O dia 24 do Mundial-2014 em cinco pontos:

1.
Brasil-Alemanha na terça, Argentina-Holanda na quarta. Duas meias-finais de sonho para um Mundial que vai, certamente, ficar nas memórias de todos os que gostam de futebol e de grandes momentos. Se o apuramento de brasileiros e alemães não era claro antes dos respetivos «quartos» (Colômbia e França teriam sido apurados não muito surpreendentes), já este Argentina-Holanda entra complemente no guião do que era esperado desde a fase de grupos, sobretudo quando, no agrupamento de holandeses, a Espanha ficou bem cedo pelo caminho. Em Brasília, a Argentina voltou a não deslumbrar, mas voltou a fazer a diferença com quem tem talento para isso. Messi, demos as voltas que queiramos dar, já é uma das grandes figuras deste Mundial. A Bélgica, que tem também muito(s) talento(s), deixou-se enredar pela teia «alviceleste» e raramente foi capaz de mostrar a propensão ofensiva denotada, por exemplo, na memorável partida com os EUA. A Holanda precisou de prolongamento (o único dos quartos) e até de penalties, acusou problemas em assumir jogo de ataque continuado, neste Mundial deu-se bem melhor quando pôde fazer jogo de saídas rápidas (Espanha e Chile e em fases da partida com a Austrália). Uma vénia à Costa Rica, claro. Bem em todos os jogos em que participou, sempre com seleções cotadas. Organização, alma tremenda e, nos lances mais críticos, quase... uma ajuda divina, parecia que a bola não queria mesmo entrar. E Navas, claro: gigante. Uma das grandes figuras do Mundial-2014. Lendário.

2. A Argentina lá continua, no seu jogo de paciência, num falso discreto de quem sabe que a qualquer momento pode resolver, porque tem um dos poucos mágicos do futebol contemporâneo, talvez o maior deles todos. E Messi está a cumprir esse papel na perfeição. Às vezes, parece que não está em jogo e quando menos se espera, pega na bola e deslinda o caso a favor da alviceleste. Desta vez, a coisa até começou cedo, com um golo de Higuain, aos oito, em lance iniciado, claro está, pela «Pulga» e continuado por Di Maria, ainda que com alguma sorte à mistura, serviu o ponta-de-lança para um golo precoce e que se revelou mais do que suficiente para a gestão do apuramento. O momento facilitou a estratégia de Sabella mas condenou o encontro de Brasília a uma sonolência que chegou a ser irritante para tanto talento em campo. Com a lesão de Di Maria, Sabella lançou finalmente Enzo Perez, mas não para a função em que o médio rendeu tanto no Benfica. Mérito dos sul-americanos na preservação do 1-0? Se olharmos para a quase inexistência de oportunidades belgas, tudo bem. Em seleção com tão bons argumentos ofensivos, o que se tirou de positivo hoje nesta Bélgica foi só mesmo Courtois, um dos melhores guarda-redes do Mundo. A Argentina somou quinta vitória tangencial seguida em cinco jogos neste Mundial: 2-1 à Bósnia, 1-0 ao Irão, 3-2 à Nigéria, 1-0 à Suíça (este no prolongamento),1-0 à Bélgica. Pode até ser que este seja um padrão de futuro campeão do Mundo. Já garantiu, pelo menos, a chegada às meias-finais, algo que os argentinos não provavam há 24 anos. Mas atendendo à (não muito elevada) qualidade dos adversários, parece-me escasso.

3. Muito melhor com o Uruguai. Melhor frente à Itália. Equilibrada com Inglaterra e Grécia. Organizada com a Holanda. Costa Rica, sempre bem. De muito longe, a maior surpresa deste Mundial. E uma das histórias que ficam para contar de uma prova que, até aos oitavos, se destacou por jogos memoráveis, e que se revelou, nos quartos, bem menos espetacular, com as seleções com medo da eliminação e, por consequência, com medo do risco também. Na partida de Salvador, rapidamente se percebeu que não iriam ser favas contadas para os holandeses. Costa Rica muito arrumada naquela linha de cinco a defender, com meio-campo de quatro, bem a defender e pelo menos duas unidades prontas a ajudar Bryan Ruiz, em situações ofensivas: Campbell e Borges. A Holanda a dar sinais de que se dá muito melhor a sair rápido para o ataque do que a assumi-lo de forma continuada. Robben caso à parte, quando metia o turbo gerava perigo, mas a Costa Rica sólida a defender e com o tal fator Navas a aguentar, a somar defesas fantásticas, a assinar mais uma noite histórica para o currículo. Dum forte domínio inicial holandês (63% de posse de bola) foi-se evoluindo para um maior equilíbrio. A Holanda não conseguiu manter o ritmo, começou a habituar-se à ideia de que o prolongamento com a Costa Rica não seria um escândalo. Mas não foi bonito de se ver: a partir de um certo ponto era uma Costa Rica a suster o 0-0, já quase sem sair da toca, e a Holanda a tentar, mas sem grandes ideias para fazer pelo menos um. No tempo extra a Holanda sem grandes ocasiões e, com Van Gaal finalmente a meter Huntelaar, a Costa Rica ainda ousou o contra-ataque nos últimos 15 minutos. Aquela bola à trave da baliza de Navas já parecia... «santeria» a ajudar a Costa Rica. Mas eis que Van Gaal, em jogada entre o genial e o louco, surpreende tudo e todos, ao trocar de guarda-redes ao... minuto 120. Podia ter corrido mal, é claro, mas foi a chave. Tim Krul passou a ser o foco, e não Navas, que quase todos adivinhariam como o «herói provável» dos penalties. E Krul foi mesmo quem decidiu, ao travar dois pontapés (acertando sempre nos lados para onde os costa-riquenhos dispararam).

4. Sem a Joia e sem o Capitão, este Brasil não terá mais do que 45% de chances de eliminar a Alemanha. Mesmo com a tradição a seu favor (venceu o único duelo com alemães em Mundiais, na final de 2002). Mesmo com o fator casa. Neymar é muito mais do que o melhor jogador brasileiro da atualidade. É já um dos quatro/cinco melhores do Mundo, com potencial para ser um dos dois/três muito, muito em breve. Neste Brasil um pouco previsível, sem grande rasgo, a Joia fez quase sempre a diferença. Mesmo quando não marcava. Scolari apostou grande parte das fichas no «minino» e ninguém o pode censurar por isso. O problema é que, na escolha dos 23, não previu uma situação como esta. Não seria prudente ter chamado Lucas Moura, por muito que a época do jovem craque, na estreia no PSG, tenha sido frustrante e perseguida por lesões? E agora, Felipão? Quem assume o papel de mágico? Oscar é o único com talento minimamente parecido. E quem ocupa a vaga: Bernard? Hernanes? Ramires? Nenhum deles chega, sequer, perto do talento de Neymar e isso obrigará a um Brasil bem diferente diante da Alemanha. E atenção ao castigo a Thiago Silva. O capitão é peça fundamental, não só na defesa (dupla muito rotinada com David Luiz, foram os dois, até, que marcaram os golos à Colômbia), mas também na atitude e na liderança. A perda de Neymar e Thiago Silva pode até criar um sentimento ainda maior de mobilização emocional em torno do escrete (e como Scolari é perito nisso…), mas olhando para o que Brasil e Alemanha fizeram até aqui, sobretudo nos quartos de final de ontem, os alemães partem para o duelo de Belo Horizonte com favoritismo evidente. Talvez 45/55 para os germânicos.

5. O Brasil-Colômbia de ontem não foi o melhor jogo deste Mundial. Esteve bem longe disso, aliás. Mas o duelo sul-americano de Fortaleza proporcionou mais dois momentos grandiosos deste belo Mundial-2014: o golo assombroso de David Luiz (um livre executado de modo tão perfeito que parecia saído de um jogo de computador) e o reconhecimento a James, heróis deste torneio pelo talento imenso que derramou em campo e por ter marcado em todos os jogos. O futebol vale, essencialmente, por aquela imagem de David Luiz e Dani Alves a acarinharem um James lavado em lágrimas, depois da eliminação, mas com mil razões para estar orgulhoso pelo que fez. Perder, para o Mundial, James e Neymar no mesmo jogo foi dos piores momentos do Brasil-14.

«Do lado de cá»
é um espaço de opinião da autoria de Germano Almeida, jornalista do Maisfutebol, que aqui escreve todos os dias durante o Campeonato do Mundo. Germano Almeida é também responsável pelas crónicas «Nem de propósito» e pela rubrica «Mundo Brasil», publicadas na revista MF Total. Pode segui-lo no Twitter ou no Facebook.