* enviado-especial

O Rio de Janeiro amanheceu com as ruas pintadas de amarelo, as camisolas colombianas engrossando os milhões da legião do escrete. Ao longo de uma manhã de garoa, enquanto mais de 40 mil adeptos se amontoavam nas imediações do Fan Fest no areal de Copacabana, para acompanhar o Brasil-Chile no ecrã gigante em ambiente de desbunda, colombianos e uruguaios migravam da orla, na zona sul, rumando a oeste, para o Maracanã.

A organização tinha decidido abrir mais cedo as portas do estádio para dar uso aos quatro écrans gigantes por cima das bancadas. Era uma maneira de diminuir a circulação de adeptos nas imediações e limitar os potenciais problemas de segurança. Não eram muito, à primeira vista. Excetuando umas provocações bem humoradas de brasileiros e uruguaios («esse canibal de vocês hoje não veio, não?») o clima era descontraído desde as primeiras horas.

As poses conjuntas e amistosas entre uruguaios e colombianos eram regra. E uma delas, repetida em vários pontos do estádio, ameaça tornar-se uma das grandes modas deixadas por este Mundial, talvez tanto como o embalo de braços que Bebeto patenteou em 1994: a encenação de uma mordidela por um adepto uruguaio sorridente, e com dentes de fora.

Já dentro do Maracanã, sob um sol forte, a aposta da organização começou por parecer falhada: no momento em que os hinos tocavam em Belo Horizonte, só os voluntários, o staff de apoio e os jornalistas davam alguma animação ao Maracanã. Foi só com o passar do tempo que as dificuldades do Brasil perante os chilenos começaram a ganhar testemunhas e uma dimensão dramática. acentuada com a chegada dos ruidosos homens das camisolas azuis celestes, e do seu cântico em homenagem a um passado glorioso: «Volveremos, volveremos, volveremos otra vez/volveremos a ser campeones, como la primera vez».

Foi aí que alguém na tribuna de imprensa lembrou ser aquela a primeira vez que o Uruguai voltava a jogar uma partida de Mundial no Maracanã desde «o» jogo de 1950. E enquanto onze bravos chilenos continuavam a encostar o Brasil às cordas, alguns milhares de uruguaios gozavam o pratinho das angústias alheias, ao mesmo tempo que ensaiavam coros de homenagem ao herói vampiro: «Ohe, ohe, ohe, Suareeeez, Suareeez».

Lá em cima, os grandes planos nos écrans gigantes mostravam rostos fechados e uma angústia sem nome a abater-se sobre o Brasil. Faziam lembrar um «Maracanazo» tecnológico, que o setor de adeptos uruguaios, cada vez mais divertidos parecia controlar com o controlo remoto. Mas Pinilla não é Ghiggia, e o seu remate, nos últimos instantes do prolongamento, ficou a centímetros de escrever uma história diferente. Depois, Neymar não tremeu no momento decisivo, e o Chile foi forçado a passar o testemunho: o Brasil continua vivo, à mercê de fantasmas e das suas próprias limitações. Mas o «Maracanazo» de comando à distância falhou e o Mundial vai manter, para já, o guião previsto.