*Enviado-especial ao Brasil

É um dos lugares comuns mais repetidos, por técnicos, jogadores e jornalistas, no arranque de Mundiais e Europeus: o jogo de estreia vale mais do que um jogo normal, e faz a diferença entre uma campanha de sucesso e um fiasco. Esse tem sido o argumento mais frequente para explicar uma longa sucessão de estreias prudentes, marcadas pela escassez de golos e de riscos corridos, pelo menos nos últimos três Campeonatos do Mundo.

Até agora este Mundial tem contrariado a regra, trazendo mais golos e emoções fortes do que vinha sendo habitual. Numa segunda-feira pontuada pela estreia de Portugal, e também pela do Irão, comandada por Carlos Queiroz, vale a pena perceber - também por causa de derrotados ilustres como a Espanha, Inglaterra ou Uruguai - o que está realmente em causa com uma vitória ou uma derrota nos jogos desta segunda-feira. À luz dos números e não só, afinal quanto pesa uma estreia?

Uruguai: vai ser difícil repetir a proeza de 2010

Pesa muito, diz o registo histórico: desde 1958, ano em que o Mundial estabilizou uma fórmula de grupos com quatro equipas, em que todos jogam contra todos, 88 por cento dos apurados para a segunda fase evitaram a derrota no primeiro jogo, ganhando ou empatando na estreia. De entre as equipas que perderam na ronda de abertura, só 18 por cento (21 em 116) conseguiram corrigir o passo em falso, qualificando-se para a segunda fase. Em média, uma derrota no jogo de estreia atira as probabilidades de eliminação para mais de 80 por cento.

O inverso também é verdadeiro: um triunfo na estreia, não garante a passagem, mas quase. De 1958 para cá, só 20 seleções desperdiçaram uma triunfo a abrir a fase de grupos, sendo eliminadas depois das outras duas jornadas. Em média, a vitória no primeiro jogo é sinónimo de apuramento para 83 por cento das equipas que a conseguem.

Na conferência de imprensa de lançamento do Irão-Nigéria, em Curitiba, Carlos Queiroz não teve dúvidas em falar de um jogo especialmente importante: «Nas competições curtas, o primeiro jogo é sempre uma etapa mais complicada para qualquer equipa. Para o Irão, o nosso Mundial é a Nigéria, a Nigéria, e a Nigéria. Estamos felicíssimos, trabalhámos tanto para termos esta oportunidade, que temos de traduzi-lo neste jogo, em cada salto, cada duelo, cada segundo», afirmou, a uma pergunta do Maisfutebol sobre a importância do primeiro jogo.

É certo que uma derrota não chega para inviabilizar um apuramento – basta lembrar que a Espanha foi campeã há quatro anos, mesmo perdendo na estreia com a Suíça – mas num grupo como o do Irão, em que a Argentina está, teoricamente, bem acima da concorrência, um desaire antes do duelo com o «papão» torna as contas da passagem (objectivo que, neste caso concreto, Queiroz nunca assumiu) quase inviáveis.

Um pouco diferente é o cenário de Portugal, que volta a enfrentar o adversário mais difícil logo a abrir e tem depois dois jogos para tentar corrigir um eventual tropeção – foi o que fez no Euro-2012, depois de perder na entrada em cena, precisamente com os alemães. 

Aliás, alargando a análise a Campeonatos da Europa, a experiência portuguesa em grandes competições é especialista em fintar as tendências: a seleção portuguesa já foi eliminada depois de ganhar o primeiro jogo (no Mundial 86) e também já fez grandes campanhas depois de derrotas na estreia (nos Europeus de 2004 e 2012). Os empates a abrir nunca deram mau resultado: valeram apuramentos nos Europeus de 1984 e 1996 e no Mundial 2010.

De entre as equipas que perderam na estreia mas acabaram por ir longe, o destaque óbvio vai para a Espanha 2010, a primeira campeã do Mundo a sair de tamanho aperto. Mas há mais oito seleções que chegaram às meias-finais de um Mundial após uma derrota no jogo inaugural. Entre elas a Alemanha que, da única vez que perdeu na estreia, em 1982, só parou na final de Madrid.

Os números entre 1958 e 2010

- Dos 172 apurados para a segunda fase, só 21 (12%) perderam na estreia
- Das 116 equipas que perderam na estreia, só 21 (18%) conseguem o apuramento
- Dos 148 eliminados na fase de grupos só 20 (13,5%) venceram o primeiro jogo
- Das 116 equipas que venceram na estreia, só 20 (17%) não se apuraram