O dia 27 do Mundial-2014 em cinco pontos:

1.
Isto aconteceu mesmo? Não foi um pesadelo de 200 milhões de brasileiros, ansiosos pelo hexa, mas receosos com um escrete que não convencia? Fracasso coletivo do escrete, falhanço de todo um projeto preparado por Felipão. Sucesso retumbante da solidez coletiva alemã. Brasil e Alemanha chegaram a esta meia-final com o mesmo número de golos marcados (dez, em cinco jogos), pelo mesmo número de jogadores (seis). Curiosamente, ambas as seleções necessitaram também de um prolongamento (Alemanha sobre Argélia, Brasil sobre Chile), embora os alemães tenham resolvido a coisa nos 120 e o Brasil ainda tenha tido necessidade de penalties. Foi a repetição da final de 2002, a primeira e única vez que brasileiros e alemães se tinham defrontado em fases finais de Mundiais, até esta partida do Mineirão. Mas diferente, completamente diferente desse duelo de há 12 anos em solo asiático. O Brasil até parecia ter começado bem e esteve perto do golo, nos primeiros dez minutos. Mas a eficácia alemã não perdoou à primeira ocasião: Muller agradeceu mau posicionamento de David Luiz em canto e abriu aos 11. E aí começava o descalabro. O Brasil não soube aguentar a pressão. Faltava Neymar para pegar no jogo. O buraco na defesa tinha o tamanho da influência do capitão Thiago Silva. Mesmo só com 0-1, a descrença brasileira em campo impressionava. E depois, bom, depois o que aconteceu é da ordem do irracional: 0-2 aos 23, 0-3 aos 25, 0-4 aos 26, 0-5 aos 29. Mão cheia à meia-hora, dá para acreditar? O resto nem é preciso explicar muito. O crucial foi olhar para aqueles sete minutos de desmoronamento coletivo, aproveitado por uma Alemanha muito eficaz. Sem soluções, sem acreditar no que estava a acontecer, o escrete bloqueou. Kroos, Khedira, Muller e amigos a passearem na Avenida Brasil do descontentamento do país organizador. Os 0-5 ao intervalo pareciam inacreditáveis, mas já mostravam uma certa desaceleração germânica depois da meia-hora. Nas bancadas era um misto incredulidade e choro. E algum medo do resultado ser ainda pior, já agora. Schurrle, entrado no segundo tempo, passou a coisa para 0-7, autêntica licença para humilhar. Ozil ainda esteve perto do 0-8, acabou por ser Oscar a apontar o 1-7. Mas já não interessava, pois não?

2. Neymar e Thiago Silva são «só» os dois jogadores mais influentes da seleção brasileira. Neymar é a Joia. De longe, o jogador mais talentoso desta geração do futebol brasileiro. Aquele em quem todos esperam que faça a diferença. O que assume o ónus da resolução. O que aparece a desequilibrar. Thiago Silva, o líder. O capitão. A forma como abriu o marcador no encontro com a Colômbia dá conta da importância que pode ter neste escrete: não é só como defende, é mesmo saber tudo o que colegas vão fazer. Adivinhar que atitude o Brasil, como equipa, precisa de assumir em cada jogo. Scolari sabia perfeitamente destes duas enormes ausências. Mas talvez não imaginasse a dimensão da hecatombe que estaria para suceder. Depois de vermos estes inacreditáveis 1-7, concluímos que Neymar não é só a Joia deste Brasil. Neymar «é» este Brasil. Bernard? Esqueçam. Meter Willian e tirar Fred quando já estava 0-6? 

3. A Alemanha surgia como favorita. Sem Neymar e Thiago Silva, o Brasil apresentava-se limitado e, com exceção da primeira parte com a Colômbia, ainda não tinha convencido verdadeiramente neste Mundial. Com processos coletivos consolidados, Joachim Low não teve que arriscar, ao contrário do que sucedia com Felipão. Mas nem o alemão mais fanático pela sua seleção imaginaria tamanhas facilidades. Bastou à Mannschaft ser eficaz. Nem precisou de ser brilhante. Excelente o trio Khedira-Ozil-Kroos, a dar goleada não só no marcador, mas sobretudo nas combinações, perante os buracos em zonas cruciais do jogo brasileiro. A Low bastou repetir o onze vitorioso frente à França e ainda deu para festejar o recorde de golos de Klose. Passeio.

4. O jogo do próximo sábado, para se apurar o terceiro lugar, em Brasília, pode ser penoso para o Brasil. Felipão, na conferência a tentar explicar o massacre, até quis lembrar esse fato: «Tem jogo sábado. Tem jogo sábado…» Scolari considera que o Brasil «só perdeu um jogo hoje». Recusa-se a aceitar a evidência de que este foi um momento histórico que o futebol brasileiro tem que saber interpretar. A consequência terá, por isso, que passar pela sua saída, desta vez sem glória, do comando técnico do escrete. Haverá discernimento para que o futebol brasileiro tire alguma lição do pesadelo de Belo Horizonte? 

5. Argentina ou Holanda, quem será o segundo finalista do próximo dia 13? O percurso de argentinos e holandeses até esta meia-final em São Paulo mostrou sinais um pouco contraditórios. A Argentina não encanta, mas soma cinco vitórias em cinco jogos: sempre à tangente, é certo, mas quase sempre com uma noção de controlo que costuma apontar um padrão de eventual campeão do Mundo. Messi está a decidir, a defesa começou caótica naquela primeira parte com a Bósnia mas foi assentando. E não, a Argentina não está a ser só Messi. Estava também a ser Di Maria, que lamentavelmente para os argentinos e para todos os amantes de futebol não pode atuar; e também Mascherano, peça essencial nos equilíbrios do processo de jogo da alviceleste. A Holanda começou de forma épica, com aquela reviravolta de 1-0 para 1-5 frente à Espanha. Os talento e a capacidade concretizadora de Van Persie e Robben ficaram bem provados, mas os golos e os triunfos da laranja (1-5 à Espanha, 3-2 à Austrália, 0-2 ao Chile, 2-1 ao México) não foram suficientes para que a equipa de Van Gaal se confirmasse como clara candidata ao título. Há até quem acuse o selecionador holandês de desvirtuar a sua própria memória, ao insistir numa equipa com cinco defesas, sem futebol de ataque continuado e demasiado apoiado nas saídas rápidas de Robben. Ainda por cima com Van Persie em dúvida, Robben vai mesmo ter que ser a grande esperança para a laranja repetir presença na final. Será que chega para afundar a Argentina?

«Do lado de cá» é um espaço de opinião da autoria de Germano Almeida, jornalista do Maisfutebol, que aqui escreve todos os dias durante o Campeonato do Mundo. Germano Almeida é também responsável pelas crónicas «Nem de propósito» e pela rubrica «Mundo Brasil», publicadas na revista MF Total. Pode segui-lo no Twitter ou no Facebook .