A 'World Cup Experts Network' reúne órgãos de comunicação social de vários pontos do planeta para lhe apresentar a melhor informação sobre as 32 seleções que vão disputar o Campeonato do Mundo. O Maisfutebol representa Portugal nesta iniciativa do prestigiado jornal Guardian. Leia os perfis completos das seleções que participarão no torneio:

Textos: César Sánchez Francisco Ávila e  Roger Xuriach
Parceiro oficial em Espanha: Panenka
Revisão: Nuno Madureira

Depois de ser o melhor marcador no Mundial do México de 1986, Gary Lineker aterrou em Barcelona precedido por uma fama de goleador implacável. Depois de três épocas irregulares, por evidente falta de adaptacão, procurou um jornalista catalão e, em jeito de terapia, propôs-lhe escrever um livro chamado «Onde está o ponta-de-lança?» Desde a chegada de Johan Cruijff ao Camp Nou, em 1987, Lineker tentava sem êxito dar um sentido àquele estilo que concebia o futebol sem um '9' para ocupar a área. Quando o técnico holandês acabou por pô-lo a interior direito, o goleador de Leicester compreendeu rapidamente que devia regressar a casa. Cruijff, pela sua parte, ainda permanece na ensolarada Barcelona onde, 25 anos depois, os aficionados continuam a venerá-lo como pai (agora avô, depois do ciclo de Guardiola) de uma filosofia que deu os maiores êxitos da história ao Barcelona e à seleção espanhola.

Del Bosque e Cruijff não são pessoas similares. Enquanto Johan tinha na genialidade a sua principal virtude, Vicente conta com a sensatez, pelo que se o grande Barça de Guardiola se forjou sem um avançado centro, com Messi actuando como falsa referência atacante, Del Bosque soube transferir e aplicar com êxito essa variante no jogo da Espanha para conseguir fazer evoluir um conjunto que conta por vitórias as suas três últimas presenças em grandes torneios (Euro 2008, Mundial 2010 e Euro 2012).

Da dupla Torres-Villa com que Aragonés jogou na Áustria e na Suíça, Vicente optou por usar só Villa na África do Sul, e acabou a conquistar o troféu na Ucrânia e na Polónia com Fàbregas como falso avançado, o homem que ocupa precisamente o lugar de Messi no Barça quando o argentino não está. E no Brasil, apesar de contar com uma montra cintilante de avançados (Negredo e Llorente, já excluídos, além de Costa, Torres e Villa), a ideia é que seja Cesc a ocupar (e desocupar) o vértice da pirâmide espanhola.

A parte positiva? Essa aposta no 4-2-3-1, onde o «1» é um fantasma que a cada aparição traz uma camisola diferente, permitiu à 'Roja' assegurar a posse de bola - o mantra do futebol espanhol - e o ritmo dos jogos, mesmo que, com o tempo, os seus talentosos médios, especialmente Xavi, tenham perdido agilidade. Com esse monólogo, para muitos insubstancial e aborrecido, a Espanha somou nos três últimos grandes torneios dez jogos consecutivos de eliminação direta sem sofrer um só golo. Esses 990 minutos de paciência e desgaste foram o principal segredo do êxito espanhol. E quando o talento ofensivo não chegou, apareceu a magia de Casillas nos desempates por penaltis para derrubar todas as montanhas rivais.

A parte negativa? Os sintomas de que essa fórmula está a perder eficácia são cada vez mais evidentes. A bofetada sofrida na final da Taça das Confederações frente ao Brasil, há um ano, é a maior prova. Sem uma ameaça em ponta, as defesas rivais sobem a pressão, reduzem os espaços e afogam a fonte de alimentação da «roja» para converter os Iniesta, Silva, Cazorla, Mata, etc... em jogadores vulgares. Ainda por cima, se Fàbregas for o finalizador, as suas últimas épocas no Barça não são nada animadoras. Como nos filmes de David Lynch, as suas temporadas parecem estar reduzidas a arranques promissores e finais desastrosos.

Por esta altura, todos esperam que a Espanha se apresente no Mundial com um único guião. E aí está o desafio de Del Bosque: ser capaz de introduzir a tempo as alternativas que foi ensaiando durante os últimos tempos, antes de que a campeã caia enredada na sua própria teia. E se escolhe um lateral ofensivo, tipo Juanfran, para abrir o campo pela direita, tal como Alba o faz pela esquerda? E se se atrever a romper com o duplo pivot Alonso-Busquets? E se no meio-campo ofensivo der prioridade à velocidade de Pedro pelo flanco, em vez de repetir cromos como Silva, Iniesta e Xavi? E se a Espanha encontra em Diego Costa o rematador de que não sabia precisar?

Veremos se a Espanha e Del Bosque se atrevem a sair da zona de conforto. Em boa parte, dependerá isso das exigências criadas pelos rivais, mas intui-se um cenário em que os actuais campeões deverão ser muito mais flexíveis na sua filosofia para voltarem a erguer a Taça do Mundo.

Que jogador vai surpreender neste Mundial?
Nos seus últimos 21 jogos com a Espanha, Pedro Rodríguez marcou 12 golos, incluindo o decisivo tento em Saint-Denis, com a França, que permitiu a clasificação direta da 'Roja' para o Mundial. O extremo canário apareceu quase de surpresa no Mundial 2010 e acabou sendo titular na final com a Holanda. Desde então, tem sido um dos fixos para Del Bosque e, apesar de o seu nível no Barcelona ter decaído, com a camisola da seleção jamais perdeu essa fé em si mesmo, que o faz aparecer nos momentos decisivos. A Espanha tem cada vez mais dificuldades para converter dominio em golo, mas tem em 'Pedrito' a sua arma mais efectiva. Pode ser que o seu nombre não brilhe com a mesma intensidade que o dos seus companheiros de balneário, mas se a equipa precisa de um golo salvador, seguramente esse terá a assinatura de Pedro.

Que jogador vai dececionar no Brasil?
Escrevê-lo faz doer as pontas dos dedos, mas Xavi Hernández parece longe, cada vez mais longe, do seu grande nível. A afirmação soa quase como heresia, tratando-se do melhor jogador da História do futebol espanhol e do líder e construtor da melhor  seleção de todos os tempos, mas o seu corpo já não carbura à mesma velocidade que a sua mente e a fadiga é cada vez mais notória no seu rendimento. Bem andaria Del Bosque em dosear a sua presença, em reservá-lo para os momentos cruciais, para quando os jogos pedirem um timoneiro. A não ser assim, dificilmente poderemos ver a melhor versão do '8' da 'Roja'.

Qual é o prognóstico para a Espanha?
Conseguir o título? É mais uma pergunta do que uma afirmação, já que a Espanha não parece chegar ao Brasil no melhor momento. Para mais, as estatísticas não estão do seu lado. Ninguém bisou o título desde há mais de meio século (Brasil, e, 1962) e ninguém conquistou em sucessão dois Europeus e dois Mundiais. Mas se alguma coisa demonstrou a seleção espanhola dos últimos tempos é que se trata de um grupo de futebolistas tremendamente competitivos. Para começar, obter um lugar nos oitavos de final, num grupo com Holanda e Chile não será tarefa simples. Uma vez aí chegados, é certo que ninguém vai querer cruzar-se com a Espanha, por muito que o seu ciclo esteja em decadência. A intuição diz que difícilmente ganhará o Mundial, mas nunca se pode subestimar o coração de um campeão.

Curiosidades e segredos dos jogadores



Xavi Hernández
Xavi casou-se há um ano e, desde então, reconhece que vê «muito menos futebol do que antes». Ainda assim, continua viciado na aplicação para telemóveis onde consulta os resultados em tempo real. A sua obsessão em saber, a cada momento, a marcha dos marcadores, já lhe valeu mais de uma zanga doméstica. Não o esconde: «sou um fanático por futebol». O médio do Barcelona quis fechar a etapa como internacional depois do Europeu 2012, mas o selecionador Vicente del Bosque convenceu-o a ampliar o seu ciclo por mais dois anos. O 'cérebro' de Terrassa, de 34 anos, jogará o seu último Mundial e tudo aponta para que, depois do torneio, se retire da seleção espanhola.

Diego Costa
Ainda que pareça incrível, o Atlético de Madrid contratou-o ao Sporting de Braga há sete años, quando contava apenas com um par de temporadas no futebol professional. Costa, chamado Diego por causa de Maradona, e cujo pai e irmão se chamam Jair, por causa de Jairzinho, nasceu no Brasil, chegou à Europa sendo menor de idade e assinou o primeiro contrato aos 18 anos. Foi precisamente essa falta de experiência no futebol de formação a influenciar o seu carácter combativo, pouco disciplinado e, ocasionalmente, violento. Sabem-no bem internacionais como Sergio Ramos, Jordi Alba ou Xabi Alonso, com quem teve fortes escaramuças nos últimos anos. «Cresci pensando que dar cotoveladas era normal», admitiu numa entreviata ao El Pais quando jogava no Rayo Vallecano. Apesar do seu estilo de jogo, sempre nos limites, fora do campo é uma pessoa tímida e tremendamente envergonhada.

Sergio Busquets
Sergio Busquets nasceu en Badia del Vallés, uma das cidades com mais desemprego em toda a Espanha. Afortunadamente, os que têm este apelido nunca tiveram falta de trabalho. O seu pai foi guarda-redes profissional do Barcelona e o seu avô também foi guarda-redes, mas de um liceu da região. Nos festejos, depois de ganhar o Mundial de África do Sul, no Soccer City, Sergio pôs o cachecol da sua primeira equipa, o CD Badia, um gesto que na sua cidade natal recordam com lágrimas nos olhos. Depois desse gesto, a câmara municipal, decidiu que o estádio onde joga este clube humilde fosse batizado com o nome de Sergio Busquets Burgos. O apelido materno foi reivindicado pelo próprio jogador. Pela mesma razão -evitar ofensas à famíia- prefiere ser conhecido futebolisticamente como Sergio. Sem mais.

Sergio Ramos
De todas as contas de Twitter geridas por internacionais espanhóis, a do central do Real Madrid brilha com luz própria. No seu historial há de tudo, especialmente gafes. Numa digressão pelos EUA batizou os San Antonio Spurs com o nome de San Francisco e pôs uma foto de Las Vegas com a legenda 'Que cidade espectacular é New York!'. Muito comentada foi também a sua mensagem de felicitações à seleção feminina de waterpolo, 24 dias depois da sua vitória na final do Mundial, celebrado no verão passado em Barcelona. O motivo da demora: viu o jogo em diferido, pensando que era em direto. Por último, no pasado mês de setembro, no dia em que Madrid perdeu para Tóquio a possibilidade de albergar os Jogos Olímpicos de 2020, pôs uma fotografia com a sua noiva, comendo sushi num restaurante japonês. Felizmente, as suas distrações só afetam a relação com as redes sociais porque Ramos chega ao Mundial como o defesa espanhol em melhor forma, ainda mais moralizado pelo golos que ajudaram o Real a conquistar o título europeu.

Gerard Piqué, talento da cabeça aos pés



Entra sempre em campo com o pé direito, veste camisolas de manga comprida. Dá três saltinhos quando pisa a relva e vai cumprimentar os rivais e o árbitro. É Gerard Piqué, um tipo que nasceu com o pé direito, um futebolista que contempla a vida do alto dos seus 193 centímetros e que repete, sem ruborizar, que até ao momento sempre conseguiu tudo aquilo a que se propôs.

Piqué é um intuitivo, carregado de energia positiva, muito ligado às suas raízes, que lhe vêm do pai, natural de Sant Guim de Freixenet - uma povoação de mil habitantes, numa pequena comarca de Lleida - e de uma extraordinária inteligência, seguramente a parte herdada da mãe, uma reputada neurocirurgiã. É uma personalidade frontal, por vezes incómoda, que um dia se apaixonou por uma mulher nascida no mesmo dia que ele, mas dez anos antes, por acaso uma das cantoras mais influentes da indústria discográfica mundial.

Como futebolista, Gerard, 'Geri' para os amigos de infância, é um central com alma de goleador, capacidade de antecipação e técnica suficiente, que pode desmontar a estrela contrária e, além disso, marcar golos, como o logrado no histórico 2-6 do Barcelona de Pep Guardiola, no Bernabéu. Piqué transforma em ouro tudo o que toca, e pensar nisso dá um pouco de medo. Com dez anos planeou ser futebolista e jogar no Barça, e conseguiu-o. Na sua etapa em 'La Masia', fez parte da melhor equipa juvenil da história, aquela em que triunfaram Leo Messi, Cesc Fàbregas e ele. Quando decidiu emigrar com 17 anos para o Manchester United, sir Alex Ferguson tutelou a sua carreira. No regresso reencontrou Pep Guardiola e na selecção espanhola formou parte da equipa campeã da Europa e do Mundo. Enquanto jovem, e também no auge da sua carreira, acompanhou Messi, mas também coincidiu no Manchester United com Cristiano Ronaldo. Ferguson, Guardiola, Messi e Cristiano formam um círculo virtuoso perfeito que encerra tudo o que Piqué é no futebol. Alguém pode sequer igualá-lo?

Foi o central mais determinante da história moderna do Barça e, depois de uma difícil temporada com os blaugrana, tem o Mundial como próximo objetivo. Ali se encontrará com Sergio Ramos e com alguns dos jogadores do Real Madrid co os quais há não muito tempo mantinha conversas à vista de todos, no twitter. A sua frontalidade incomoda, embora a dinâmica de grupo agradeça quando consegue resolver as situações. Sente a falta de Mourinho na Liga Espanhola, sente um enorme respeito por Vicente del Bosque, admite que a sua relação com Guardiola -«o número um»- foi tormentosa, mas acima de tudo entristece-se ao recordar o fim de Tito Vilanova.

Sendo um tipo ambicioso, e ainda com muito futebol pela frente, Gerard tem outro um projeto em mente desde que, en 1987, se fez sócio do Barça: ser o presidente da entidade. Também sabemos que até agora sempre conseguiu tudo aquilo a que se propôs.