* por Juan Esteban Rodriguez


«Às vezes voo, outras vezes, arrasto-me demasiado perto do chão»

Joaquín Sabina , músico e poeta espanhol


É da alma espanhola (passional, irregular, orgulhosa, genial, indiferente) envolver-se nas empresas de maior entusiasmo num dia e, no seguinte, cair numa apatia desolada. Mas, geralmente, não ficamos muito tempo assim. Depois de um tempo, voltamos com a intensidade de uma nova esperança que será, inevitavelmente, muito diferente da que, anteriormente, nos mobilizava. 

A seleção espanhola, duas vezes campeão europeia, campeã mundial, foi eliminada na primeira fase do Brasil-2014. Ninguém esperava. A deceção sentida nas ruas de Madrid (e no resto do país), as bandeiras são removidas discretamente a partir das varandas, a estrela sobre o escudo é olhada com melancolia, com admiração antiga, olhando com a convicção de saber que há apenas quatro anos, pudemos sentir-nos no topo do mundo. Um dia fomos os melhores e essa estrela lembra-nos isso. É por isso que passamos os dedos pelas costuras dessas camisolas vermelhas, que tão poucos dias estiveram neste Mundial.

Sempre se disse que a pior das tragédias é o dia seguinte, quando o impacto do inesperado se esfuma e se toma verdadeira consciência da nova situação. Esse é o momento da decisão, «e agora?». À dificuldade de assumir a nova cicatriz que vai rasgar para sempre a nossa memória, une-se o medo de tomar decisões que poderão trazer novos desgostos. Mas sem tomar decisões não se avança e isso é ainda pior. Para ser uma morte em vida. Abandonar-se.

Por isso, é hora de decisões. Sem dramas. Sem desviar. Sem negligenciar tudo o que é bom sobre o estilo que nos deu os melhores sucessos da nossa história. Mas com firmeza e sem medo. Se passou a hora de Casillas, Xavi, Alonso e Villa, que se assuma e se avance. Porque o futebol, como a vida, não perdoa a indecisão. Passámos anos a decidir, como dizia Menotti, «se a Espanha queria ser o touro ou o toureiro», quando, finalmente, com a ajuda de um Sábio de Hortaleza, decidimos vestir o traje e acreditámos firmemente na aposta. E a aposta mostrou-se correta. Passada a hora dos seis centrais (Javi Clemente fazia essas coisas), havia chegado o momento de assumir, mesmo que não fôssemos os mais fortes, éramos pelo menos os mais técnicos. Agora é o momento de não nos esquecermos disso.

Claro que existem jogadores que já tiveram o seu momento. É a lei natural da vida. Há que agradecer os serviços prestados de Iker Casillas, Xabi Alonso, Xavi Hernández e David Villa. E, talvez, Fernando Torres e Gerard Piqué (a sua forma nos últimos dois anos, deixa muito a desejar). Puyol partiu voluntariamente há meses. Praticamente todo o núcleo duro, exceto Sergio Ramos, Busquets e Iniesta, da seleção nos últimos anos. Quem aparece de novo? No horizonte imediato, nomes como Koke, Thiago, Isco, De Gea, Deulofeu, Jesé, Oliver Torres (reforço do FC Porto) ou Alberto Moreno. Há gente boa para animar a renovação, mas mesmo assim será um processo complicado. 

Será difícil para esta geração, como não foi para nenhuma outra. Mais do que qualquer outra geração teve isso antes. Porque a maioria deles vai perder nas comparações, sem dúvida. E porque sentem a pressão de um país que se acostumou a ganhar, que se habituou a ser sempre favorito, em qualquer altura, em qualquer circunstância. 

Agora será difícil de explicar aos adeptos espanhóis que já não somos os melhores, que é preciso ter paciência, que estes miúdos que estão agora a aparecer não vão ganhar sempre, só porque vestem a «Roja», que serão precisos alguns anos até que a seleção volte a ganhar assim tanto. E sorte em determinados momentos chave, como a geração que agora acaba por vezes teve. Aparecerão novas derrotas, por certo, e esse será o momento de aguentar o plano, manter-se firma na ideia de ser toureiro e não touro. Há seis anos, encontrámos uma ideia que nos fez felizes. 

Retoquemos, pois, os nomes, mas não deitemos fora a ideia. Se surgirem dúvidas, olhemos para o escudo. Acima dele há uma estrela que nos arrancará um sorriso. 


* Juan Esteban Rodríguez Garrido, nascido em Madrid em 1982, é licenciado em História pela Universidade Complutense de Madrid, doutorou-se em Didáticas das Ciências Sociais. Professor de Ciências Sociais na Faculdade de Educação em Madrid, publicou o seu primeiro livro, tendo sido, durante seis meses, professor convidado da Universidade do Porto. É co-autor do livro «Lendas da Premier League», sobre os primeiros 20 anos do atual formato da Liga inglesa. Em 2014, publicou «Arda Turan, o génio de Bayrampasa», sobre o fenómeno de popularidade da estrela turca do At. Madrid