A história é feita de actos insensatos, como este que agora se conta: um brasileiro quer percorrer 17 mil kms entre Paris e Joanesburgo para ser parte do Mundial 2010. Há sete meses que se fez à estrada, já percorreu mais de metade de África, mas só à saída de Portugal é que foi assaltado. Levaram-lhe quase tudo.
Mas por partes. Antes de mais, o nome: chama-se José Castro, mas assina Zé do Pedal. Habituou-se a viver em cima de uma bicicleta. Estreou-se em Mundiais em 1982, em Espanha, onde chegou também de bicicleta. Em 1985, e durante três anos, deu a volta ao mundo sobre pedais. Também por isso a alcunha.
Ora desta vez propôs-se a percorrer 17 mil quilómetros num... kart. Nem chega bem a ser um kart, aliás. Não tem motor. «É uma espécie de carro de crianças», diz. Movido a pedais, claro. «A minha ideia é chamar a atenção para o problema de cataratas e glaucoma nas crianças», diz ao Maisfutebol.
Foi roubado em Portugal...
Fez-se à estrada no dia 10 de Maio, em Paris, quer chegar a Joanesburgo no dia 1 de Junho. Pelo caminho vai atravessar todo o continente africano. Mas só cá é que foi assaltado. «À saída de Vila Real de Santo António fui roubado. Trazia dois mil euros para toda a viagem, levaram-me 1200.»
Ora por isso este fotógrafo e ambientalista vive da boa vontade. «A maior parte das vezes durmo em jardins ou em quintais, dentro da tenda. A alimentação é feita na estrada. Não trago nada comigo. Quando passo pelas aldeias as pessoas dão-me comida. Já comi cobras, macacos, jacarés, um pouco de tudo», sorri
... sequestrado no Mali...
As aventuras, diz, são quase diárias. A maior aconteceu no Mali. «À saída da Kalaban apanhei um barco, para passar o rio, e fomos sequestrados por raptores nigerianos. Tive de pagar 10 euros para poder sair. Aí senti medo», confessa. Na República Democrática do Congo passou pelo meio de uma guerra civil.
«A embaixada brasileira em Kinshasa ofereceu-me uma escolta para cruzar o país, mas o custo que tinha de pagar era alto e resolvi atravessar os quase 300 quilómetros que separam a capital e Sangololo sozinho», diz. «Mas o pior foi no Saara Sul, à entrada da Mauritânia.» O problema: as minas anti-pessoais.
«O terreno está cheio de minas. É impossível sair da estrada. Passei uma zona onde não encontrei uma casa em 60 kms. Durante dois dias dormi e vivi na estrada. Debaixo de uma temperatura de 41 graus. Fisicamente foi muito complicado. Pior só nos Pirinéus. Demorei dois dias a fazer 16 quilómetros.»
... e até deu o nome a uma criança na Costa do Marfim
E coisas boas? «Também há. A melhor aconteceu na Costa do Marfim. Entrei numa aldeia de rebeldes e pedi a um senhor dormida. Às duas da manhã acordou-me para me dizer que a filha tinha nascido. Ele achou que foi uma dádiva por me ter ajudado. Chamou-a de Josefina em minha homenagem.»
Sete meses de viagem trazem muitas recordações. Zé do Pedal está agora em Luanda, onde chegou com três semanas de atraso. «Tive duas vezes malária desde que entrei em África, no Gana tive de ser hospitalizado dez dias, e tive uma entorse no tornozelo, que me obrigou a parar também. Tudo isso atrasou os meus planos.»
Apesar disso, o brasileiro diz estar bem. «Já passei por dezoito países. Só faltam três, Namíbia, Botswana e África do Sul.» São mais três mil quilómetros. «Daqui até ao fim é só alegria. Dia 1 de Junho estarei na Praça Nélson Mandela, em Joanesburgo. Para apoiar Brasil e Portugal. Vamos juntos passar aos oitavos.»