Sem tabus e sem fugir a nomes. Miguel Leal refere-se a alguns jogadores específicos do seu plantel. Sem rodeios e com uma enorme clarividência. Uma raridade no futebol português.

O técnico do Moreirense aborda, nesta entrevista ao Maisfutebol, a chamada de Marafona à Seleção Nacional, diz que há outros jogadores com esse objetivo no balneário do Moreirense e também lamenta a saída de Luís Aurélio – para o Nacional - no mercado de inverno.

Miguel Leal ainda nos explica de que forma se contrata um futebolista. Todo o processo. E não lhe apareçam com vídeos dos «melhores momentos». «Assim até eu», acrescenta.

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A construção do plantel do Moreirense foi o maior desafio da carreira, na medida em que teve de construir um plantel quase de raiz?
«Não. Se calhar, para o ano se cá ficar, vai ser outra vez igual. No Penafiel foi um pouco igual; apenas no segundo ano é que foi um pouco diferente. Já tinha metade da equipa montada, foi só convencer os outros, que até foi mais fácil. Este ano foi parecido. Ninguém acreditava nesta equipa, tivemos jogadores que nos fugiram, nem tanto pelo dinheiro, mas pelo nome do clube. Foi muito difícil contratar jogadores. Por exemplo, tinha um top-5 de alvos e fiquei com o décimo».

Desconfiavam do Moreirense?
«Pela questão da história do clube, que as pessoas podem pensar que é um clube de sobe e desce, não acreditavam muito. Tenho a certeza que se cá ficar para o ano vou conseguir melhores jogadores do que no Penafiel. Consegui contratar jogadores no Penafiel por menos dinheiro, porque lhes dizia que iam chegar à Liga. Isso aconteceu e aqui também está a acontecer. Já há credibilidade, parece que não é importante, mas é. Um jogador também olha muito para isso, e também para quem o representa. É sempre um desafio escolher os jogadores. As pessoas às vezes dizem que conhecem os jogadores, mas eu só conheço os jogadores quando treino com eles. Quando estão noutra equipa só os conheço de os ver jogar. Tenho uma noção do valor competitivo e de rendimento que pode dar, mas não conheço a pessoa em si. É importante conhecer a pessoa, para que se possa rentabilizar o máximo que podem dar». 

Fale-nos dos passos que conduzem à contratação de um atleta: como é que tudo se processa?
«Normalmente o primeiro contato é feito através do empresário. Também podemos falar com o presidente do clube onde esse atleta joga. Ouvimos a opinião de pessoas que trabalharam com ele, queremos conhecer o caráter e a vida dele extra-futebol. Eu não contrato um atleta sem o ver pelo menos uma vez ao vivo. Ou, no mínimo, ter um vídeo de um jogo completo dele. Não me interessa ver o best of. Assim até eu com 50 anos era contratado. E se me pusessem a jogar contra coxos, então ainda melhor. No fundo cruzamos várias informações. O processo é este».    

Como reagiu perante a chegada do Marafona à seleção?
«Com muito agrado, é um jogador que merece. É o reconhecimento de um trabalho de toda a gente. É bom para ele, para o clube e para toda a gente. Ainda bem que aconteceu, é sinal que as coisas estão a ir de encontro às nossas expectativas. É um guarda-redes com muito potencial, ainda precisa de crescer. Há exceções, mas um guarda-redes normalmente atinge o auge da sua carreira por volta dos 30 anos, ele ainda está a caminho disso. Tem uma ou outra lacuna que precisará de trabalhar, mas não vale a pena falar sobre isso (risos). Ele sabe quais são e está a investir nisso».

Referiu que o ponto forte do Moreirense é o coletivo. Não tem jogadores com capacidade para rasgos individuais? Battaglia não encaixa nesse perfil?
«Agora sim (risos). Ultimamente está a aparecer, mas quando cá chegou... Foi uma luta, vocês não sabem a luta que foi para conseguir transformá-lo neste jogador; e ele com alguma resistência. Agora já olha para trás e diz que valeu a pena. Ele agora já vê um futuro muito mais risonho.»

Luís Aurélio está a jogar com regularidade no Nacional, depois de sair do Moreirense sem oportunidades. Nessa altura o meio campo perdeu dois jogadores influentes. Foi uma saída precipitada?
«Antes de tudo tenho de dizer que é um excelente profissional. Quando se conjeturou que podia sair, foi vontade própria dele. Não foi minha vontade, eu queria que ele ficasse. Quando se pôs a hipótese de ele sair, não se punha sequer a hipóteses de perder o Vítor Gomes e o Filipe Melo. O argumento que me deu para sair é que não tinha grandes possibilidades de jogar. Tinha alguns convites da II Liga, depois apareceu-lhe o Nacional. Se soubesse que o Vítor [Gomes] ia sair, nunca teria deixado o Luís Aurélio partir para a Madeira, foi uma questão de momento. Foi sempre um grande profissional e quando jogou cumpriu. Foi pena, olho para esta situação com pena, mas não foi vontade minha. Uma semana ou duas tinha feito a diferença…»

Disse que outros jogadores do Moreirense têm o objetivo de chegar à seleção. Quem poderá lá chegar e quais são os principais ativos do Moreirense?
«Ainda estão numa fase muito inicial, estão a dar os primeiros passos. São os casos do Patrick e outros dois que fomos buscar ao Real Massamá [Ença Fati e João Sousa]. São jogadores que são aposta do clube. Temos o Paulinho, temos o André Simões, temos o Battaglia, que são jogadores que vão sair no final da época. Espero que não saiam (risos), era ótimo. Mas, como não têm contrato, se calhar vão mudar de ares. São jogadores que podem dar passos maiores, estamos a falar de jogadores que não tinham historial nenhum na Liga e que neste momento já estão cotados ao mais alto nível.»