*Enviado-especial ao Brasil

É de jogos como este que se alimenta a lenda dos Campeonatos do Mundo. A entrada em cena de Luis Suarez fez-se em grande estilo, com dois golos que mantiveram acesa a chama do Uruguai, com a vitória sobre a Inglaterra (2-1). E teve contornos cruéis para uma seleção inglesa novamente generosa e combativa que, tal como diante da Itália, pagou o preço de fragilidades defensivas. No pólo oposto a Suarez, o seu colega do Liverpool, Gerrard, culminou outra noite de azar com a participação involuntária nos dois golos que deixam mais uma seleção europeia à beira do KO.

Entre dois derrotados do primeiro dia, a margem de erro era escassa. Mas, se os desfechos tinham sido iguais, as conclusões deles retiradas foram distintas: Roy Hodgson entendeu, com alguma razão, que a sua equipa tinha feito um bom jogo com a Itália e entendeu manter a confiança nos mesmos onze. Já Tabarez, além da cartada Suarez, finalmente recuperado, mexeu em quase meia equipa, depois da derrota embaraçosa com a Costa Rica.

Com as simpatias do Itaquerão divididas ao meio, foi da Inglaterra a primeira grande oportunidade, num livre frontal de Rooney, a centímetros do poste de Muslera, que não podia fazer mais do que rezar (10 minutos). Mas ao contrário do que tinha acontecido com a Itália, a energia de Sterling e Welbeck tornou-se estéril com o passar dos minutos, e o jogo teve então 15 minutos de ligeiro ascendente uruguaio, com um remate de Cristian Rodríguez a tirar tinta à trave, após um corte falhado de Cahill (15 min) e Cavani a fazer o mesmo após um canto na direita (26).

O losango uruguaio, no apoio à dupla Cavani-Suarez, começava a tirar do jogo a dupla Henderson-Gerrard, tanto mais que Cavani, com movimentações muito amplas, ajudava a ganhar superioridade a meio-campo. Nesta altura, só de bola parada a Inglaterra inquietava Muslera, como aconteceu aos 31 minutos, num canto que Rooney cabeceou literalmente para o segundo poste, a meio metro da linha de golo, num dos lances mais azarados do Mundial.

O enguiço do número 10 de Inglaterra em campeonatos do Mundo (zero golos em três edições) começava a assumir foros de sobrenatural e, para piorar as coisas, outro enguiço já visto esta época esteve na origem ao golo uruguaio: o azarado Gerrard, a iniciar um ataque, deixou-se desarmar a meio-campo por Lodeiro, com a Inglaterra subida. O que se seguiu teve precisão de relojoaria: Lodeiro lançou Cavani na esquerda e este fez o tempo parar, apenas a fração de segundo exata para Suarez descobrir espaço nas costas de Jagielka e bater Hart com uma cabeçada em contrapé, cheia de veneno (39 min).

Se o jogo já estava agitado, o golo cortou-lhe as últimas amarras, e a Inglaterra reagiu de imediato, primeiro com Sturridge a obrigar Muslera a grande defesa, depois com dois cantos que anunciavam uma segunda parte imprevisível e aberta: apesar do ascendente uruguaio, a luta estava muito longe do fim.

Outra vez Rooney, outra vez Gerrard, outra vez Suarez

O melhor recomeço do Uruguai deixou a Inglaterra à beira do KO, com Suarez e Cavani a ameaçarem Hart, por duas vezes em cinco minutos. Mas, logo de imediato, uma grande jogada de Baines, na esquerda, pôs Rooney na cara do golo pela terceira vez. Muslera fez uma defesa milagrosa, que na altura pareceu ser capaz de desmoralizar qualquer um.

Porém, as substituições de Hodgson mantiveram a Inglaterra viva: Barkley e Lallana trouxeram sangue fresco aos três leões que, verdade seja dita, encostaram o Uruguai às cordas durante 20 minutos. E quando Rooney, após grande passe de Glenn Johnson, quebrou o enguiço de três Mundiais, batendo Muslera à queima-roupa para o seu primeiro golo em fases finais (75 min), parecia que estavam criadas as condições para mais uma reviravolta em Mundiais.

Mas não: se os seus jovens talentos fazem desta Inglaterra a mais interessante dos últimos anos, a verdade é que a equipa continua prisioneira de algumas debilidades que se pagam caras. Para não variar, Gerrard, um íman de infelicidades em momentos decisivos, voltou a estar na jogada: foi um seu desvio de cabeça, a pontapé longo de Muslera, que deixou Suarez em novo frente a frente com Hart. O avançado que os ingleses mais gostam de odiar, recorreu aos superpoderes de matador diplomado, marcando o seu segundo golo da noite e deixando as esperanças inglesas presas pelo mais ténue dos fios: o último golpe de teatro num grande – enorme! - jogo de futebol.