* Enviado-especial ao Brasil

Menos de 24 horas depois daquele que ficará como um dos momentos mais desconcertantes dos Mundiais, a Holanda juntou os dois protagonistas. Lado a lado Jasper Cillessen, o guarda-redes que jogou 120 minutos frente à Costa Rica, e Tim Krul, o homem que entrou apenas para defender as grandes penalidades. E defendeu duas. O titular falou pouco. Depois de uma primeira reação intempestiva, Cillessen repete agora que aceita a decisão do treinador, embora não fizesse ideia de que aquilo ia acontecer. Quanto a Krul, goza o momento, enquanto lembra a expressão de surpresa do banco da Costa Rica quando o viu aquecer.



Sentaram-se juntos na sala de imprensa do «Ninho do Urubu», o centro de treino do Flamengo, no Rio, que tem servido de quartel-general à Holanda. «Claro que teve um impacto psicológico. Quando comecei a aquecer todo o banco deles ficou desconcertado, foi uma situação muito curiosa. Não sabiam o que estava a acontecer», sorri Krul.

O guarda-redes do Newcastle era apenas um de três homens no Arena Fonte Nova, naquela noite, que sabia o que podia acontecer. Os outros eram Van Gaal e o treinador de guarda-redes da Holanda, Frans Hoek. Krul foi informado à entrada para o autocarro. «Frans Hoek disse-me para não dizer a ninguém, que seria melhor esperar para ver se havia penáltis.» Sabendo o que sabia, o guarda-redes do Newcastle admite que encarou a partida com outros olhos: «Vi todo o jogo com um olhar diferente, na expectativa se iria ou não entrar.»

E lá dentro, Cillessen, o jogo todo na baliza a segurar o 0-0, a terminar numa defesa aos 119 minutos, a remate de Umaña. Não sabia de nada, porque Van Gaal optou por não lhe dizer. E não foi fácil lidar com o que se passou, reconhece: «Vi Krul aquecer mas mantive-me concentrado. Não sabia antes e fiquei um pouco surpreendido. Queria jogar até ao fim e também defender os penáltis, mas é o treinador que decide e eu tenho de aceitar.» Não deve ser fácil gerir uma situação destas, mas Van Gaal diz que lidera no Brasil o melhor grupo que alguma vez teve e confia num espírito de equipa capaz de superar tudo.

Publicamente, Cillessen não vai contra essa ideia: «Estou contente com Van Gaal, deu-me oportunidade de jogar e estamos a ganhar jogos.» Ele que manterá de resto a titularidade no Campeonato do Mundo, isso é claro para todos, a começar por Krul.

Krul, mas também Cillessen e Michel Vorm, o terceiro guarda-redes da Holanda, sabiam tudo sobre os penáltis da Costa Rica. Cillessen: «Estudamos muito os penáltis e sabemos sempre o que havemos de fazer.» Krul: «Trabalhámos penáltis durante várias semanas e sentia-me muito confortável, com muita confiança.»

Não foram só os guarda-redes. Van Persie também contou como os jogadores que poderiam vir a bater penáltis estudaram Keylor Navas, o guarda-redes da Costa Rica. «O treinador de guarda-redes mostrou-nos um vídeo dos últimos 20 penáltis do Navas. Sabíamos como ele se atirava.», diz o avançado.

De volta à baliza da Holanda. Nesses treinos Krul, que nem tem um grande historial a defender remates dos 11 metros no Newcastle (defendeu dois em 20 penáltis em quatro anos), terá dado mais confiança a Hoek e, logo, a Van Gaal. Foi o escolhido para aquela arrojada e inédita substituição, que Van Gaal deixou de reserva até ao final e que virou a mesa em Salvador.

No desempate, Krul não deixou a sua marca apenas entre os postes. Fez jogo psicológico ostensivo junto dos marcadores da Costa Rica, falando com cada um deles antes de bater o penálti. No limite do comportamento anti-desportivo, dizem alguns críticos, enquanto se admite no Brasil que a FIFA possa vir a penalizá-lo. Ele defende-se: «Não me comportei de forma agressiva, dei ideia aos adversários que os tinha estudado, que sabia para onde iam rematar. Estavam sob pressão máxima e utilizei tudo o que estava no meu poder para os desconcentrar. E funcionou.»

Krul aproveita de resto para tirar o chapéu ao ideólogo por trás disto tudo. Louis Van Gaal, que se tem divertido no Brasil a baralhar e dar de novo. No início dos jogos, com o sistema de três centrais que trouxe ao Brasil, também durante as partidas, com adaptações e alterações em pleno jogo, a mais notória das quais nos oitavos de final frente ao México, que o holandês fez questão de sublinhar. Disse Van Gaal que aproveitou a pausa oficial para os jogadores se refrescarem, a primeira do Mundial, para mudar a tática e apostar em bolas longas para Huntelaar e Kuyt. Faltavam 15 minutos para o final, a Holanda estava a perder e venceu.

Agora Van Gaal, o treinador que depois do Mundial vai para o Manchester United, inventou isto, dando toda outra dimensão à sua lenda. «É o nosso treinador há anos e é uma honra. O facto de o Manchester United o ter contratado diz tudo», elogia Krul.

Para a Holanda segue-se a Argentina. Krul verá do banco a meia-final, veremos se fica ou não por lá. Ou se Van Gaal tira outro coelho da cartola. Seja como for a equipa está preparada, garante: «A Argentina é uma equipa enorme, estão nas meias-finais, mas nós também temos confiança em nós próprios. Estamos em melhor condição física que muitas equipas do Mundial e será um grande jogo.»

E, claro, quarta-feira está perto, mas a Holanda vai ter tempo para preparar a fundo outro final dramático como o de Salvador. Krul: «Vamos sentar-nos, eu, o Jasper, o Michael Vorm e o Frans Hoek e ver os penáltis da Argentina.» Preparem-se.