O Mundial-2014 recordado em cinco pontos:

1.
Um Mundial é muito mais que os 64 jogos que se disputam num mês (e, neste caso, um dia). É o maior evento desportivo global (e se tirarmos o «desportivo» devemos continuar a ser verdadeiros). Para quem gosta muito de futebol, é um mês diferente de todos os outros, de quatro em quatro anos. E este «mês» começado a 12 de junho teve duas primeiras semanas simplesmente fantásticas, com futebol de primeira qualidade, jogos inesperadamente «top», reviravoltas no marcador, muitos e bons golos, boas revelações. Foi a melhor fase de grupos de sempre e os oitavos ainda revelaram dois duelos extraordinários: Alemanha-Argélia, talvez o melhor jogo deste Mundial (com a curiosidade de ter terminado em 0-0 nos 90) e o Bélgica-EUA, exibição inesquecível de Tim Howard, talvez não voltemos a ver em nossas vidas um guarda-redes assinar 16 defesas (quase todas elas excelentes) num só jogo de um Mundial. Este foi o primeiro «Mundial do twitter» (também do Facebook, mas mais do twitter), com recordes atrás de recordes nas redes sociais, em cada momento vibrante. E com os jogadores e as equipas a perceberem, finalmente, que a comunicação nos seus perfil pessoais pode ser poderosa ( exemplar a forma como Podolski e outros alemães usaram o twitter para conquistarem o coração dos brasileiros).

2. Os «oitavos» já anunciaram alguma descida de qualidade (apesar desses dois jogos que vão ficar na memória). Cinco prolongamentos em oito partidas davam conta do paradigma de equilíbrio que mostrava o medo que as seleções passaram a sentir em serem eliminadas no «mata-mata». Mas foi a partir dos «quartos» que essa descida de qualidade se acentuou. O caso da Argentina merece ser assinalado: chega à final tendo estado naqueles que terão sido os dois piores jogos da prova: com a Bélgica, nos quartos (1-0 após prolongamento, com 120 minuto de bocejo generalizado), e com a Holanda, em «meias» só resolvidas nas grandes penalidades. Do brilho inicial, o Brasil-14 passou a revelar o cálculo das seleções, bem evidente em quase toda a final do Maracanã.

3. A Alemanha foi campeã justíssima. Porque foi a seleção mais forte, mais poderosa, mais regular e mais equilibrada. Fez dois resultados históricos (4-0 a Portugal e 7-1 ao Brasil), com algum demérito dos respetivos adversários, de facto, mas acima de tudo com grande mérito próprio. Controlo emocional, leitura clara do que deve ser feito em cada fase do jogo e, é claro, executantes de grande qualidade em cada setor. A nova campeã do Mundo tinha o melhor guarda-redes da prova (Manuel Neuer), o melhor central (Hummels), o melhor lateral (Lahm), o melhor médio (Kroos) e mais dois entre os melhores (Schweinsteiger e Khedira) e um dos melhores avançados (Muller). Além dos dois grandes jogos com Brasil e Portugal, a Alemanha foi muito eficaz com a França, soube esperar na final com a Argentina, lançando um «joker» Gotze para resolver aquele impasse tático. Menos conseguidos foram os jogos com o Gana (empate 2-2, valeu pela reação após o 1-2) e com os EUA (vitória 1-0 que na fase final podia ter dado empate). E houve ainda o tal jogo com a Argélia, em que a «Mannschaft» terá sido apanhada de surpresa pela competência do jogo argelino, sempre a sair com critério para o contra-ataque e com um Mbolhi a fazer a exibição de uma vida. Mas um campeão do Mundo faz-se assim, também, não se assustando com as dificuldades, não jogando sempre bem, percebendo o que tem que adaptar em cada jogo. Na final, a Alemanha foi capaz de responder ao azar de Khedira (Kramer), ao azar de Kramer (Schurrle), ao fechamento da Argentina no prolongamento (Gotze). Chegou para resolver. E muito bem.

4. Este foi o Mundial da competência alemã (alguém se atreve a contestar a justeza do novo campeão?), da qualidade do ataque francês (os «Bleus» só não foram à final porque levaram com a Alemanha nos «quartos»), da sentença precipitada de que iria ser uma «Copa América alargada» (afinal o campeão foi europeu, nas meias estava a Holanda e nos quartos a Bélgica e a França). Da desilusão de Brasil e Espanha, claro. Mas também de Portugal, Inglaterra e Itália, de quem se esperava chegassem mais longe. Mas foi, sobretudo, o Mundial de duas belas surpresas pela positiva: Costa Rica (nenhuma derrota contra cinco grandes seleções!), vencedora inusitada do «grupo da morte», e Colômbia, a seleção mais excitante da primeira fase, com James e Cuadrado a serem dois dos melhores jogadores da prova. Os «cafeteros» só não resistiram aos melhores 45 minutos do Brasil na Copa (mas ainda iam a tempo do prolongamento naquela meia-hora final no Recife). Melhores jogadores: Robben, Muller, Kroos, Lahm, Hummels, Neuer, Messi, Di Maria, Mascherano, James, Cuadrado, Navas, Ochoa, Howard.

5. Tendências que este Mundial nos mostrou: curioso regresso do «3x5x2», esquema que parecia remetido ao passado, mas com variações curiosas, como no México e na Costa Rica. Surpreendente foi a Holanda de Van Gaal a adotar também esse sistema: e quase chegava assim à final. Recuo das equipas africanas, com Camarões a ser talvez a pior seleção da prova (ainda pior que as Honduras), mas a boa exceção da Argélia, a desafiar o futuro campeão do Mundo nos oitavos. Bom desempenho da CONCACAF (México e EUA nos oitavos, Costa Rica nos quartos); anúncio de próximos anos auspiciosos para Alemanha, França, Bélgica e até Inglaterra (que apesar ter caído na primeira fase, mostrou qualidade nas partidas com Itália e Uruguai, numa seleção com média de idades muito jovem). O 1-7 do Brasil-Alemanha ficará para sempre na história dos Mundiais. Os golos de Van Persie no Espanha-Holanda, James no Colômbia-Uruguai e até o de Tim Cahill no Austrália-Holanda também deverão ficar gravados na memória. Daqui a quatro anos há mais. Quantos dias faltam mesmo para o Rússia-2018?

«Do lado de cá» é um espaço de opinião da autoria de Germano Almeida, jornalista do Maisfutebol, que aqui escreve todos os dias durante o Campeonato do Mundo. Germano Almeida é também responsável pelas crónicas «Nem de propósito» e pela rubrica «Mundo Brasil», publicadas na revista MF Total. Pode segui-lo no Twitter ou no Facebook.