Estes foram, indiscutivelmente, os Jogos de Michael Phelps, de Simone Biles e de Usain Bolt, os grandes dominadores das três modalidades que historicamente mais prendem a atenção dos espectadores de todo o planeta.

No plano desportivo, foram também os Jogos em que Katie Ledecky emergiu como estrela global na natação, em que se fixaram três fantásticos recordes mundiais nos primeiros dias do atletismo e em que Mo Farah, bisando o ouro nos 5 e 10 mil metros, garantiu um lugar no panteão dos maiores fundistas de sempre. Não esquecendo que, em pleno Maracanã, liderado por um controverso Neymar, o Brasil quebrou o jejum histórico, juntando um inédito título de campeão olímpico de futebol masculino à sua galeria de Mundiais.

Foram, ainda, os Jogos em que o Rio deu a volta aos receios de terrorismo, do surto de Zika e das consequências de uma evidente instabilidade social e política para sair com nota amplamente positiva da organização de um evento gigantesco. Os problemas – que existiram - foram menos do que o inicialmente temido e acabaram amplamente ultrapassados pelas fantásticas condições naturais e pelo charme inigualável e contagiante de um povo que abraçou a festa, mesmo se isso não teve repercussão nas lotações das arenas olímpicas.

Para lá das estrelas globais, que durante 16 dias puseram o mundo suster a respiração, a história dos Jogos Olímpicos fez-se também de momentos e imagens para guardar nas memórias. Muitas delas nada têm que ver com as glórias de medalhas e pódios - a história por detrás de certas imagens vale por si só – e nos Jogos ainda mais. Invulgares, cómicas, bizarras ou comoventes, como sempre acontece a cada quatro anos, o Rio deixou-nos submersos em fotos com histórias dentro. Como estas, por exemplo.

A história que ilustra o espírito olímpico por excelência aconteceu nas eliminatórias dos 5 mil metros e teve como protagonistas a neozelandesa Nikki Hamblin e a norte-americana Abbey D’Agostino. Hamblin, tocada por outra corredora, desequilibrou-se e caiu na pista, arrastando involuntariamente D’Agostino na queda. A norte-americana foi a primeira a levantar-se, mas em vez de reiniciar a corrida, tentando recolar ao pelotão, voltou para trás, incitando Hamblin, atordoada no chão, a recomeçar. Quando a neozelandesa voltou a correr, foi a norte-americana a cair, com dores violentas no joelho. Hamblin parou, voltou para trás e ajudou-a a reerguer-se, incitando-a. Depois de completar a sua prova, Hamblin ficou na meta, à espera que D’Agostino, que se tinha lesionado nos ligamentos, acabasse a prova ao pé-coxinho. As duas, que não se conheciam antes da prova, trocaram um longo abraço que emocionou o mundo e convenceu o júri a atribuir-lhes vagas extra na final – que a lesionada D’Agostino não pôde ocupar.

O desafio era enorme: conquistar cinco medalhas de ouro no Rio de Janeiro, para reclamar o título de melhor ginasta de todos os tempos. A pequena norte-americana (1,44 m), de apenas 19 anos, não defraudou as expectativas e dominou a concorrência em quase todas as frentes. Quase: na final de trave um desequilíbrio flagrante relegou-a para a terceira posição, transformando um dos cinco ouros em bronze. Nada que diminuísse o seu estatuto de campeoníssima ou que lhe atenuasse um sorriso rasgado e contagiante. Apenas um instante de desconcentração a provar que, contra todas as evidências, Simone Biles também é humana.

Nos Jogos mais abertos de sempre à comunidade LGBT, o primeiro momento casamenteiro aconteceu na conclusão da prova feminina de râguebi de sevens (uma novidade), quando Marjorie Enya, uma voluntária nos Jogos, pediu em casamento a sua namorada, Isadora Cerullo, jogadora da seleção brasileira.

Seis dias depois, o saltador chinês Qin Kai aproveitou a cerimónia de pódio do trampolim de 3 metros para pedir em casamento a medalhada He Zi, com câmaras apontadas e ecrã gigante em fundo. Para quem se preocupa com happy ends, tanto num caso como no outro elas disseram que sim.

Extenuados, o argentino Del Potro (prata) e o britânico Andy Murray (ouro), abraçam-se depois de uma final épica no torneio de ténis, que prendeu até ao último instante a atenção de um público invulgarmente participativo e febril no apoio aos tenistas. Del Potro, que afastou Novak Djokovic e Rafael Nadal, além do português João Sousa, foi talvez o grande protagonista do torneio, mas não teve argumentos para impedir a revalidação do título olímpico por parte de Murray. O desportivismo no final deu o toque extra de classe a um grande momento e a um encontro esgotante – até para os espectadores.

Mesmo ficando longe da luta pelas medalhas, Oksana Chusovitina recebeu uma das maiores ovações na competição de ginástica destes Jogos. E não é para menos: com 41 anos e dois meses, sem falhar uma edição desde 1992, a ginasta do Uzbequistão, finalista no salto de cavalo, tornou-se a mais velha de sempre numa competição olímpica de ginástica e a primeira a participar em sete edições consecutivas de Jogos.

O sorriso de Bolt em plena final dos 100 m teve qualquer coisa de manifestação deliberada de superioridade sobre a concorrência – e como tal, embora marcante, não se tratou de um momento feliz. Já o sorriso partilhado com o canadiano Andre De Grasse, na meia-final dos 200 m, foi outra coisa: um genuíno momento de cumplicidade, surpresa e boa disposição a dois, a partir do momento em que De Grasse, com o apuramento no bolso, decidiu forçar um pouco mais, obrigando Bolt a meter a quinta para vencer a série. «Ia-te enganando, hã?», diz o sorriso do canadiano. «Vê lá, andas a abusar», responde-lhe o sorriso do homem mais rápido do mundo. Os dois garantiram o apuramento direto com facilidade para uma final que terminariam com ouro e prata, respetivamente.

Da Estónia vieram as primeiras trigémeas a participar numa maratona olímpica. As irmãs Luik, que mesmo os pais devem ter dificuldade para distinguir, não desperdiçaram a oportunidade para uma foto de conjunto em jeito de «descubra as diferenças», apesar de, tecnicamente, apenas duas terem terminado a prova: Lily foi 97ª, Leila foi 114ª, Liina saiu de cena a meio do percurso, mas para junto à meta, torcer pelas manas.

Não somos nós a dizê-lo: para Michael Johnson, provavelmente o maior especialista de sempre em 200 e 400 metros, o mergulho de Shaunae Miller, a garantir sobre a vitória sobre a meta, diante da norte-americana Alysson Felix, foi um dos maiores momentos do atletismo nos Jogos. Em clara perda de energia, depois de dominar amplamente a corrida durante 300 metros, a velocista das Bahamas transformou uma momentânea perda de equilíbrio num recurso que lhe permitiu assegurar o triunfo em circunstâncias dramáticas.

Um dia antes desta foto, a japonesa Kaori Icho tinha-se tornado a primeira mulher a sagrar-se campeã olímpica em quatro Jogos consecutivos, na luta (-58 kg). À entrada para a final, a sua compatriota Saori Yoshida (-53 kg), tricampeã em 2004, 2008 e 2012, preparava-se para igualá-la, disponde de um registo de 189 vitórias consecutivas ao longo de mais de quatro anos de invencibilidade. Amplamente favorita diante da norte-americana Helen Maroulis, Yoshida acabou por fraquejar no momento decisivo, contra todas as expectativas. E no final do combate não conseguia parar de pedir desculpas ao público e a todos os japoneses – numa torrente de lágrimas que não pôde estancar até à cerimónia de entrega das medalhas. Até pelo contraste com a felicidade incrédula da norte-americana, poucas vezes uma medalha de prata teve um sabor tão intenso a derrota.

Para um final invulgar, um protesto ainda mais insólito. A derrota por decisão arbitral do representante da Mongólia da luta, nos segundos finais do combate pela medalha de bronze, na categoria -65 kg, motivou um espontâneo strip-tease dos seus dois treinadores. Sem consequências práticas – felizmente, caso contrário a moda arriscava-se a pegar.

Para o último dia dos Jogos ficou reservado um dos seus momentos mais simbólicos: ao cortar a meta da maratona na segunda posição, o etíope Feyisa Lilesa pontuou a medalha de prata com um gesto – punhos cruzados, por cima da cabeça – cuja dimensão só se percebeu mais tarde, na conferência de imprensa dos medalhados. «O governo etíope está a matar o povo Oromo, a tirar-lhe as terras e os recursos. Os meus familiares estão na prisão e se falarem em direitos democráticos são assassinados», afirmou antes de assumir que pensa deixar definitivamente o seu país. «Se não me matarem mandam-me para a prisão», concluiu.

Broncas e vilões

Aos 32 anos, no que poderia ter sido uma valorosa última passagem pelos Jogos Olímpicos, Ryan Lochte conquistou a 12ª medalha de uma carreira desportiva a todos os títulos brilhante. Mas uma saída noturna e um incidente numa bomba de gasolina, provocado em doses iguais pelo excesso de álcool e pela incapacidade de comunicação, levou-o a inventar um assalto à mão armada de falsos polícias, num encadeado de mentiras que, uma vez descobertas, atraíram sobre ele o papel de vilão predileto destes Jogos. Até para os próprios norte-americanos.

Repetindo o que já tinha acontecido com a FIFA durante o Mundial de 2014, a detenção em pleno Rio de Janeiro de um membro do Comité Executivo do COI, por envolvimento num esquema ilegal de revenda de bilhetes para os Jogos fez mais do que aumentar a suspeição em redor do organismo de que o irlandês Patrick Hickey era membro destacado – tornou ainda mais inaceitável a fraca taxa de ocupação das bancadas na grande maioria dos eventos olímpicos, com destaque para as provas de atletismo, que nem com Usain Bolt encheram o Engenhão.

A presença solitária de Darya Klishina, única representante russa nas provas de atletismo, sublinhou o grande tema de discussão que antecedeu a cerimónia de abertura: o esquema «oficial» de dopagem de atletas, validado ao mais alto nível pelas autoridades russas foi sancionado como devia, ou houve dois pesos e duas medidas em relação ao tratamento a atletas e modalidades de outros países? O COI fez o que deveria fazer ou, delegando nas federações, ficou aquém das suas responsabilidades? E, acima de tudo, houve ou não contágio político na forma como todo o dossier foi gerido? Perguntas que não ficaram desfeitas até final dos Jogos.

Não é de agora a reputação duvidosa de alguns desempenhos de juízes nas provas olímpicas de boxe. Mas nunca, como desta vez, as críticas foram tão veementes e diretas como as do irlandês Michael Conlan, depois de ser afastado nos quartos de final pelo russo Vladimir Nikitin, apesar de Nikitin (à esquerda) ter chegado ao fim com marcas visíveis na cara dos sucessivos golpes que Conlan lhe aplicou. «Os juízes são corruptos, é tão simples como isto. Não voltarei a lutar em provas da AIBA», afirmou depois do combate, usando as redes sociais para se dirigir a Vladimir Putin por escrito: «Quanto é que tiveste de pagar, meu?». Dias depois, a Associação Internacional de Boxe Amador retirou vários juízes e árbitros das provas olímpicas.

O final do concurso de salto com vara masculino proporcionou um dos desfechos mais emocionantes e inesperados, com o brasileiro Thiago Braz a melhorar largamente o seu recorde nacional para ultrapassar, no último ensaio, o grande favorito, o francês Lavillenie. Foi quanto bastou para que, numa clara manifestação de falta de cultura desportiva, o público no Engenhão vaiasse Lavillenie, quando este tentava recuperar a liderança. No final, de cabeça quente, o francês excedeu-se nas críticas, comparando o sucedido ao fanatismo dos alemães nos Jogos Olímpicos de 1936, para imediatamente pedir desculpas. O público não lhe perdoou, vaiando-o uma segunda vez na entrega das medalhas. Lavillenie não conteve as lágrimas perante a injustiça. A grande vitória de Thiago Braz da Silva merecia outro envolvimento.

O sucesso em toda a linha da equipa britânica de ciclismo de pista – em masculinos e femininos - motivou alguns comentários ácidos da concorrência, com insinuações veladas a comportamentos ilícitos. E o incidente provocado por Mark Cavendish na prova de Omnium, causando a queda aparatosa de três adversários – e obrigando à saída de maca do coreano Park San-Hoon, com um colar cervical - nada fez para melhorar a situação, reforçando a polémica em redor de um dos ciclistas mais controversos da atualidade.

Contrastando com o azul límpido da piscina de velocidade, a cor verde da caixa de saltos, foi uma das imagens mais marcantes – e preocupantes - da primeira semana dos Jogos. Para embaraço dos organizadores, as várias teorias avançadas para explicar o sucedido – de algas a equívocos nos tratamentos químicos - mostraram algum desnorte. Que não melhorou nada quando o porta-voz da organização, Mário Andrada, afirmou perante uma plateia incrédula de jornalistas que «a química não é uma ciência exata». Ao fim de três dias sem que a situação melhorasse, foi necessário recorrer a grandes métodos: esvaziar e encher de novo, com água tratada. O azul manteve-se até final dos Jogos.

Se Ryan Lochte se transformou no último vilão dos Jogos, o primeiro talvez tenha sido El Shehaby, o judoca egípcio da categoria +100 kg (à esquerda), que depois de ser afastado pelo israelita Or Sasson, nas rondas preliminares, se recusou a apertar-lhe a mão. Ainda pior, El Shehaby recusou-se a fazer a habitual saudação do judo até o adversário deixar o tatami, em protesto pela situação política no Médio Oriente. O Comité Olímpico acabou por punir o comportamento do egípcio com a expulsão e o regresso a casa. No ar ficou uma pergunta: se a intenção era protestar, não teria sido mais coerente recusar pura e simplesmente participar no combate?