A dois meses e três dias do arranque (será a 12 de junho, com um apetitoso Brasil-Croácia no Arena Corinthians, em São Paulo), a contagem decrescente começa a ser stressante para quem tem que cumprir metas, sobretudo quando, em alguns aspetos, o Mundial-2014 já deixou passar prazos que eram fundamentais para a FIFA.

Os sinais de reserva e desconforto manifestados por algumas federações nacionais (entre as quais a portuguesa, pela boca do vice-presidente Humberto Coelho), em relação à capacidade do Brasil de estar ao nível do que é exigido numa organização de um Mundial de futebol aumentam este sentimento de desconfiança sobre o que irá acontecer. 

Os últimos meses mostraram, até, um agravamento desse sentimento nos próprios brasileiros: estudo do conceituado instituto Datafolha, publicado ontem, aponta 55% da população brasileira a considerar que será mais prejudicial do que benéfico o Mundial para o país, com apenas 36% a achar que há mais vantagem. Em junho de 2013, imediatamente antes da Confederações, havia saldo positivo de 48/44 para os otimistas.

Mesmo assim, há espaço para acreditar que o Brasil ainda irá surpreender pela positiva. «A Copa do Mundo pode deixar boa impressão nos turistas, mas ficará aquém do que o país podia ter feito. Há mais a ganhar do que a perder, mas é fundamental que o país saiba o que quer com a Copa. O Brasil não parece saber», sintetiza Guilherme Costa Silva, jornalista brasileiro do UOL, que acompanha em permanência a evolução dos preparativos do Brasil-2014 e já cobriu outras fases finais de Campeonatos do Mundo.

«Qualquer avaliação sobre a Copa do Mundo depende muito do parâmetro e dos aspetos abordados. O Brasil construiu estádios bonitos, modernos e funcionais. Além disso, tem uma estrutura para cuidar de turistas em grandes eventos – o Carnaval, por exemplo. O problema é que isso será feito em  estado de exceção. Haverá rotas especiais nos aeroportos, mas isso dificultará a vida dos voos regulares no país. Haverá condições especiais para o deslocamento, mas o trânsito quotidiano também sofrerá», destaca o jornalista, em análise para a  Maisfutebol Total. 

Viagem, em dez pontos, às dúvidas e inquietações, mas também às certezas e conquistas, da organização brasileira, a 64 dias do início da grande competição. 


1. Vai ser melhor ou pior que no África do Sul-2010?
Há pouco mais de um mês, quando faltavam 100 dias para o início do Mundial-2014, os media brasileiros lembraram que, no Alemanha-2006, por essa altura, estava tudo pronto e que no África do Sul-2010 o essencial também estava preparado, embora com pormenores a resolver.

Os atrasos em quatro estádios tornam esta fase do Brasil-2014 mais problemática. Mas Guilherme Costa Silva acredita em algo idêntico ao que ocorreu há quatro anos: «Estive na África do Sul para a Copa do Mundo de 2010, e a expetativa no Brasil é que o evento seja bem parecido nesse aspeto. A África do Sul também limitou o Mundial a algumas áreas e fez com que as coisas funcionassem nesses setores. Agora, se o parâmetro for a Copa do Mundo de 2006, o Brasil não vai conseguir repetir. Se o parâmetro for o que o Brasil se propôs a fazer, o país tampouco conseguirá cumprir. A Copa do Mundo pode deixar boa impressão nos turistas, mas ficará aquém do que o país podia ter feito.»

2. Falhas graves no planeamento
O Brasil poderá estar a pagar a fatura de não ter tido concorrente para a atribuição de 2014? Relaxou? «Não houve um relaxamento por falta de concorrência, mas por razões políticas e culturais. O Brasil demonstrou problemas graves no planeamento e na condução das obras e isso ficou claro durante os últimos anos», aponta o repórter do UOL.

3. Porquê tantos atrasos?

Como explicar tantos atrasos nos estádios quando a FIFA lançou, nos últimos meses, tantos avisos? Guilherme Costa Silva refere: «Não há uma explicação única. Houve problemas com a parte financeira, principalmente nos estádios privados. A Arena da Baixada, em Curitiba, teve muitas dificuldades para conseguir empréstimos necessários para bancar as obras. A Arena Corinthians, em São Paulo, também. Esses dois estádios privados foram os que mais tiveram problemas com atrasos. Outras sedes, como Cuiabá, também receberam avisos da FIFA, mas conseguiram adiantar o andamento das obras.»

4. Como evitar repetição da violência da Confederações?
Será que o governo federal foi apanhado apanhado de surpresa com a violência e a dimensão contestação na Confederações? Será de admitir que isso volte a acontecer na Copa? «O governo e a população foram pegos de surpresa com a proporção dos protestos», admite Guilherme Costa Silva, para depois explicar: «Protestos são comuns em grandes eventos, mas o Brasil não tinha uma cultura de manifestações tão grandes. Houve uma soma de motivos para o que aconteceu na Copa das Confederações, e todos estão certos de que haverá novos protestos na Copa do Mundo. A expectativa, porém, é que os protestos deste ano sejam menores do que os de 2013.»

5. Mais a ganhar ou a perder?
«Há mais a ganhar», garante o jornalista do UOL especializado na Copa. «Mas é fundamental que o país saiba o que quer com a Copa. O Brasil não parece saber.  Na Alemanha, o país usou a Copa para mostrar que tinha liberdade e que sabia tratar os turistas. Na África do Sul, a intenção foi mostrar que a democracia estava consolidada. O Brasil não tem um projeto unificado para aproveitar a Copa do Mundo. Todos os holofotes do planeta estarão voltados para o país, mas não há uma ideia sobre como aproveitar isso.»

6. Vai ser bom ou mau para a reeleição de Dilma?
Que consequências a Copa pode vir a ter para a tentativa de reeleição de Dilma Rousseff, nas presidenciais de outubro? « Pequenas. A reeleição da presidente Dilma Rousseff parece estar bem consolidada, segundo pesquisas. É praticamente impossível que a Copa do Mundo produza um fato suficiente para abalar isso», nota Guilherme Costa Silva. «A oposição no Brasil tem buscado alianças e novos nomes, mas as pesquisas têm mostrado que isso tem poucas chances de funcionar nas próximas eleições», reforça.

7. As cidades-sede
O que se passará nas cidades sede que não cumpriram as obras de mobilidade previstas? «Nenhuma das cidades entregará todas as obras que estavam previstas. Há casos muito complicados, como o de Cuiabá. Eles estão fazendo uma obra de 21 milhões de reais (perto 7 milhões de euros) numa das principais avenidas da cidade, e a previsão de entrega é 31 de maio. Antes de o projeto ser concluído, porém, já há problemas estruturais e necessidade de reformas.As obras de mobilidade em São Paulo também estão em situação complicada. O trânsito na direção de Itaquera é carregado, e as reformas que ficarão prontas para a Copa não conseguirão aliviar isso. A vantagem é que São Paulo terá uma linha de metrô especial para a Copa. A ideia é que esse seja o principal meio de locomoção do público.»

8. Os favoritos... além do Brasil

Espanha e Alemanha são os principais rivais do Brasil para a conquista do título? O que diz um jornalista brasileiro sobre a parte desportiva da competição? « Espanha e Alemanha são dois dos rivais que o Brasil mais teme, mas também há um respeito muito grande a outras seleções. A Argentina, por exemplo, jogará perto de casa, tem um grupo mais fácil na primeira fase e fará viagens menos longas pelo país. Além disso, eles têm Messi e um ataque poderoso. A Itália tem uma camisa que sempre faz diferença em Copas do Mundo, mesmo que o time tenha problemas. Isso vale também para seleções como a uruguaia. Dada a disposição dos grupos, também é possível que a Copa do Mundo de 2014 tenha surpresas de grande tamanho. Um bom avanço de Portugal, Suíça ou Bélgica, por exemplo.»

9. E se o escrete falhar a final? 
O Brasil está obrigado a chegar à final - e de preferência vencê-la? «A população brasileira costuma ter uma relação diferente com derrotas da seleção. O time nacional perdeu a Copa do Mundo de 1982, mas foi aplaudido e é exaltado até hoje porque jogou bem. O time de 1994, que foi campeão mundial, é menos valorizado porque marcou mais e apostou nos contragolpes. Se o Brasil tiver um bom desempenho e fizer apresentações consistentes, com um futebol rápido e bonito, é possível que o povo não cobre tanto em caso de uma derrota. No entanto, é importante lembrar que até o técnico Luiz Felipe Scolari admitiu que o Brasil não tem um segundo objetivo para a Copa do Mundo. Para ele, a única opção para o país é o título.»

10. Da Copa-14 para o Rio-16
Um eventual fracasso da Copa 2014 poderá pôr em risco o ambiente para o Rio-2016? Guilherme perspetiva: «Até agora, a Copa do Mundo tem servido como “escudo” para o Rio-2016. Por estar mais perto, o evento tem sido mais criticado e vigiado. A tendência é que os próximos anos criem uma pressão maior sobre o Rio-2016, independentemente do sucesso da Copa do Mundo.»