* enviado-especial
A organização tinha decidido abrir mais cedo as portas do estádio para dar uso aos quatro écrans gigantes por cima das bancadas. Era uma maneira de diminuir a circulação de adeptos nas imediações e limitar os potenciais problemas de segurança. Não eram muito, à primeira vista. Excetuando umas provocações bem humoradas de brasileiros e uruguaios («esse canibal de vocês hoje não veio, não?») o clima era descontraído desde as primeiras horas.
As poses conjuntas e amistosas entre uruguaios e colombianos eram regra. E uma delas, repetida em vários pontos do estádio, ameaça tornar-se uma das grandes modas deixadas por este Mundial, talvez tanto como o embalo de braços que Bebeto patenteou em 1994: a encenação de uma mordidela por um adepto uruguaio sorridente, e com dentes de fora.
Já dentro do Maracanã, sob um sol forte, a aposta da organização começou por parecer falhada: no momento em que os hinos tocavam em Belo Horizonte, só os voluntários, o staff de apoio e os jornalistas davam alguma animação ao Maracanã. Foi só com o passar do tempo que as dificuldades do Brasil perante os chilenos começaram a ganhar testemunhas e uma dimensão dramática. acentuada com a chegada dos ruidosos homens das camisolas azuis celestes, e do seu cântico em homenagem a um passado glorioso: «Volveremos, volveremos, volveremos otra vez/volveremos a ser campeones, como la primera vez».
Foi aí que alguém na tribuna de imprensa lembrou ser aquela a primeira vez que o Uruguai voltava a jogar uma partida de Mundial no Maracanã desde «o» jogo de 1950. E enquanto onze bravos chilenos continuavam a encostar o Brasil às cordas, alguns milhares de uruguaios gozavam o pratinho das angústias alheias, ao mesmo tempo que ensaiavam coros de homenagem ao herói vampiro: «Ohe, ohe, ohe, Suareeeez, Suareeez».
Lá em cima, os grandes planos nos écrans gigantes mostravam rostos fechados e uma angústia sem nome a abater-se sobre o Brasil. Faziam lembrar um «Maracanazo» tecnológico, que o setor de adeptos uruguaios, cada vez mais divertidos parecia controlar com o controlo remoto. Mas Pinilla não é Ghiggia, e o seu remate, nos últimos instantes do prolongamento, ficou a centímetros de escrever uma história diferente. Depois, Neymar não tremeu no momento decisivo, e o Chile foi forçado a passar o testemunho: o Brasil continua vivo, à mercê de fantasmas e das suas próprias limitações. Mas o «Maracanazo» de comando à distância falhou e o Mundial vai manter, para já, o guião previsto.