Não é fácil encontrar Vladim Chernichov no seu pequeno bunker onde todos os dias cozinha os pastéis de nata: na zona industrial de Moscovo, na zona sul da cidade, uma fábrica com várias salas parece, para quem olha de fora, votada ao abandono. Um pouco como toda a cidade, aliás.

Lá dentro porém, foi tudo reformulado e somos até obrigados a tirar o calçado. Os russos não brincam com as regras, nem sequer com as regras de higiene.

Vladim Chernichov está entregue aos tachos e às panelas, que dali por poucas horas vão estar em doze pastelarias da capital russa. Na companhia de um funcionário, cozinha pastéis de nata ferozmente e não para nem para falar com o Maisfutebol: o tempo é escasso.

«Os russos adoram isto. O pastel de nata não fica em nada atrás da pastelaria alemã ou italiana. Antes tínhamos o strudel austríaco, os muffins, o tiramisu, enfim. Agora temos também o pastel de nata», começa por dizer.

«A única coisa que retrai os russos é o aspeto, porque não entendem o que é. Pensam que é queijo. Então se estiver um bocadinho queimado, já não querem. Por isso fazemos os pastéi1s de nata mais clarinhos do que em Portugal, porque eles não aceitam bem a parte escura. São ignorantes.»

Vladim fala com humor, não se ri, mas sorri, não é um homem de muitas palavras, mas vai falando cordialmente.

Explica que adora Portugal desde a primeira viagem ao nosso país. Foi nessa altura, aliás, que conheceu o pastel de nata. Foi paixão imediata.

«Uma vez fui passar férias ao Algarve e pela primeira vez provei o pastel de nata. Adorei. Foi amor à primeira. Pensei logo que tinha de trazer o pastel de natal para a Rússia. Depois disso ainda pensei durante uns dois anos como podia fazer isto. Preparei-me durante esses dois anos.»

O primeiro passo foi aprender a cozinhar o bolo.

«Tenho um amigo ucraniano, o Vitaly, que trabalhava num café em Lisboa, na zona ribeirinha onde vivia o Izmailov [Parque das Nações], e ele ajudou-me a montar tudo isto», refere.

«Foi ele que me ensinou como se fazem os pastéis de nata. Ele tinha aprendido com um português e passou-me tudo o que sabia, os segredos, os truques, tudo, tudo, tudo.»

A partir daí Vladim resolveu arriscar. Ou antes, resolveu pensar como podia arriscar. A empresa, com o nome «Pastéis de Nata», demorou quatro anos a sair da cabeça deste russo.

Foi preciso, antes disso, encontrar um local, contratar um distribuidor, mandar vir todas as máquinas de Portugal e encontrar os produtos na Rússia mais semelhantes ao que há em Lisboa.

«O negócio está a correr bem. Estamos a expandir-nos, agora tenho mais um sócio, o Michel Vieira, que é português e me ajuda na parte do marketing. Estamos a pensar aumentar a produção no futuro, vender em mais locais, provavelmente colocar os pastéis de nata no hotel Four Seasons.»

Ora Michel Vieira, refira-se, é um português que cresceu na Suíça e praticamente toda a vida foi emigrante. Agora está em Moscovo, onde casou com uma ucraniana e trabalha no ramo imobiliário. Conheceu os Pastéis de Nata russos e quis associar-se à ideia.

«Ficou muito surpreendido e entusiasmado por ver que eram vendidos pasteis de nata em Moscovo e lançou-me o desafio: vamos colaborar, vamos colocar 150 milhões de russos a comer pastéis de nata. Para já ainda não chegámos lá, mas estamos a trabalhar isso», sorri Vladim.

«Temos um público que regularmente vai a Portugal de férias e regressa, o qual já conhecia os pastéis de nata e que ficou logo cliente. Provou os meus, gostou, percebeu que eram iguais e ficou cliente. Era uma coisa que antes não havia em Moscovo.»

Para já, acrescenta, a empresa está a fazer entre 500 e 700 bolos por dia, os quais são distribuídos em doze pastelarias de Moscovo. Mas a ideia é aumentar a produção e fazê-la chegar a mais gente.

«Começámos em 2015, temos cerca de três anos, e achamos que esta é a altura ideal para crescermos. Vamos aumentar a produção em breve para dois mil pastéis de nata por dia.»

Enquanto as coisas vão correndo bem, Vladim Chernichov sorri com a concretização do sonho.

«Adoro Portugal. Vou lá várias vezes e por períodos prolongados. Já calcorreei Portugal de norte a sul. Descobri o pastel de natal da primeira vez que fui, para aí há uns dez anos, e meti na cabeça que o tinha de trazer para Moscovo, porque as pessoas iam gostar. Está a correr bem.»

O mais curioso é que Vladim nunca ouviu falar de Álvaro Santos Pereira.

Não precisou por isso de ouvir o antigo ministro sugerir aos portugueses que exportassem o pastel de nata para achar que era uma grande ideia. Até na Rússia.