Está aí o Campeonato do Mundo de râguebi. Exclusivo, especial, a alimentar ilusões a cada quatro anos. Começa nesta sexta-feira a nona edição da competição que junta no Japão 20 selecções, em 12 estádios e 48 jogos, entre 20 de setembro e 2 de novembro. Um mês e meio de manhãs a ver o melhor râguebi do mundo e o guia da MFTotal para o que aí vem é Tomaz Morais, o treinador que em 2007 levou Portugal à única presença da sua história numa fase final. Um dos 25 países que alguma vez lá chegaram.

Quando falamos de Mundial de râguebi falamos da competição que globalizou e profissionalizou o desporto. Demorou a acontecer, demorou a encontrar-se o espaço para uma prova que juntasse as potências tradicionais, da Europa e do hemisfério Sul, a lutar por um título único. A primeira edição foi apenas em 1987. E o impacto foi imediato, diz Tomaz Morais: «Foi logo um enorme sucesso. E a partir daí foi sempre a crescer, com enorme popularidade, sempre com os estádios esgotados.»

Abriu muitas portas ao desporto. Mostrou que havia muito mais potencial para lá dos cenários tradicionais. «O próprio Mundial tornou o râguebi profissional, ajudou a que isso acontecesse. Houve sempre um torneio muito rico que era o Cinco Nações, Seis Nações desde há 20 anos. O primeiro Mundial deu logo a ideia de que era possível crescer, que a procura e a globalização sustentavam o caminho da profissionalização.»

O râguebi evoluiu muito desde então, dentro e fora de campo. «A profissionalização transformou o jogo por completo, tornou-o mais físico. E o râguebi cresceu muito. Trouxe também um conjunto de especialistas associados que fizeram do râguebi pioneiro em muitos aspetos, tanto científico como técnico ou como na arbitragem. Em termos de ciência desportiva, ou com a introdução do vídeo-árbitro», nota Tomaz Morais.

O râguebi tem essa imagem pioneira associada e o treinador explica de onde ela vem: «Como é um jogo muito coletivo, 15 para 15 jogadores, tem muitas ações diferentes, com uma riqueza tática enorme, o que leva a uma abordagem tática muito ampla. E levou a que houvesse essa abertura a todo um conhecimento fora do desporto, em termos científicos e médicos. Com a arbitragem também, a partir do momento em que o jogo se tornou mais físico, mais bem jogado, também começaram a ter maior impacto os erros, daí a introdução do vídeoárbitro.»

E o Mundial continuou a crescer, a escrever história de quatro em quatro anos. Com os protagonistas de sempre. À cabeça a Nova Zelândia, tricampeã do mundo, a eterna potência do râguebi. Os All Blacks venceram em casa na estreia, em 1987, e ganharam as duas últimas edições. Austrália e África do Sul são os outros países com dois triunfos e a Inglaterra foi até hoje a única seleção do hemisfério norte a quebrar a hegemonia do sul, com o triunfo de 2003.

Para lá das vitórias, o Mundial de râguebi fez-se de grandes momentos.

O fenómeno Jonah Lomu a espantar o mundo em 1995

O profundamente simbólico triunfo da África do Sul pós-apartheid

Ou o pontapé de Jonny Wilkinson para o título da Inglaterra em 2003

Os suspeitos do costume

Agora a ilusão renova-se, para uma edição que foge pela primeira vez aos cenários tradicionais. Vai jogar-se no Japão, um destino que está longe de ser dos primeiros a que se associa o râguebi. Mas é uma escolha promissora, diz Tomaz Morais. «O Japão tem o râguebi muito desenvolvido internamente há muitos anos. Preparou-se logo cedo para tornar o desporto muito profissional. Ligou-se a empresas, os clubes são de empresas. E com isso conseguiu crescer e ganhar dimensão ao fim de muitos anos. Ganhou à África do Sul no Mundial passado, é um dos países com um crescimento que ajudou toda a perspetiva do jogo. O Japão, que será também o anfitrião dos Jogos Olímpicos no próximo ano, promete estar à altura. «Até pela qualidade organizativa que já vem demonstrando, mostrou que podia fazer um ótimo acolhimento para o Mundial. E muitos observadores dizem que este pode vir a ser o melhor Mundial em muitos aspetos: assistências, bilhetes, impacto.»

O Japão vai ser durante mais de um mês o centro do mundo do râguebi, numa competição que volta a juntar as melhores seleções do planeta. O processo de qualificação preserva desde logo essa continuidade, ao garantir automaticamente a presença no Mundial seguinte aos três primeiros classificados de cada um dos grupos. Depois disso, restam apenas oito vagas de qualificação.

«Os melhores do mundo estão lá. Não há surpresas. No râguebi de 15 é muito difícil um país crescer muito, são muitos anos até conseguir subir de patamar», diz Tomaz Morais: «Daí que se fale muito de um alargamento do Mundial, com um aumento do nível global. Pode não ter efeitos na luta pelo título, mas pode levar novos protagonistas aos grupos e mudar um pouco o panorama no apuramento para os quartos de final.»

Não há nenhuma seleção estreante no Mundial 2019 e a ausência de maior relevo é da Roménia, que participou em todas as anteriores edições, mas ficou de fora depois de uma decisão de secretaria, por utilização irregular de jogadores. E aconteceu aliás o mesmo à Espanha, que seria o adversário de Portugal no play-off de qualificação. A seleção nacional acabou por defrontar a Alemanha e foi eliminada.

Estão os suspeitos e os favoritos do costume, ainda que um olhar pelo atual ranking mundial possa fazer levantar algumas dúvidas. A Nova Zelândia não é líder, foi destronada ao fim de dez anos por Gales, que venceu este ano o Torneio das Seis Nações. E nesta altura é a Irlanda que parte na frente. Mas não nos iludamos, avisa Tomaz Morais.

«Há um grupo de equipas que chega muito forte ao Mundial, como Gales, que chegou a número 1 do ranking, a Irlanda, a África do Sul, que evoluiu muito recentemente, a Austrália. Podem colocar problemas à Nova Zelândia, que é o grande favorito. Ou seleções como a Inglaterra, França, Escócia, podem causar dissabores», diz o treinador.

A Nova Zelândia foi apenas terceira neste verão no Rugby Championship, antigo Três Nações, que junta ainda a África do Sul, vencedora desta edição de 2019, a Austrália e a Argentina. Tomaz Morais contextualiza: «A Nova Zelândia perdeu dois, três jogos. Mas não é sinal de uma Nova Zelândia menos forte. Há uma renovação e aproveitou esta última competição para fazer algumas experiências. Agora, não há qualquer possibilidade de a Nova Zelândia não apresentar a melhor equipa no Mundial. É favorita, sem dúvida. Sempre.»

As 20 seleções que jogam a fase final do Mundial 2019 estão divididas em quatro grupos e as duas primeiras de cada um apuram-se para os quartos de final. São estes os grupos:

Portugal: memórias de 2007 e a peladinha com os All Blacks

Falar de Mundial de râguebi é também recordar o ponto mais alto da história do râguebi português. 2007, França. O mês que os «Lobos» passaram entre os melhores do mundo.

A cada Campeonato do Mundo essas memórias reavivam-se para Tomaz Morais. «Foi um grande momento, que nos obrigou a todos a trabalhar muito, com muita dedicação, muito sacrifício», recorda o então selecionador: «Sobretudo ao nível do treino trabalhámos muito bem. Subiu-se muito o nível. Depois, tudo o que ficou a seguir, o râguebi tornar-se mais conhecido em Portugal, ter mais praticantes, ter valorizado o jogo.»

Até hoje, só 25 países jogaram um Mundial de râguebi. E Portugal foi um deles. «Jogar um Mundial para um país como Portugal é sempre um feito extraordinário. Não é uma obrigação», diz Tomaz Morais. O que nos leva à conversa sobre o caminho que Portugal ainda não conseguiu percorrer a seguir a 2007.

«Houve depois uma visão estratégica que não foi boa. Em 2011, com melhor equipa em termos de qualidade, havia muita pressão, muita vontade de um segundo apuramento. Se calhar a equipa até jogava melhor que a de 2007, mas não soube sacudir a pressão no momento certo», defende o antigo selecionador: «Também não é uma obrigação. Em Portugal o râguebi sénior é essencialmente amador. Ao não ter dado o passo para a profissionalização, Portugal não fica mais perto.»

«Há um gap grande na passagem para o escalão sénior», continua Tomaz Morais: «É possível encontrar um bom conjunto de atletas e nesta altura Portugal tem um misto de três gerações de alta qualidade. Tanto é que tem sido claro finalista do Mundial B. Mas depois a passagem para o râguebi sénior complica tudo. Os jogadores em Portugal aos 23 anos são obrigados a deixar a modalidade, quando têm de passar a optar pela profissão. O râguebi exige muito, treinos duas vezes por dia, um trabalho físico acima de qualquer outro em termos coletivos.»

Há 12 anos, Portugal trabalhou muito para o Mundial. «Com muita ginástica», sorri Tomaz Morais: «Fazíamos dois treinos por dia, de manhã e às vezes à hora de almoço, em função do cansaço e da disponibilidade dos jogadores, com uma flexibilidade enorme. Depois fazíamos um treino coletivo ao fim do dia, que em termos de horário biológico é o pior, porque o corpo já está desgastado.»

Os «Lobos», a única seleção amadora naquele Mundial, saborearam cada momento daquele mês em França. Na hora de recordar aquele que mais o marcou, Tomaz Morais hesita, mas foca-se no dia da estreia, quando a equipa foi acompanhada na estrada por um cordão humano de adeptos portugueses. «O mais impactante foi o momento da estreia num Mundial, o jogo com a Escócia, todo o entusiasmo à volta da equipa, entre o hotel e o estádio.»

A alma com que os «Lobos» cantaram o hino, já no relvado, é a melhor síntese da energia desse momento

Portugal, que perdeu os quatro jogos, ficou no grupo da Nova Zelândia. O frente a frente com os All Blacks terminou numa derrota muito pesada (108-13), um dos resultados mais desnivelados do Mundial. Mas foi muito para lá disso. Em campo, os «Lobos» soçobraram depois de vinte minutos de resistência, mas ainda conseguiram cumprir um objetivo, marcar um ensaio aos All Blacks. E fora dele marcaram muitos pontos.

No fim do jogo houve confraternização no balneário. Aquilo a que no râguebi se chama terceiro tempo, uma prática que vai perdendo espaço no râguebi moderno. E houve… futebol. Os jogadores portugueses convidaram os rivais para uma peladinha e eles alinharam.

«É habitual depois dos jogos os não convocados ou não utilizados fazerem trabalho físico. E foi nessa perspetiva que surgiu a ideia. Ficámos a saber que jogam tão bem como nós. Mas ganhámos. Tinha de ser», sorri Tomaz Morais, que não participou desse momento, porque estava na conferência de imprensa. «Mais interessante ainda foi o convívio entre equipas. Esse foi o Mundial em que acabaram os jantares entre as seleções, o chamado terceiro tempo. Mas nós convidámo-los para um momento de convívio no balneário e eles aceitaram. Alguns deles pagos a peso de ouro, ali lado a lado a confraternizar connosco, com imensa humildade. Foi marcante.»

Calendário do Mundial de râguebi

Fase de grupos

Grupo A

20 setembro: Japão-Rússia, 11h45 (Tóquio)

22 setembro: Irlanda-Escócia, 08h45 (Yokohama)

24 setembro: Rússia-Samoa, 11h15 (Kumagaya)

28 setembro: Japão-Irlanda, 08h15 (Fukuroi)

30 setembro: Escócia-Samoa, 11h15 (Kobe)

3 outubro: Irlanda-Rússia, 11h15 (Kobe)

5 outubro: Japão-Samoa, 11h30 (Toyota)

9 outubro: Escócia-Rússia, 08h15 (Fukuroi)

12 outubro: Irlanda-Samoa, 11h45 (Fukuoka)

13 outubro: Japão-Escócia, 11h45 (Yokohama)

Grupo B

21 setembro: Nova Zelândia-África do Sul, 10h45 (Yokohama)

22 setembro: Itália-Namíbia, 06h15 (Higashiosaka)

26 setembro: Itália-Canadá, 08h45 (Fukuoka)

28 setembro: África do Sul-Namíbia, 10h45 (Toyota)

2 outubro: Nova Zelândia-Canadá, 11h15 (Oita)

4 outubro: África do Sul-Itália, 10h45 (Fukuroi)

6 outubro: Nova Zelândia-Namíbia, 05h45 (Tóquio)

8 outubro: África do Sul-Canadá, 11h15 (Kobe)

12 outubro: Nova Zelândia-Itália, 05h45 (Toyota)

13 outubro: Namíbia-Canadá, 04h15 (Kamaishi)

Grupo C

21 setembro: França-Argentina, 08h15 (Tóquio)

22 setembro: Inglaterra-Tonga, 11h15 (Sapporo)

26 setembro: Inglaterra-Estados Unidos, 11h45 (Kobe)

28 setembro: Argentina-Tonga, 05h45 (Higashiosaka)

2 outubro: França-Estados Unidos, 08h45 (Fukuoka)

5 outubro: Inglaterra-Argentina, 09h00 (Tóquio)

6 outubro: França-Tonga, 08h45 (Kumamoto)

9 outubro: Argentina-Estados Unidos, 05h45 (Kumagaya)

12 outubro: Inglaterra-França, 09h15 (Yokohama)

13 outubro: Estados Unidos-Tonga, 06h45 (Higashiosaka)

Grupo D

21 setembro: Austrália-Fiji, 05h45 (Sapporo)

23 setembro: País de Gales-Geórgia, 11h45 (Toyota)

25 setembro: Fiji-Uruguai, 06h15 (Kamaishi)

29 setembro: Geórgia-Uruguai, 06h15 (Kumagaya)

29 setembro: Austrália-Pais de Gales, 08h45 (Tóquio)

3 outubro: Geórgia-Fiji, 06h15 (Higashiosaka)

5 outubro: Austrália-Uruguai, 06h15 (Oita)

9 outubro: País de Gales-Fiji, 10h45 (Oita)

11 outubro: Austrália-Geórgia, 11h15 (Fukuroi)

13 outubro: País de Gales-Uruguai, 09h15 (Kumamoto)

Quartos de final

19 outubro, QF1: 1º Grupo C-2º Grupo D, 08h15 (Oita)

19 outubro, QF2: 1º Grupo B-2º Grupo A, 11h15 (Tóquio)

20 outubro, QF3: 1º Grupo D-2º Grupo C, 08h15 (Oita)

20 outubro, QF4: 1º Grupo A-2º Grupo B, 11h15 (Tóquio)

Meias-finais

26 outubro: Vencedor QF1-Vencedor QF2, 08h15 (Yokohama)

27 outubro: Vencedor QF3-Vencedor QF4, 11h15 (Yokohama)

Jogo 3º e 4º lugares

1 novembro, 09h00 (Tóquio)

Final

2 novembro, 09h00 (Yokohama)