Furacão da Cidadania: assim se chama a escolinha de futebol de Jairzinho no Rio de Janeiro. Ninguém esquece o herói da Copa de 70 e ele faz tenções de não permitir que tal aconteça.

Quase septuagenário, Jairzinho passa os dias entre o Bairro de Manguinhos, na zona norte do Rio, a sua casa e o convívio com velhos irmãos de armas. É «uma vida calma», bem diferente da agitação nos estágios para os Mundiais. E Jairzinho está em três: 66, 70 e 74.

No primeiro, em 1966, todos os olhares estão postos em Mané Garrincha e Pelé. Jairzinho, de resto, parte para Inglaterra convencido que fará somente figura de corpo presente, como conta nesta entrevista ao Maisfutebol.

«Fui para ser suplente do Garrincha, todo contente. Só se o Mané fosse expulso ou se lesionasse é que eu jogaria. O mais importante é que ia viver uma Copa do Mundo por dentro. Não imaginava é que a viveria mesmo no relvado», explica, paciente e bom conversador.

Jairzinho tem 22 anos e é só «um moleque bom de bola». Estrela do Botafogo - que perdera Garrincha -, sim, mas candidato sério ao banco de suplentes na seleção treinada por Vicente Feola.

Brasil-Portugal: 1-3, Mundial de 66:



Até que… bem, Jairzinho diz tudo.

«Para a estreia no Mundial, contra a Bulgária, o Feola disse-nos quem ia jogar. Uma hora antes, por aí, fomos para o balneário e o técnico começa a mencionar os nomes. Desde o Gilmar [guarda-redes] até ao ataque».

«Quando chega ao último nome, o meu sangue gelou: 'na ponta esquerda joga o Jairzinho'», recorda o antigo internacional brasileiro, nome muito grande na canarinha de 1966, 1970 e 1974.

A surpresa, vinca Jairzinho, tinha razão de ser. «Eu nunca tinha treinado nesse lugar. Jogava na direita ou a ponta-de-lança. Mas eu queria era estar lá dentro».

Os resultados é que não ajudam. O Brasil ainda vence a Bulgária por 2-0 [golos de Pelé e Garrincha], mas depois é a desilusão total. O escândalo: 1-3 contra a Hungria [golo de Tostão] e o mesmo resultado frente a Portugal [Bené].

Jairzinho até hoje não percebe a estratégia de Feola. «Convocou 44 jogadores e foi riscando nomes até ao grupo final. Isto em cima da prova. E depois havia gente em final de ciclo: Gilmar, Djalma Santos, Bellini, Orlando, Altair, Zito. Correu muito mal».

«Jogar com o Garrincha foi uma bênção divina»

Falar de Mané Garrincha é, para Jairzinho, falar do seu «maior ídolo». Ambos coincidem no Botafogo até 1965, mas nessa altura Mané, 11 anos mais velho, já olha com desinteresse crónico para quem o rodeia.

A categoria, porém, continuava naquelas pernas tortas. «Eu adorava fazer golos e o Garrincha, o meu antecessor, era a minha referência. Ele marcava de letra, de perna esquerda, de livre, de cabeça, de todas as formas. Ser colega de equipa dele, no clube e na seleção, só pode ter sido uma bênção divina»
.

Jairzinho chega até ao Mundial de 1974. Nesse ano Garrincha já nem joga futebol. Mais pesado e limitado por uma lesão muscular, Jairzinho ajuda o Brasil a chegar até a um desconsolado quarto lugar.

Golo de Jairzinho à Argentina (Mundial 74)



«Joguei o Mundial todo com uma contratura. Queria jogar mais e melhor do em 70. Não consegui, não deu. Foi uma das minhas maiores tristezas».

É depois desse Mundial que Jairzinho experimenta o futebol europeu, ao serviço do Marselha. Fica só um ano e volta ao Brasil querido para jogar em vários clubes: Cruzeiro, Portuguesa, Noroeste, Fast Clube e, para despedida, o clube de sempre: o Botafogo, em 1981.

Jairzinho é, mais do que uma lenda, uma estátua viva. Na entrada principal do Estádio do Engenhão, casa do clube da Estrela Solitária, lá está ele lado a lado com Mané Garrincha e Nilton Santos.

Em bronze. Orgulhosamente imóvel.


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