A aplicação «CPR 11» tem como objetivo ajudar a salvar vidas no meio desportivo por diminuição dos casos de morte súbita respondendo a tempo a uma paragem cardíaca súbita. E há vidas que já foram salvas pondo em prática o que agora é ensinado por via de um simples descarregamento gratuito. Este conteúdo tecnológico foi criado pelo médico português Hélder Pereira e pelo seu colega de profissão espanhol Luis Serratosa trabalhando em parceria com o Centro Clínico da FIFA.

Hélder Pereira conta à «MF Total» que este projeto surgiu da necessidade de fazer três coisas: «reconhecer que a morte súbita no desporto é um problema»; perceber que «os eventos de paragem cardíaca súbita no futebol são diferentes dos da população em geral» e que «há especificidades sobre como proceder numa paragem cardíaca no desporto que não estão descritas em lado algum»; e «sensibilizar a população geral, porque temos um período muito curto de dois ou três minutos para fazer chegar o material necessário para reverter uma paragem cardíaca súbita».

Como está publicado na Revista de Medicina Desportiva, num artigo da autoria dos dois médicos, a aplicação CPR11 resulta de um trabalho de «dois anos de estudo e validação» combinando o Centro Médico de Excelência FIFA Ripoll y De Prado e o Departamento de Medicina de Emergência da FIFA» sob a supervisão de Efraim Kramer.

«Esta aplicação descreve em onze passos (por analogia à equipa de futebol) o protocolo de atuação perante 4 itens essenciais: reconhecimento de paragem cardíaca no campo de futebol, resposta imediata, protocolo de reanimação e transporte da vítima.»

«A mensagem é apresentada de forma interativa combinando um vídeo exemplificativo, mensagem de voz e textos curtos para cada passo», descreve o artigo [a respeito do que também já se viu de forma sintética com o vídeo que encima este texto] e explicando que este conteúdo «surge como uma tentativa de dotar a sociedade geral de um mecanismo prático, grátis e livre para permitir formar os não-peritos de Saúde».

Assim, a aplicação CPR11 apresenta-se com os objetivos de «transmitir por si só os ensinamentos necessários para que um leigo consiga efetuar uma ajuda eficaz» e de «servir de ferramenta de ensino para transmitir alguns ensinamentos emergentes da Medicina do Futebol e que ainda não estão incluídos nos manuais de Medicina de Emergência».


A aplicação CPR11

Os médicos analisam que a incidência da morte súbita «está subestimada em todo o mundo» e apontam que «um estudo da FIFA realizado nos últimos 10 anos» avisa que, «no mínimo», morre «um futebolista federado a cada mês, num universo de 330 milhões de pessoas federadas» entre os 209 países membros do organismo. «Se pensarmos em todos os outros desportos e nos que praticam desporto não federado, assume-se que podem ser muitos mais.»

Hélder Pereira refere que «há conhecimentos novos a trazer» no evitar da morte súbita por reação à paragem cardíaca e que aqueles «são transportáveis para a população em geral», já que «nunca se sabe quando isto pode acontecer». Ou seja, esta aplicação quer dotar o leigo em medicina, presente num caso de paragem cardíaca súbita, das ferramentas que podem evitar a morte até que a pessoa afetada possa ser assistida, quer por médicos quer com o recurso aos aparelhos como os desfibrilhadores. Os 120 segundos seguintes à paragem cardiorrespiratória são fundamentais. E quantos mais em mais lugares souberem ajudar melhor: é esse o objetivo.

«Atuar nos dois primeiros minutos não pode estar a cargo apenas de ajuda especializada. Esta pode não estar disponível a todo o momento em todos os treinos, locais de desporto recreativo, etc. Todos têm responsabilidade de saber atuar», referem os médicos no artigo explicando que, «durante 2-3 minutos, as manobras de suporte básico de vida permitem manter vivo um atleta em paragem cardíaca súbita.»

«Nesses minutos [- prosseguem -] falamos de paragem cardíaca súbita e não de morte súbita que tem de ser evitada a todo o custo» sendo que, «na maioria dos casos, apenas a ação do DAE [desfibrilhador] pode reverter a situação de paragem cardíaca e assim impedir a morte». «Perante uma situação de paragem cardiorrespiratória cada segundo importa na defesa da vida», concluem.

Hélder Pereira aponta assim a função da CPR11 em «conseguir tornar massiva a capacidade de resposta em tentar evitar a morte súbita nos dois minutos em que se está em paragem cardíaca súbita». A taxa de sucesso na reversão de uma paragem cardíaca súbita que é «presenciada e tem ajuda imediata está nos 80 a 90 por cento», diz-nos o médico português.

«Mas não se pode ter uma equipa médica de plantão» em todos os treinos de todos os desportos pelo mundo», lembra Hélder Pereira justificando por que é que esta aplicação não se destina sobretudo ao futebol profissional: «Aí, a máquina está montada.» Onde é preciso chegar é aos pontos mais distantes da máquina. Sabendo que 40 por cento dos casos de morte súbita acontecem com jovens de idade até aos 18 anos, a população a rondar esta idade é também ela muito presente nos dois mil milhões de utilizadores de smartphones estimados na passagem de 2015 para 2016.


Hélder Pereira, Luís Figo e Luis Serratosa

Em 2002, o basquetebolista Paulo Pinto, do Aveiro Basket, não resistiu a uma paragem cardíaca súbita e faleceu. Paulo Pinto foi colega de faculdade de Hélder Pereira. Médico ortopedista na Clínica do Dragão, Hélder Pereira é também diretor de investigação clínica na Clinica Ripoll y De Prado, onde trabalha o parceiro de criação da CPR11, Luis Serratosa.

Hélder Pereira justifica mesmo a morte do seu amigo Paulo Pinto como a «razão pessoal» para «pensar numa forma prática de abordagem de uma situação real» e que levou às reuniões com os outros dois especialistas: Serratosa e Efraim Kramer, o médico que é a cara da FIFA neste projeto.

O organismo que regula o futebol mundial adotou esta aplicação sob a sua égide e iniciou a campanha «CPR11–Safe Sport» – que na versão portuguesa se diz «Joga Seguro» – desde o lançamento, há um ano. Hélder Pereira e Luis Serratosa criaram a aplicação com a parceria do Departamento de Medicina de Emergência da FIFA chefiado por Kramer e o patrocínio da Fundação Mapfre na «divulgação gratuita em todo o mundo».

Se Hélder Pereira teve razões pessoais para criar a CPR11, a sua finalidade é altruísta. «Isto não é nosso. Foi feito por nós, tem validação científica, mas o que nós queremos é que passe. «Não queremos propriedade intelectual, queremos que a coisa funcione», garante-nos. E o que é essa coisa funcionar? Ajudar a salvar vidas. Como já aconteceu.

O médico português conta-nos o que o chefe do Departamento de Emergência Médica da FIFA lhe contou em março passado. Efraim Kramer relatou o salvamento de um árbitro que sofreu uma paragem cardíaca súbita num estágio na Nigéria. Esse salvamento foi feito por um médico que fez o primeiro curso de Emergência Médica da FIFA, em Abuja, no lançamento do Mundial sub-17 de 2009. Após a paragem cardíaca súbita, a reação foi o processo de reanimação cardiorrespiratória e, depois, a desfibrilhação, que voltaram a dar o pulso e o batimento cardíaco ao árbitro que tinha desfalecido.

Hélder Pereira conta que a utilização da aplicação CPR11 já está prevista como ferramenta de ensino pela Associação Nacional de Treinadores de Futebol, por vários clubes de formação, na Inglaterra, na África do Sul ou na Nigéria. O médico português assume que o descarregamento de uma aplicação já traduzida em 23 línguas «está a tornar-se viral» e que «o impacto estimado da notícia de lançamento em Madrid», em 3 de dezembro de 2014, «terá chegado a 41.800.000 pessoas».

A CPR11 já foi apresentada também em outros pontos do mundo como Inglaterra, Brasil ou Chile e também em Portugal, onde o lançamento no Porto, em 25 de março deste ano, «terá chegado a 6.220.000 pessoas». Em Portugal, a apresentação foi patrocinada pela Fundação Luís Figo (parceira da Mapfre) e contou com a presença de várias caras conhecidas do desporto, que se juntaram aos vários futebolistas portugueses de topo que também se associaram à causa «Joga Seguro».



Até ao presente, estão estimados cerca de 100 mil downloads, sem contar com os números do continente americano. Como há «muitos mais desprotegidos do que protegidos» Hélder Pereira lembra que «não são só os médicos que contam», pois «é possível que o outro tome medidas eficazes». E são estes os «11 passos que ajudam a salvar uma vida»:

1- Rápido reconhecimento do colapso do atleta;
2 - Avaliar e colocar a boca para cima;
3- Pedir ajuda;
4- Se a vítima de paragem cardiopulmonar não respirar, iniciar as compressões torácicas;
5- Técnica de compressão torácica;
6- Técnica de ventilação (30 compressões, seguidas de insuflação boca a boca);
7- Utilização de DEA (desfibrilhador automático);
8- Se não for necessário descarga;
9- Continuar com suporte básico de vida (reanimação cardiopulmonar) sem interrupção até à chegada dos serviços de emergência médica;
10- Imobilização e transporte;
11- Se o jogador respirar, colocar em posição lateral de segurança.