A «World Cup Experts Network» reúne órgãos de comunicação social de vários pontos do planeta para lhe apresentar a melhor informação sobre as 32 seleções que vão disputar o Campeonato do Mundo. O Maisfutebol representa Portugal nesta iniciativa do prestigiado jornal Guardian. Leia os perfis completos das seleções que participarão no torneio:

Autor dos textos: Dan Edwards
Parceiro oficial na Argentina: 
Infobae.com
Revisão: Pedro Calhau


O selecionador argentino, Alejandro Sabella, procurou um terreno intermédio entre duas escolas opostas da filosofia de treino da Argentina: os Menottistas de ataque puro e os mais pragmáticos, de cariz defensivo Bilardistas. É fácil assumir que, mesmo contando a «Albiceleste» com o talento atacante de Lionel Messi, dificilmente o seu jogo refletirá o do génio nascido em Rosario. Isso foi de facto tentado no plano internacional por técnicos anteriores, como Sergio Batista, mas sem grande efeito.

Sabella foi suficientemente astuto para perceber, quando tomou conta da seleção depois da Copa America 2011, que se o talento ofensivo da Argentina não fica atrás de ninguém, o mesmo não pode dizer-se daqueles que jogam atrás de Messi. Não há um Xavi, ou um Adrés Iniesta a mexer os cordelinhos, componentes fundamentais para o Barcelona. O que o selecionador fez, portanto, foi injetar um ritmo inesperado na estrutura tática.
Uma equipa tipo da Argentina adotará uma formação em 4x3x3, com Messi a ficar na posição de falso 9 que assume no Camp Nou. Gonzalo Higuaín e Sergio Agüero flanqueiam La Pulga criando uma setor potente no último terço.

Mas a maior influência para a mentalidade da equipa está situada ligeiramente atrás deste temível trio de ataque. Ángel Di María joga na esquerda do meio-campo, mas quando a Argentina parte para o ataque o jogador do Real Madrid atua praticamente como um quarto avançado.

O conjunto é mais perigoso não quando os jogadores ofensivos constroem de forma lenta a partir do meio-campo, mas quando o adversário está estendido no terreno e aparecem espaços para o contra-ataque. Nesse sentido, se houver a tentação de fazer comparações, o Real Madrid de Carlo Ancelotti será provavelmente a referência mais fiel para esta equipa.



Quando eles atacam, fazem-no de forma rápida, com muitos elementos e usando todo o comprimento e largura do campo. Os passes na diagonal de Gago servindo Higuaín na direita ou Di María no flanco oposto são o primeiro passo para abrir espaços e fazer estender o adversário.

Messi, pelo seu lado, assume um papel mais completo do que o que tem no Barcelona, mais vezes posicionado perto da linha de meio-campo do que da marca de penálti. O nº10 é o motor atrás do avanço da Argentina, cobrindo mais terreno do que geralmente se pensa.

Na retaguarda, Javier Mascherano desempenha um papel vital em travar as investidas contrárias antes que tenham a hipótese de importunar a dupla de centrais ainda sem provas dadas Ezequiel Garay/Federico Fernández. No meio, a «Albiceleste» ainda se consegue aguentar firme; a verdadeira debilidade do setor está nas alas, por onde tanto Equador como Peru provocaram sérios problemas canalizando os seus ataques pelos corredores.

Que jogador vai surpreender neste Mundial?

A carreira de Fernando Gago na Europa foi até agora um exercício de frustração. O inteligente médio centro foi contratado pelo Real Madrid ao Boca Juniors com apenas 20 anos., talvez cedo de mais; especialmente para quem joga numa posição onde a fase de aprendizagem é acentuada para qualquer profissional.

Gago teve uma estreia auspiciosa no Bernabéu, mas o conjunto de lesões e a imprevisibilidade das políticas do clube com treinadores e contratações não permitiram ao argentino (agora com 28 anos) conseguir jogar na mesma posição com regularidade.

A passagem por Valência e o posterior regresso a casa, agora no Boca, depois do Vélez Sarsfield, também sentiram a sua falta de forma competitiva e muitos jogos perdidos. Mas, curiosamente, esta travessia do deserto nos clubes não se refletiu ao nível da seleção, onde Gago se tornou peça-chave do sistema de jogo de Sabella. O jogador assume o papel de um playmaker de grande abrangência no meio-campo da Argentina, recebendo a bola muitas vezes em terrenos atrasados para lançar um contra-ataque.

Com Mascherano atrás de si e Di María como permanente opção de passe para a frente, Gago tem a liberdade para pensar o jogo e mostrar o seu verdadeiro talento, muitas vezes de efeitos devastadores. A sua visão de jogo e o alcance dos seus passes traduziram-se em que muitos dos golos da «Albiceleste» na fase qualificação para o Mundial começaram nos seus pés, dando o primeiro toque para a máquina funcionar.

Todos os jogadores argentinos desesperam por ganhar o Campeonato do Mundo. Mas Gago tem ainda uma motivação mais pessoal para o sucesso. Um conjunto de exibições decisivas pode rejuvenescer a sua carreira colocando-o de novo na mira de alguns clubes europeus de topo.

Que jogador vai ser uma desilusão?

Como em 2010, a defesa da Argentina vai estar sob apertado escrutínio. Não deverá apresentar problemas de maior num grupo teoricamente fraco, mas dos oitavos de final para a frente e, especialmente, nos quartos de final (onde um confronto com Portugal, ou mais uma vez a Alemanha, pode calhar em sorte), o último reduto terá de estar ao mais alto nível.

Muitos comentadores centram-se no jovem Marcos Rojo na lateral esquerda como o elo mais fraco, mas a fiabilidade de Federico Fernández no centro do quarteto defensivo titular também coloca questões. O jogador do Nápoles é forte no jogo aéreo, mas não é propriamente rápido e intuitivo e precisa muitas vezes que Garay vá em seu auxílio. As suas deficiências podem ser visíveis quando a competição chegar à fase das decisões.

Qual é a expectativa real para a seleção no Mundial?

De forma realista, nada menos do que a presença na final ou, pelo menos, nas meias-finais, deve ser esperado de uma das mais talentosas equipas em prova. A Argentina nunca teve falta de talento no ataque.

O que Sabella tem feito desde que comanda a seleção é fazer convergir o entusiasmo pelos golos no sistema de conjunto; algo que os seus antecessores não conseguiram fazer. A «Albiceleste» de 2014 avança e recua como um todo; o que pode pesar significativamente a seu favor quando a ação começar.



Curiosidades

O homem sem pressa
A mal-amada trança manteve-se em voga um pouco mais de tempo na Argentina do que no resto do mundo. Mas, com o tempo, o pequeno rabo de cavalo começou a passar de moda: nos dias de hoje, os mais novos preferem um corte de cabelo à Run DMC com a nuca e as fontes rapadas. Rodrigo Palacio também seguiu sempre um pouco à margem da maioria. O avançado do Inter não só usa a sua trança com orgulho, como demorou a tomar a decisão de rumar à Europa, enquanto as ainda promessas por cumprir costumam fazer as malas até antes de chegarem aos 20. Palacio mudou-se para Génova com 27 anos e as suas excelentes exibições no Inter mostram que nunca é tarde para ensinar línguas a um burro velho.

O adolescente prodígio genro de Maradona
Sergio Agüero tem por hábito fazer as coisas um pouco de forma diferente dos restantes. El Kun veio do bairro pobre de Quilmes, em Buenos Aires, e passava apenas um mês do seu 15º aniversário quando se estreou pelo Independiente. O jogador do Manchester City namorou a filha de Diego Maradona Giannina dando à lenda de 1986 um neto que seguramente um dia irá dar cartas no mundo do futebol. A sua atual companheira é outra senhora que raramente foge às luzes da ribalta: a Princesinha Karina, uma estrela da cumbia na Argentina que, entre outros êxitos, se tornou famosa com a canção «Corazón Mentiroso».

O bombardeiro nascido lá fora
Um olhar sobre os passaportes da seleção argentina revela uma previsível origem da maior parte dos jogadores: Rosario, Córdoba, Buenos Aires são os locais de nascimento de muitas das estrelas. Mas Gonzalo Higuaín nasceu em climas mais exóticos: a cidade francesa de Brest. Pipita nasceu quando o seu pai, o antigo defesa Jorge, jogava na Europa e teve a oportunidade de escolher entre representar «Les Bleus» antes de optar pela «Albiceleste».

O escolhido ao invés de Diego
Qual e a relação entre a equipa nacional da Argentina repleta de estrelas e o Sheffield United? Os «blades» foram um dos primeiros clubes ingleses a contratar jogadores estrangeiros trazendo o atual selecionador Alejandro Sabella para o Yorkshire do Sul, em 1978. O médio de ataque representou o clube com distinção por duas épocas antes de ser vendido para o Leeds por uma quantia avultada. Mas a história podia ter sido diferente. Reza a lenda que o treinador dos «blades» Harry Haslam, tinha inicialmente a sua atenção colocada num adolescente do Argentinos Juniors, um tal Diago Maradona, mas que optou por Sabella porque El Pibe de Oro era muito caro.

O pequeno gigante
Com 1,92 metros de altura, o guarda-redes Sergio Romero não é propriamente uma figura pequena entre os postes. Mas isso não tem impedido que o natural de Misiones venha a ser chamado de «Chiquito» ao longo da carreira. Romero é o mais baixo de quatro irmãos. Os basquetebolistas Óscar (1,93 metros), Marcos (1,95 metros) e Diego (2 metros) deram a alcunha ao mais novo dos irmãos quando olhavam para baixo para o verem dar os primeiros passos no futebol.

Perfil principal: Lionel Messi

À primeira vista, Lionel Messi pode não parecer o típico futebolista profissional. Quando La Pulga está em campo surge uma figura curvada, deslizando entre as linhas, pequena aos olhos dos companheiros de equipa e sem o mais pequeno indício de uma barriga a intrometer-se debaixo da camisola.

Longe dos jogos, ele é tímido de uma forma quase confrangedora e prefere dedicar-se a um bife panado (a milanesa argentina) ou a um valente churrasco em vez de a mais um prato de peixe ou de massa.

Por outras palavras, a estrela do Barcelona e da Argentina é pouco convencional no seu papel de herói do futebol. Mas, pouco convencional, era também o último nº10 da «Albiceleste» que conquistou os corações do público, um tal Diego Armando Maradona. A comparação tem sido muito difícil de evitar.

Ainda mais quando Messi está em ação. O seu baixo centro de gravidade e uma rapidez de pés praticamente inconcebível significa que roubar a bola ao pequeno génio é uma missão muito para além da maioria dos defesas: Messi tem de ser marcado com pelo menos três jogadores para se ter uma esperança que seja de ficar-lhe com a bola. Mas nessa altura já ele pode ter-nos deixado estendidos no chão enquanto se prepara para somar mais um golo à sua próspera coleção.

Aquelas capacidades, aliadas a um pé esquerdo mágico que controla como uma marioneta, elevaram o jogador de 26 anos ao estatuto de melhor do planeta. Num breve relance: seis títulos de campeão de Espanha, três Ligas dos Campeões, três Botas de Ouro e quatro Bolas de Ouro, ganhas uma a seguir à outra em quatro anos de domínio exímio com o Barcelona. Os entendidos renderam-se ao seu brilhantismo reconhecendo-o como um dos melhores futebolistas de sempre.

Porém, recorrendo por um instante ao vernáculo argentino, há uma pedra que Messi ainda não conseguiu tirar do sapato: as incessantes comparações com El Pibe de Oro – Maradona – estão destinadas a continuar até que ele encontre a glória com as cores do seu país; e, ao contrário de todos os outros desafios da sua vida, esse obstáculo tem-se mostrado inultrapassável.



É por isso que, até à recente campanha de qualificação para o Campeonato do Mundo, em que ele conseguiu 10 golos para ser um dos melhores marcadores, complementando com um impressionante hat-trick frente ao Brasil em 2012, era por de mais aceitável questionar se Messi mereceria um lugar na seleção. Não são poucos os adeptos que, se tivessem de escolher entre Messi ou Carlos Tévez para liderar o ataque, não hesitariam em optar pelo carismático talento de mangas arregaçadas de Carlitos em vez do perfil discreto de Messi.

Mesmo agora, o mágico não recebe nada parecido com o crédito que merece. Numa esclarecedora entrada de um blog, o adepto de futebol argentino Rob Brown descreve uma visita feita neste ano a Rosario, a cidade natal de Messi. Mesmo no bairro onde ainda mora a mãe do jogador e a sua família mais próxima, no estádio onde ele deu os primeiros passos no futebol, ou entre as dúzias de murais que caracterizam cada cidade do país (incluindo uma elegante parede dedicada aos Rolling Stones), não há um que tenha a inconfundível cara do pequeno jogador.

Neste ponto, Brown está em total acordo com o escritor norte-americano Wright Thompson, que visitou o bairro General La Heras, na periferia de Rosario, onde a estrela cresceu: «Muitos dos rosarinos com quem ele falou preferiram destacar o facto de que Messi deixou a Argentina em tenra idade. Ele é visto como tendo perdido o direito de ser reconhecido como filho da cidade. Ele não criou com eles maior relação do que Cristiano Ronaldo ou Neymar.»

O Campeonato do Mundo significa tudo para a nação argentina. A vida normal vai ficar em suspenso em praticamente todos os sentidos: a instabilidade política e económica vão passar para segundo plano relativamente à quantidade de golos que Gonzalo Higuaín vai marcar à Nigéria ou ao saber se o guarda-redes Sergio Romero consegue atirar para trás das costas as críticas dos mais céticos.

Todos os jogadores, para glória do seu país e para a sua própria, não terão nada mais nas suas cabeças do que levar para casa a Taça do Mundo ganha mesmo ali ao lado no Brasil. Mas ninguém mais do que Messi precisa desse triunfo.

A sua experiência na competição tem sido até agora dividida. Em 2006, La Pulga tinha apenas 18 anos quando foi chamado para a seleção comandada por José Pekerman, como suplente numa das equipas mais atraentes e de puro ataque a disputarem o Mundial desde os discípulos de Sócrates em 1982.

Ele precisou apenas de 15 minutos para se estrear com um golo na vitória da Argentina por 6-0 frente à seleção de Sérvia e Montenegro. Mas desde então, o Mundial só trouxe a Messi frustração. Pekerman deu-lhe a titularidade no jogo seguinte, frente à Holanda, numa partida para cumprir calendário com a «Albiceleste» já qualificada para os oitavos de final. Nos quartos de final, foi do banco que Messi viu impotente a Argentina ser afastada pela Alemanha nos penáltis.

Quatro anos depois, esperava-se que o agora nº10 de classe mundial formasse uma dupla de sonho com seu treinador e ídolo Maradona enquanto a nação marcharia para a glória. Mas não estava destinado a que fosse assim. Messi jogou todos os minutos daquele Mundial 2010, mas foi forçado a alongar-se cada vez mais no seu jogo para compensar as falhas táticas do homem que estava no banco. Houve assistências, golos não. E uma derrota humilhante para a Alemanha na mesma fase de 2006 deixou a sua posição mais em cheque do que nunca.

Messi vai assim para o seu terceiro Campeonato do Mundo com apenas um golo conseguido. Mas, em 2014, ele aparece como produto acabado. A decisão de Alejandro Sabella em dar-lhe a braçadeira de capitão em 2011 – num dos seus primeiros atos como selecionador – deu ao jogador do Barcelona mais confiança, mas também mais responsabilidade. E ele respondeu à pressão com admirável maturidade.

A verdade vai ficar mais evidente durante o próximo mês, no Brasil. O lugar de Messi no panteão dos grandes está praticamente assegurado, tendo alcançado feitos que vão para além dos mais ousados sonhos da maioria. Mas agora é a altura de tirar aquela pedra do sapato: a Argentina estará a ver e Messi deve chegar ainda mais alto para finalmente expulsar o fardo de 1986 e de Maradona, pondo fim ao desgastante debate sobre quem realmente é o maior.