Geromel não é o típico jogador de futebol. Filho de pai empresário, com um irmão especialista em mercados financeiros, o central estudou num tradicional colégio de São Paulo e levou a sério a escola. O sonho dele, no entanto, sempre foi o futebol. Por isso começou a jogar com dez anos.

Natural de São Paulo, iniciou-se na Portuguesa dos Desportos, passou pela Juventus brasileira e acabou no Palmeiras, levado por Elias, o antigo médio do Sporting e amigo dos torneios infantis.

No Palmeiras, porém, as coisas não correram bem. Geromel integrou uma equipa juvenil com vários craques. Além de Elias, que já era uma grande promessa, o clube tinha nomes como Vagner Love e Ilsinho. Por isso Geromel jogava menos do que queria e desencantava-se com o clube.

Até que um dia um amigo chamado Rodrigo Babu, que conhecia do colégio e com quem tinha jogado na Juventus, lhe falou da possibilidade dos dois irem para o Desp. Chaves. Em Portugal.

A ligação é fácil: um tio de Rodrigo Babu era dirigente do Desp. Chaves e tratava de tudo. Geromel disse que sim, faltava autorização dos pais. Houve uma reunião familiar e houve autorização.

«Chaves, que na altura tinha 20 mil habitantes, foi um choque tremendo. Ainda para mais sou de São Paulo, uma cidade muito grande. Lembro-me que no primeiro dia foram mostrar-me a cidade, dei umas voltas pelas ruas de carro. A pessoa que estava comigo no fim pergunta-me E aí, gostou da cidade? A minha resposta foi mas é só isso tudo? Caramba!», conta Geromel.

«Foi um choque muito grande, também a nível da cultura. Cheguei no verão, em julho, mas depois veio o inverno e eu nem tinha uma camisola para o frio. Passava frio para caramba. Então peguei no salário e fui comprar uma camisola para o frio. Nunca mais a larguei. Todos os dias ia para o treino direto com a camisola vestida. São tempos que recordo com carinho.»

Pedro Geromel fala com a imprensa portuguesa na zona mista do Sérvia-Brasil. Ri muito ao contar as histórias antigas e não deixa de manifestar alguma nostalgia pelo caminho trilhado.

«Agora penso que todos esses esforços valeram a pena e sinto-me muito feliz. Todos os sacrifícios e toda a trajetória que fiz valeu a pena. Ter a carreira coroada com um Mundial não tem preço.»

«As pessoas falavam comigo e eu só respondia sim: sim, sim, sim»

O central brasileiro volta ao baú das memórias para garantir que sim, pensou muitas vezes em desistir. Rodrigo Babu, aliás, só aguentou dois meses em Chaves: depois disso voltou ao Brasil.

«Claro que pensei em voltar ao Brasil. Muitas vezes. Só faltou mesmo dizer vamos. Se algum clube brasileiro me chamasse do Brasil naquela altura, eu iria logo a correr.»

A primeira vez que os pais o foram visitar, aliás, perceberam que o miúdo de 18 anos estava a ter dificuldades e tentaram convencê-lo a fazer a viagem de regresso com eles. Não aceitou.

«Eu tinha muito presente, por outro lado, que aquela foi a vida que tinha escolhido, que tinha muita vontade em ser jogador e que tinha de ultrapassar os obstáculos.»

E eram muitos obstáculos.

«No início quando cheguei as pessoas falavam comigo e eu só respondia sim. Sim, sim, sim. Perguntavam-me qual era o meu nome e eu respondia sim. Perguntavam-me onde tinha comprado a camisa e eu respondia sim. Não entendia nada do que falavam, era muito complicado. Mas ao fim de duas ou três semanas comecei a entender e aí tornou-se mais fácil.»

«Tenho saudades das francesinhas. São maravilhosas»

Ficou dois anos em Chaves, deu nas vistas e saltou para Guimarães. Onde foi tudo mais fácil.

Já estava mais adaptado ao futebol, às táticas, ao sistema do de jogo, aos portugueses, aos costumes, à alimentação, ao clima. Então foi muito fácil adaptar-me», conta.

«Recordo com carinho muitas coisas que vivi em Portugal, foram cinco anos lá. Fiz grandes temporadas e muitos amigos em Guimarães e em Chaves. Em Guimarães, por exemplo, lembro-me dos adeptos, que são muito queridos. Apoiam muito e cobram muito também.»

Do que é que tem mais saudades?, pergunta-se. Geromel solta uma gargalhada.

«Da francesinha, com certeza. Fogo. Aquelas francesinhas, com batatas fritas e aquele molho especial, é maravilhoso», adianta.

«Tive muito bons treinadores em Portugal que me ajudaram. Tive uma passagem muito boa em Guimarães com o Manuel Cajuda, que é uma figura. Aliás, eu acho que os treinadores portugueses são muito bons, por isso hoje são consagrados em todo o mundo, em grandes ligas, grandes clubes, grandes competições. Isso é a prova da qualidade do treinador português.»

«Voltar? Não. O meu tempo em Portugal já passou»

Apesar de falar com nostalgia em Portugal, Geromel diz que não pensa voltar. Aos 32 anos, e após fazer parte da seleção brasileira num Mundial, o central acredita que há capítulos fechados.

«Não, agora não penso voltar. Já tive o meu tempo em Portugal, estou muito grato ao V. Guimarães e ao Desp. Chaves, mas agora não consigo ver um regresso a Portugal. Há muitos anos que se fala do interesse do Sporting e de outros clubes portugueses, mas nunca houve nada de concreto», começa por dizer.

«Voltar à Europa? Para já não penso nisso. Estou muito feliz no Grémio, estou a fazer uma boa carreira lá, que permitiu até chegar aqui ao Mundial. Por isso para já não penso nisso, mas nunca se sabe o futuro. Nunca digo nunca. Estou muito feliz no Grémio, mas não vou falar que não.»

Recorde-se que, depois de passar três anos em Guimarães, Geromel passou por Colónia e Maiorca, teve uma lesão grave e chegou a pensar-se no final da carreira. O jogador, no entanto, voltou ao Brasil, para representar o Grémio, afastou a lesão e deu a volta por cima.

Por isso foi um dos quatro centrais chamados por Tite para o Mundial 2018, juntamente com Miranda (Inter Milão), Marquinhos (PSG), Thiago Silva (PSG). Foi aliás o único central convocado que está atualmente a jogar no Brasil.

Ainda não jogou, uma vez que a dupla eleita tem sido Miranda e Thiago Silva, mas espera fazê-lo. Mais importante do que isso, garante, é ser campeão mundial.

«Opá, é o que falta. Já tenho dois campeonatos ganhos este ano [campeonato gaúcho e recopa sul-americana], falta o terceiro, que é o mais importante de certeza.»

Já passa da uma e meia da manhã e Geromel dá por finalizada a conversa. O autocarro da seleção brasileira está à espera dele.

Para um miúdo que aos 18 anos estava em Chaves, não se saiu nada mal.