*Enviado-especial ao Brasil

Mesmo o Mundial das emoções fortes e das reviravoltas pode ter jogos assim: previsíveis, com guião pré-definido, e desfechos esboçados bem cedo. Não, desta vez não foi um caso de «... e no fim ganham os alemães»: a seleção de Joachim Löw, primeira semifinalista deste Mundial, disse bem cedo ao que vinha, conseguiu-o ainda antes dos primeiros 15 minutos, e passou o resto do tempo a gerir os desafios, limitados, criados por uma França que demorou demasiado tempo a mudar o chip para o plano B. Kroos, e principalmente Neuer, novamente imperial, estão entre as grandes figuras do Mundial – mas a Alemanha continua a dever a si própria uma exibição que rime com algo mais do que eficácia.

Confira a FICHA DO JOGO

A «mannschaft» chega às meias-finais de um Campeonato do Mundo pela quarta vez consecutiva. Mas, apesar de individualidades de topo, fá-lo, desta vez, numa versão bem menos interessante dos que as suas antecessoras de 2006 e 2010. A impressão foi acentuada por uma vitória em velocidade de cruzeiro, a prolongar o regime dos serviços mínimos estreado depois da goleada a Portugal.

Com Lahm de volta à lateral e Schweinsteiger numa versão mais musculada de pivot a meio-campo, foi a presença de Khedira, em funções mais avançadas, ao lado de Kroos, que começou a retirar consistência ao meio-campo francês. A equipa de Deschamps, que ainda não tinha enfrentado um teste com esta dimensão, sacrificou Giroud por Griezmann, fazendo com que Benzema voltasse ao eixo do ataque: na prática, era a renúncia aos duelos físicos, na área, com Hummels e Boateng, e a aposta na rapidez e técnica dos alas, para aproveitar as avenidas parecidas com as que a Alemanha ofereceu à Argélia.

Com os alemães em maioria no estádio, e os brasileiros inclinados a torcer pelos franceses, o jogo teve o seu momento chave logo aos 13 minutos, quando Hummels fez valer o físico e a experiência para ganhar o corpo a corpo com Varane e cabecear o livre cobrado por Kroos. Ora para um plano de jogo como o da França, sofrer um golo cedo era o pior que podia acontecer: a Alemanha podia recuar, como recuou, e encurtar os tais espaços que Valbuena e Griezmann pretendiam aproveitar.

Nunca tendo estado em desvantagem, neste Mundial, a França viu-se obrigada a partir ao assalto de uma muralha, que não hesitou em deixar Klose (aposta surpreendente de Löw) entregue à sua sorte. O ponta de lança, que poderia ter batido o recorde de golos de Ronaldo em pleno Maracanã (desculpem, mas não há outra palavra: sacrilégio!), acabou por passar ao lado do jogo, com exceção de um lance em que, puxado pela camisola por Debuchy, exagerou na queda, levando o argentino Pitana a mandar seguir.

Só nos últimos dez minutos da primeira parte a França esteve perto de conseguir algo, primeiro num remate de Valbuena que permitiu a Neuer brilhar, depois em duas tentativas de Benzema cortadas pelo corpo de Hummels. Com o sol e a relva seca a acentuarem as dificuldades a quem andava lá em baixo, a segunda parte trouxe de volta a sensação de que a França não teria muitas oportunidades para driblar a eliminação, a menos que introduzisse um fator de rotura no jogo.

A imagem de Valbuena, positivamente atropelado por Schweinsteiger numa bola dividida, ilustrava a sensação de impotência dos «bleus», mas só a partir dos 70 minutos Deschamps aceitou mexer no figurino, com as trocas de Cabaye por Rémy e, ainda mais tarde, de Valbuena por Giruoud. Tarde de mais, até porque a Alemanha, com Schürrle na vaga de Klose, tinha adaptado o design a um jogo de contra-ataque, que em duas ou três ocasiões lhe teria permitido o KO definitivo – Lloris e a falta de pontaria negaram três dessas situações a Schürrle e Müller nos minutos finais. Foi essa a única falha numa tarde de eficácia máxima para os homens de Löw – sim, porque quando a organização defensiva falhou, Neuer apareceu para resolver, como o fez na insolente defesa com a mão direita a remate de Benzema, no último lance da partida.

Pela terceira vez, depois das meias-finais de 1982 e 1986, a França volta a cair perante alemães realistas – mas desta vez só pode queixar-se de si própria. Disso, e de Neuer, claro.