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Mourinho enfrenta uma daquelas fases em que todos parecem estar contra ele.

Os que gostam de futebol feliz e acham as suas equipas demasiado organizadas, um dia ou outro aborrecidas.

Os que gostam de cara feliz no banco, bom perder na sala de imprensa e treinadores que comem e calam, até à derrota final.

Antes e depois de perder 5-0 em Barcelona, Mourinho tem feito o que normalmente faz: dá troco a alguns personagens do campeonato onde está. E estes devolvem, umas vezes mais em jeito, outras mais em força.

No Chelsea, como no Inter, houve alturas em que desafiar o frio lá fora não chegou a Mourinho. O português precisou também de incomodar quem estava acima dele, no clube que representava.

Em Madrid, domingo foi esse dia.

Em resumo, Mourinho explicou que está farto de ser apenas ele a defender a equipa. No fundo, não está. Ele adora fazê-lo, adora este tipo de conflito, porque lhe garante o essencial: o balneário.

Um jogador vê um treinador dizer aquilo, e pensa: este é dos meus. Defende-nos. Tenho de ajudá-lo, sem ele ficamos sozinhos. Mais coisa menos coisa.

Algumas pessoas em Madrid entendem que aquele tipo de discurso, mais os empurrões de Silvino a veneráveis delegados de campo, são coisas que não estão à altura da história do Real, da cultura do Real, do branco imaculado do Real.

Mourinho, adivinho, acha que só duas coisas não estão à altura do Real: estar dois pontos atrás do Barcelona e ter perdido por cinco em Camp Nou. Tudo o resto é apenas um meio para chegar ao fim que a história regista, ser primeiro.

A reacção de Valdano e Pérez ao discurso de Mourinho na sala de imprensa foi o que se esperava. O argentino, um campeão que trocou a poesia pela sobrevivência, manteve-se calado. O presidente invocou o lado aristocrático do clube e disse que falar de arbitragens é coisa rara no Real.

Era improvável que fosse de forma diferente. No fundo, Mourinho é tudo menos ingénuo. Sabe que, como em Milão, só tem a seu lado os jogadores. De resto, não é essa a regra número um do futebol? Tu e os teus jogadores. Os dirigentes, esses, estão sempre prontos a trocar-te. E tu sabes. Basta ler os jornais e Mourinho, sabemo-lo, lê-os em diferentes línguas.

Assim, parecendo que o tiro de Mourinho saiu de pólvora seca, acho que sucedeu exactamente o contrário. Num momento particularmente intenso, com o balneário excitado após uma vitória heróica (contra dez, contra tudo, contra o ruído de uma arbitragem, sempre contra o futebol que emociona o Mundo, o do Barcelona), puxou ainda mais a coisa. Hoje, nenhum jogador deve duvidar: se houver caminho, será atrás de Mourinho.

Podemos não gostar de Mourinho (e eu gosto), mas é justo reconhecer que a ingenuidade há muito o abandonou e cenas como a de domingo raramente resultam de emoção. São antes pura estratégia. Sim, porque a estratégia, para os que fazem a diferença, pode aparecer, evidente, em qualquer instante.

Neste combate desigual contra o futebol que todos adoram, resta a Mourinho criar resistências para os seus jogadores e convencê-los de que ainda há esperança. Apesar do que o Barcelona mostra, todas as jornadas. E apesar da gloriosa história do Real Madrid, insuficiente para ganhar desafios, agora que Di Stefano já não joga.

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