inverso. Passou-lhe a responsabilidade. «Toma, usa a prancheta que é mais fácil», atirou.

E, por uns momentos, foi um jogador a falar ao grupo como deveria jogar.

A autonomia foi chave na conquista do Europeu de Futsal, defende Jorge Braz. Esta foi uma das histórias contadas pelo técnico na sua participação no Forum dos Treinadores, que decorre em Braga.

«Alguns jogadores assumiram papel de líder. Este espírito é algo que se foi construindo desde início. Foi esta autonomia que permitiu evitar a asneira em momentos de maior dificuldade», definiu.

O tema da conversa com os treinadores e convidados presentes foi «Como chegar a campeão europeu» e Jorge Braz não tem dúvidas que a responsabilização individual faz parte do caminho. Mesmo para os mais novos. O grupo que conquistou a Europa tinha jogadores rodados como Ricardinho, Cary ou João Matos, mas também figuras emergentes.

«O objetivo era que os jogadores sentissem que a seleção já não é um prémio, é uma responsabilidade. Os jogadores mais jovens tinham de perceber que terminou no início do torneio a fase de serem jovens. Perceber que erros não se podem voltar a cometer e que tarefas são para cada um», explicou.

«Estive sempre muito tranquilo. Aquilo ia cair para o nosso lado»

Depois da autonomia, Jorge Braz centra o seu discurso noutra palavra: tranquilidade. Algo que, confessa, também foi aprendendo com o tempo. Hoje é muito diferente do que no início da carreira, claro.

«Em todos os momentos de adversidade senti uma tranquilidade absoluta. Quando as coisas evoluem de forma autónoma, há sempre tranquilidade. Noutros tempos, poderia andar aos saltos no banco e a dar pontapés em garrafas de água, mas pareceu-me importante estar tranquilo e passar essa imagem aos jogadores», explicou.

Para haver tranquilidade era preciso, também, haver confiança e era por acreditar no trabalho dos seus jogadores que Jorge Braz assume a postura. E atira uma das frases marcantes da apresentação: «Estive sempre tranquilo. Aquilo ia cair para o nosso lado.»

«Em que momento percebi que ia ser campeão? Agora vão dizer que estou a dizer isto porque ganhámos, mas tive a convicção depois do jogo com a Rússia [meias-finais], quando vi os jogadores no centro sem grandes festas. Dali a dois dias era a final e já estávamos a começar a preparar isso», contou.

E agora? O que mudou o título europeu no futsal português? Jorge Braz, no que à seleção diz respeito, salienta o foco em objetivos altos. Vem aí o Mundial e Portugal vai voltar a entrar na prova para um resultado de topo.

«Não estou a dizer que vamos chegar lá e ganhar fácil, mas vamos outra vez com expectativas elevadas, outra vez com objetivo de medalhas. Acho que o Mundial pode cair para o nosso lado, como o próximo Europeu pode cair. Importante é estar nas disputas. Da forma como estamos a preparar as gerações futuras, acredito perfeitamente que esta foi só a primeira vez. É fundamental que os treinadores de formação sejam pessoas qualificadas», salientou.

O sucesso atual valida o processo que veio ao longo dos tempos, embora Jorge Braz saliente que os resultados positivos são importantes para que haja tempo para desenvolver o processo. Se, no passado, os resultados tivessem sido francamente maus, provavelmente não se chegaria hoje a este nível. Ou talvez se chegasse, mas por caminhos diferentes.

«Poderíamos, em tempos, ter enveredado por outras vias, como é o caso das naturalizações», assumiu. Mas salientou que o jogador português é diferente e isso cria problemas às outras equipas. «Ninguém tem o Ricardinho, ninguém tem o João Matos e a sua inteligência, ninguém tem um guarda-redes com as características do André Sousa. Temos coisas fantásticas», elogiou.

De qualquer forma, a opinião sobre as naturalizações não é estanque, até porque «iam dar mais soluções». «É preciso lembrar que vivemos numa era muito global. Na seleção feminina por exemplo, há jogadoras que vieram para cá muito jovens. Mas a aposta deve ser sempre valorizar o que é nosso e dar oportunidades a estes jovens», defende.

Por fim, outra meta é que o sucesso da seleção ajude a desenvolver o panorama a nível de clubes: «Espero que este título ajude a desenvolver mais a paixão nos clubes para que se crie mais estruturas.»