Di Stéfano foi grande entre os grandes, mas nunca jogou um Campeonato do Mundo. Não está sozinho Don Alfredo, que acaba de deixar este mundo. Há grandes estrelas do futebol mundial que nunca tiveram um Campeonato do Mundo a servir de cenário ao seu talento. Por diversas razões. É deles que falamos neste capítulo do livro «O essencial dos Mundiais em 90 minutos», escrito pela redação do Maisfutebol, que publicamos aqui. Ladislao Kubala, George Best, Ryan Giggs, ou ainda Eric Cantona, por exemplo. Que pena, não foi?
O Mundial fez estrelas, criou mitos e legitimou talentos. Depois, há as ausências que validam a regra, os grandes jogadores que nunca chegaram a ter a chancela do Campeonato do Mundo. Nascido argentino, Di Stéfano cresceu no River Plate, com uma passagem pelo Huracan e lugar na «celeste», onde venceu a Copa América em 1947, o único título que conquistou por uma selecção. Em 1949, no meio de uma greve e debandada geral no futebol argentino, mudou-se para a Colômbia, onde ganhou mais títulos com o Millionarios e vestiu a camisola da equipa nacional, em quatro jogos.
A sua fama chegou a Espanha e Di Stéfano foi motivo para uma disputa entre Real Madrid e Barcelona. Ganharam os «blancos», numa vitória que havia de escrever a história do futebol europeu. Versátil, completo, foi o símbolo de uma equipa que ganhou tudo o que havia para ganhar e a grande figura do futebol mundial na década de 50. Naturalizou-se espanhol, vestiu a camisola da selecção 31 vezes, falhou a qualificação para o Mundial de 1958 e lesionou-se antes da viagem para o Chile, em 1962. Ainda integrou a convocatória final, ainda esteve no grande palco, mas nunca chegou a entrar em campo. Deixou de jogar em 1966 com um obrigado à bola, a sua companheira de sempre, a que chamava «Vieja».
Como Di Stéfano, Ladislao Kubala também se dividiu por três selecções. Húngaro, mas com origens polacas e eslovacas, começou por se estrear pela Checoslováquia. Foi recrutado depois pela Hungria, de onde fugiu em 1949. Rumou a Espanha e o Barcelona havia de segurar o seu talento e apoiar-se nele para conquistar as «Cinco Copas», dois títulos nacionais e três taças entre 1951 e 1953, e chegar à final da Taça dos Campeões Europeus de 1961, ganha pelo Benfica.
Kubala acabou por se naturalizar espanhol, mas viu-se a braços com a FIFA, castigado pela deserção da Hungria. Foi impedido de jogar o desempate de acesso ao Mundial de 1954 com a Turquia, decidido afinal em desfavor da Espanha por moeda ao ar. Só estaria num Mundial como seleccionador: orientou a equipa entre 1969 e 1980 e qualificou-se para a Argentina, em 1978, que a Espanha deixou ao fim da primeira fase.
A memória do futebol recua ainda mais atrás nesta história de grandes ausentes e fala de Artur Friedenreich, brasileiro de pai alemão e mãe mulata, o primeiro grande goleador do futebol brasileiro, que brilhou nos anos 20 e encantou a Europa numa digressão pela França e Suíça, mas não foi ao primeiro Mundial, em 1930. As razões dividem-se, rezam as crónicas, entre uma lesão e as discussões internas no Brasil sobre o equilíbrio de forças entre o futebol carioca e o paulista.
E há Best. George Best, o génio irreverente do futebol britânico, estrela do Manchester United, vencedor da Taça dos Campeões Europeus em 1968 e «Bola de Ouro» nesse ano para o melhor jogador da Europa, outro contemporâneo de Eusébio que não chegou ao Mundial. Best era por maioria de razão a estrela maior da Irlanda do Norte, que representou em 37 jogos. Sem nunca ter conseguido apurar-se para o Mundial, mas ainda assim com momentos para a lenda. Como o «golo» a Banks, num Irlanda do Norte-Inglaterra em 1971. O guarda-redes larga a bola para a pontapear, Best dá-lhe um toque, fá-la passar sobre Banks e entrar na baliza deserta. Anulado, por comportamento incorrecto.
O Manchester United é de resto denominador comum a vários protagonistas desta história. Jogam ou jogaram no gigante inglês alguns dos grandes que o Mundial nunca viu. Como Eric Cantona, o francês que mudou o futebol britânico e foi o catalisador do regresso dos «reds» ao topo, depois de décadas sem vencer. Vestiu 45 vezes a camisola dos «bleus», mas na hora errada, quando a equipa falhou a presença nos Mundiais de 1990 e 1994 e antes da conquista de 1998. Ou o galês Ryan Giggs, referência de talento e regularidade durante mais de 20 anos, coroada com a conquista de duas Ligas dos Campeões, mas sempre sem uma selecção à altura.
A ideia vale para outras estrelas, como George Weah, o avançado que brilhou no Milan, foi o melhor do mundo em 1995 e chegou a patrocinar as viagens da selecção da Libéria, para conseguir pelo menos colocar no mapa o seu país, que mais tarde quis liderar como político.