Falta pouco mais de uma semana para começar o 22º Campeonato do Mundo, uma competição inédita em vários sentidos, que tem sido rodeada de polémica. Já falámos de tudo isso nesta série de perguntas e respostas. Agora concentramo-nos no futebol. Quem vai estar, quem não vai estar, as baixas de vulto, como é que as seleções chegam aqui, os favoritos e os recordes à vista.

Como é que as 32 seleções se apuraram?

Foi uma longa maratona que juntou 206 seleções, começou em junho de 2019 com um Mongólia-Brunei e só terminou mais de três anos mais tarde, ao fim de 685 jogos e marcada por várias alterações de calendário provocadas pela pandemia de covid-19. Na UEFA, a qualificação só arrancou em março de 2021, mas foi daí que saiu a primeira seleção a garantir o apuramento, a Alemanha, logo em outubro do ano passado. A última foi a Costa Rica, que saiu vencedora do play-off continental com a Nova Zelândia, a 14 de junho de 2022. A qualificação ficou marcada por várias polémicas, dentro e fora do campo. A Coreia do Norte retirou-se a meio da qualificação, alegando preocupações com a covid-19, e a Rússia foi excluída depois da invasão da Ucrânia. Ficou impedida de disputar o play-off, o que deu à Polónia apuramento direto para o último jogo. Depois houve um Brasil-Argentina que não aconteceu. Ou melhor, foi suspenso o fim de cinco minutos, quando a Argentina abandonou o relvado depois de as autoridades sanitárias brasileiras entrarem em campo, acusando jogadores argentinos de terem violado os protocolos Covid. O jogo devia ter sido reagendado, mas acabou por ser cancelado pela FIFA. Houve ainda um protesto do Chile por alegada utilização irregular de um jogador por parte do Equador, que no entanto não alterou as decisões em campo na qualificação. Estarão no Mundial 13 seleções europeias, seis asiáticas, cinco africanas, quatro da América do Norte e Central e quatro da América do Sul. Esta será a última edição com 32 equipas, até ver. Ao fim de seis Mundiais com este formato, para 2026 o Campeonato do Mundo volta a ser alargado, acolhendo 48 seleções. Veja aqui as 32 seleções apuradas.

E Portugal, como se apurou?

Foi mesmo na última oportunidade. A seleção integrou o Grupo A com Sérvia, Irlanda, Luxemburgo e Azerbaijão, um grupo de apenas cinco equipas a que se juntou o Qatar, em jogos não competitivos e para ganhar rodagem. Portugal partiu como favorito, mas o empate na Sérvia à segunda jornada redefiniu o equilíbrio de forças no grupo. Esse 2-2 terminou em polémica, com um golo não validado a Cristiano Ronaldo. Depois de quatro vitórias consecutivas, as coisas complicaram-se na reta final da qualificação, com o nulo na Irlanda à penúltima jornada, três dias antes da receção à Sérvia que decidiria a liderança do grupo e o apuramento direto. Bastava um empate a Portugal e o golo madrugador de Renato Sanches no Estádio da Luz reforçou uma ilusão enganadora de tranquilidade, contrariada pelos visitantes com o empate de Tadic à meia-hora e, balde de água gelada na Luz, um cabeceamento de Mitrovic que levou a Sérvia ao Mundial. Portugal via-se obrigado a ter de jogar de novo um play-off, como tinha acontecido nos apuramentos para 2010 e 2014, bem como para o Euro 2012. Também aqui, agora numa última barreira em duas rondas, levou a melhor, com o caminho amaciado pelo fracasso da Itália. No primeiro play-off, Portugal superou a Turquia por 3-1, mas chegou a ver as coisas complicadas antes de Yilmaz falhar um penálti a cinco minutos do fim que significaria o empate. Depois dessa vitória no Estádio do Dragão, seguiu-se a Macedónia do Norte, que se tinha encarregado de eliminar a Itália na ronda anterior. Um bis de Bruno Fernandes selou a natural vitória de Portugal, que garantia assim a sexta presença consecutiva em Mundiais, a oitava em absoluto. E prolongava uma série de 12 presenças consecutivas em fases finais de grandes competições desde o Euro 2000, algo que apenas outras três seleções fizeram: Alemanha, Espanha e França.

Houve seleções relevantes a ficar de fora?

Sim. A começar pela Itália. Estamos a falar da seleção que já venceu quatro Campeonatos do Mundo, tantos como a Alemanha e atrás apenas do Brasil no palmarés do Mundial. E da campeã europeia em título. A «squadra azzurra» foi segunda no seu grupo, atrás da Suíça, mas o impensável aconteceu a seguir, quando perdeu com a Macedónia do Norte na primeira ronda do play-off. Menos de um ano depois de festejar a conquista do Euro 2020, a Itália chorou o adeus ao segundo Mundial consecutivo: já tinha falhado a presença em 2018, o que aconteceu então pela primeira vez em 60 anos. A Itália é o único anterior campeão do mundo a falhar a presença no Qatar. Na Europa, outra das seleções com algum estatuto a ficar pelo caminho foi a Suécia, uma das dez equipas europeias com mais presenças em Mundiais, eliminada no play-off final pela Polónia. Mas há mais seleções com pergaminhos que falharam a presença no Mundial 2022. Na América do Sul, também fica de fora o Chile, que teve uma época de primazia no continente, vencendo a Copa América em 2014 e 2016, mas terminou esta qualificação no sétimo lugar e falha o Mundial pela segunda vez consecutiva. E ainda a Colômbia, que esteve nos dois últimos Mundiais mas desta vez nem ao play-off final chegou. A Conmebol terá apenas quatro representantes – o Peru perdeu o play-off intercontinental com a Austrália, com o Equador a juntar-se às potências do continente: Brasil, Argentina e Uruguai, que fez uma qualificação mais tremida mas foi terceio e vai defrontar Portugal na fase final. Também em África houve baixas de peso. A ronda final para apurar as cinco seleções do continente deixou pelo caminho a Nigéria, que jogou os últimos três Mundiais e foi eliminada pelo Gana, bem como a Argélia, afastada pelos Camarões, e o Egito, então orientado por Carlos Queiroz, que perdeu com o Senegal.

E há alguma estreia?

Há só uma, o Qatar. O anfitrião do Mundial nunca antes tinha estado nem perto de uma fase final. Mas o país que organiza a competição é o único com direito a apuramento direto e cá está o Qatar. Durante muito tempo o campeão do mundo em título também tinha esse privilégio, mas a partir de 2006 passou a ter de passar também pela qualificação. De resto, todas as seleções presentes já jogaram fases finais. Algumas delas estão de volta ao fim de muito tempo. Gales não jogava um Mundial desde 1958, portanto há 64 anos, mas desta vez Gareth Bale e companhia juntam-se à festa. Também o Canadá do portista Stephen Eustáquio vai jogar apenas o segundo Mundial da sua história, depois de uma única presença em 1986. O Qatar vai tornar-se a 80ª seleção a jogar num Campeonato do Mundo.

Quais foram as melhores seleções na corrida ao Mundial?

Na Europa, Alemanha e Dinamarca dividem o melhor registo na qualificação. Ambas terminaram com 27 pontos em 10 jogos, correspondentes a nove vitórias e uma derrota. França, Bélgica, Suíça, Sérvia e Inglaterra apuraram-se diretamente sem terem sofrido qualquer derrota, enquanto Países Baixos e Croácia foram os outros vencedores de grupo. Houve outra seleção que terminou sem derrotas, no segundo lugar: a Ucrânia, que venceu na Escócia na primeira ronda do play-off, já depois de o país ter sido invadido pela Rússia, mas caiu frente a Gales no jogo decisivo. A Inglaterra foi a seleção mais goleadora, com 39 golos apontados, incluindo uma vitória por 10-0 a fechar, frente a San Marino, com um póquer de Harry Kane que fez do avançado melhor marcador da zona europeia, com 12 golos. Na América do Sul, Brasil e Argentina não deram hipótese. O escrete terminou em primeiro, com 14 vitórias e apenas três empates em 17 jogos. A Argentina também não perdeu qualquer jogo, tendo 11 vitórias e seis empates. Na Concacaf, o Canadá foi a grande surpresa, terminando na frente da qualificação, em igualdade com o México. Na Ásia, a seleção que somou mais pontos na última fase de apuramento foi o Irão, que no Mundial voltará a ser treinado por Carlos Queiroz. Seguiram-se a Coreia do Sul de Paulo Bento, o outro treinador português que estará no Qatar, bem como a Arábia Saudita e o Japão, todas garantindo o apuramento direto. Em África, Marrocos foi a melhor equipa da fase de grupos, com seis vitórias em outros tantos jogos, tendo também superado a última ronda, em formato de eliminatória, frente à DR Congo, com um agregado de 5-2.

E quem são os favoritos para o Mundial 2022?

Bom, certezas não há. Mas há apostas sólidas, numa análise que pondere a qualidade, a estabilidade e o histórico das seleções. Na frente da lista de candidatos permanentes está o Brasil, não apenas pelo estatuto – é a única seleção pentacampeã do mundo, a única que esteve em todas as fases finais -, mas também pela qualidade e pelo momento de maturidade de uma equipa experiente e com orientação estável, sob o comando de Tite, há vários anos. Depois há a França, campeã do mundo em título e também com uma base sólida, apesar de algumas ausências de peso por lesão, já lá vamos. Mas para isso os «Bleus» têm de superar a «maldição» do campeão, que eles próprios inauguraram: desde 2002, só por uma vez o detentor do título passou a primeira fase do Mundial. Conseguiu-o o Brasil, em 2006. Na lista de suspeitos do costume tem de estar também a quatro vezes campeã do mundo Alemanha, a equipa com mais presenças em finais, ainda que a «Mannschaft» - lá está – tenha caído com estrondo na primeira fase do Mundial 2018 e tenha feito uma fase final do Euro 2020 discreta – tal como a França, ambas eliminadas nos oitavos de final. O quarteto completa-se com a Argentina, bicampeã e finalista em 2014, uma das quatro seleções com maior pedigree de Mundial, atual campeã da Copa América e com uma equipa que mistura juventude e experiência, liderada por Lionel Messi, naquele que deve ser o seu último Mundial. O astro argentino não incluiu a sua seleção na lista, quando lhe perguntaram há um mês sobre os favoritos, mas a «albiceleste» tem ambições altas. É por exemplo, aparentemente, a aposta de Pep Guardiola. Julian Alvarez, avançado argentino do Manchester City, revelou há umas semanas que numa conversa no balneário o treinador catalão tinha apostado na Argentina como a seleção com mais hipóteses de ser campeã do mundo. Depois há a Inglaterra, a construir há anos um projeto bem mais consistente do que no passado, semifinalista em 2018 e finalista do Euro 2020, e uma Espanha em reconstrução e crescimento, à frente de uma linha de seleções com aspirações onde se pode incluir também Portugal, pelo potencial de qualidade, ou ainda a Bélgica, na última oportunidade de uma geração de ouro dos «Red Devils», os Países Baixos, a Croácia ou a Dinamarca. A piada disto é que as previsões podem sair furadas e bons projetos de equipas, com a combinação certa de sorte e consistência, podem chegar longe. E os favoritos podem vacilar. A história do Mundial está cheia de exemplos assim. O que não será de todo previsível é que seja este o Mundial em que se quebra a hegemonia da Europa e da América do Sul, de onde vieram todos os campeões do mundo e todos os finalistas até hoje. A Europa ganhou vantagem nesse duelo neste século – venceu as quatro últimas edições e lidera a lista de triunfos com 12, contra nove da América do Sul. Mas este é um Mundial que decorre num tempo e num ambiente bem diferente dos anteriores. A localização não é de todo indiferente. A história, que pesa sempre numa competição como o Mundial, diz-nos que as seleções europeias se dão tradicionalmente pior longe do Velho Continente. A Espanha, em 2010, foi a primeira seleção europeia campeã do mundo noutro continente, vencendo na África do Sul.

Para acrescentar outro indicador, fica aqui o atual ranking FIFA das 32 seleções que estarão no Mundial, liderado pelo Brasil e com Portugal, nono em absoluto, na oitava posição.

Que estrelas vão falhar o Mundial?

Muitas. Antes de um Campeonato do Mundo que se realiza em plena temporada de competição na Europa e sem período de paragem entre o final das competições de clubes e o arranque da prova, as lesões têm-se sucedido, muitas delas impedindo os jogadores de recuperarem a tempo da viagem para o Qatar. Começando por Portugal, a seleção não pode contar com Diogo Jota e Pedro Neto, enquanto Pepe está há muito limitado em termos físicos, mas entrou na lista final. Além das baixas confirmadas há ainda dúvidas muito relevantes, entre elas Sadio Mané, a contas com uma lesão no perónio. Uma eventual ausência do jogador do Bayern Munique representaria talvez a maior baixa individual numa seleção, pelo peso de Mané no Senegal. Entre as baixas confirmadas, a França é de resto a seleção mais afetada, depois de ter perdido NGolo Kanté e Pogba, figuras centrais do meio-campo gaulês. Na Alemanha também há baixas de relevo, que incluem o avançado Timo Werner e o médio Marco Reus. O capitão do Dortmund, que já tinha falhado o Mundial 2014 por lesão, não recuperou a tempo de integrar a convocatória final. O México não terá o ex-portista Jesus Corona, nem muito provavelmente o ex-benfiquista Raul Jimenez, enquanto a Argentina tem Paulo Dybala em dúvida, quando Di María, que também esteve limitado fisicamente, já voltou à competição. Nos Países Baixos, Wijnaldum é baixa confirmada mas há também várias questões que se prendem com lesões, envolvendo nomeadamente o avançado Memphis Depay e o central De Ligt. Para lá das lesões, há vários craques que vão assistir ao Mundial pela televisão, por as suas seleções não se terem qualificado. Além dos jogadores italianos, a lista é liderada pelo fenómeno goleador Erling Haaland, que não conseguiu o apuramento com a Noruega. Com ele, também fica de fora o compatriota Martin Odegaard. Mo Salah, a estrela do Liverpool, é outro dos grandes ausentes, depois de o Egito ter falhado a qualificação. Tal como Zlatan Ibrahimovic, que aos 40 anos ainda voltou para tentar levar a Suécia ao Mundial, mas ficou pelo play-off.

Quem são os jogadores já convocados?

O prazo limite para apresentação das listas de convocados é 14 de novembro, mas várias seleções já divulgaram as listas finais, incluindo Portugal. Listas essas que, tal como já tinha acontecido no Euro 2020, podem ser alargadas a 26 jogadores. Para já, há muitas caras novas a alimentar expectativas. Desde logo na seleção nacional, com a presença por exemplo de António Silva, uma estreia absoluta, ou de Gonçalo Ramos. Mas também na Alemanha, onde Hansi Flick chamou dois jogadores que nunca representaram a «Mannschaft», um deles a promessa Youssofa Moukoko. Gareth Southgate, o selecionador inglês, também surpreendeu, chamando James Maddison e Callum Wilson, dois jogadores que não estavam há muito na órbita da seleção mas estão em destaque esta época, mas também Kalvin Phillips, que praticamente não jogou esta época, por motivos físicos. Didier Deschamps, o selecionador francês, surpreendeu sobretudo pelo facto de ter optado por levar apenas 25 jogadores. Pode conferir aqui as listas finais das 32 seleções, à medida que forem divulgadas.

Que recordes podem ser batidos no Qatar?

Cristiano Ronaldo pode atingir uma marca incrível. Se marcar um golo no Qatar, torna-se o único jogador a marcar em cinco fases finais. Quanto ao total de golos, entre os jogadores que estarão no Mundial 2022 a lista é liderada por Thomas Muller, que soma 10 golos. Seguem-se Luis Suarez e Cristiano Ronaldo, ambos com sete, e depois Messi, com seis. O recorde absoluto é do alemão Miroslav Klose, com 16. Cristiano Ronaldo e Lionel Messi também vão juntar-se ao grupo restrito de jogadores que atuaram em cinco mundiais, que integra nesta altura o alemão Lothar Matthaus, os mexicanos Carbajal e Rafa Marquez e o italiano Gianluigi Buffon. O recorde de jogos está ao alcance de Messi, que tem 19 partidas em Mundiais e está a seis do recorde de Matthaus. Cristiano Ronaldo, com 17 jogos, não pode alcançar essa marca de 25 jogos, mesmo que Portugal chegue à final. Em termos coletivos, o Mundial tem duas seleções que estão num patamar superior, o Brasil e a Alemanha. Nesta altura, as duas equipas estão empatadas no total de jogos disputados em Mundiais: 109, um número incrível se tivermos em conta que a terceira seleção da lista, a Itália, tem 81. E que Portugal, apesar de todas as presenças nas últimas décadas, soma 30. Portanto, dependendo do que fizerem, Brasil ou Alemanha podem isolar-se na frente. Quanto a vitórias, o Brasil não só tem mais títulos como mais triunfos: venceu 73 jogos, contra 67 da Alemanha.

Quando é que começa mesmo o Mundial?

A 20 de novembro, com o Qatar-Equador. No dia seguinte haverá três jogos e a partir daí seguem-se onze dias consecutivos com jornadas de quatro partidas. Não há folga antes do arranque dos oitavos de final, a 3 de dezembro. A primeira paragem só acontece antes dos quartos de final, a 7 e 8 de dezembro. A final está marcada para 18 de dezembro. Portugal, que integra o Grupo H, com Gana, Uruguai e Coreia do Sul, estreia-se a 24 de novembro, frente ao Gana. Está aqui o calendário completo, com jogos, horários e transmissões televisivas.