Quando esteve em Portugal em setembro para apitar o Sp. Braga-Midtjylland (3-1) da fase de grupos da Liga Europa, Stéphanie Frappart já tinha uma longa experiência em campo, também a dirigir jogos de equipas masculinas. Mas até chegar aqui a árbitra francesa desbravou muito caminho, e continua a ser um caso raro. É uma pioneira, como são todas as árbitras que estarão no Qatar. Pela primeira vez haverá mulheres a apitar no Campeonato do Mundo: seis entre 129 juízes, três como árbitros principais e três como assistentes.

Frappart tem 38 anos e está há muito habituada a ser notícia, por ser frequentemente a primeira a alcançar um novo marco na arbitragem. Antes dela, poucas conseguiram quebrar a barreira para o futebol masculino de topo. Os exemplos mais notórios são a suíça Nicole Petignat, que em 2003 se tornou a primeira a apitar um jogo das pré-eliminatórias da Taça UEFA, e a alemã Bibiana Steinhaus, que apitou na Bundesliga entre 2017 e 2019.

Stéphanie Frappart foi mais longe, ela que se focou na arbitragem a partir dos 13 anos, depois de ter começado por jogar futebol no AS Herblay, clube da região de Paris. «Queria conhecer melhor as leis do jogo, então comecei a arbitrar», contou ao Le Point. Foi subindo patamares, apitando nas principais competições de futebol feminino e chegando depois às provas masculinas. Em 2014 foi a primeira a apitar um jogo da II Liga francesa e cinco anos depois chegava, em vagas sucessivas, uma série de nomeações inéditas. Em 2019 tornou-se a primeira a apitar um jogo da Ligue 1 e no final desse verão, depois de ter dirigido a final do Campeonato do Mundo feminino, foi designada para apitar a Supertaça Europeia entre Liverpool e Chelsea.

Seguiram-se várias outras estreias: em jogos da Liga dos Campeões, em jogos de qualificação para o Mundial e também na nomeação, como quarto árbitro, para o Euro 2020. E ainda agora, na nomeação para a final da Taça de França. Aos 38 anos, Frappart é hoje a única mulher no quadro de árbitros profissionais da Liga francesa e diz que não se foca muito no facto de ser pioneira, mas que fica feliz se isso inspirar outras mulheres. Reconhecida pela calma e autoridade em campo, também diz que não é diferente, na essência, apitar jogos de homens e de mulheres. «A principal questão tem a ver com a alta competição, quando está muito em jogo e há atenção mediática», disse numa entrevista à revista Marie Claire.

Frappart é a mais mediática das árbitras selecionadas para o Mundial, mas não está sozinha. Yoshimi Yamashita, de 36 anos, será a única representante do Japão no quadro de árbitros do Qatar. Também ela já tem a sua conta de «primeiras vezes». Nomeada para o Mundial feminino de 2019 e para o torneio olímpico de 2020, a primeira nomeação de relevo para um jogo masculino aconteceu também em 2019, quando apitou uma partida da AFC Cup, a segunda competição de clubes da Ásia.

Já este ano, foi também a primeira a apitar na Liga dos Campeões asiática e para isso passou pelos mesmos testes físicos e técnicos que todos os outros árbitros. Confessou que estava nervosa antes de entrar em campo no jogo entre o Melbourne City e o Jeonnam Dragons, que os australianos venceram. «Senti mais pressão do que o normal antes do jogo», disse ao site da FIFA: «Tinha noção da responsabilidade de tentar dar o meu melhor e fazer bem o trabalho. Foi um jogo que abriu um novo caminho para as mulheres na arbitragem.»

A terceira árbitra principal nomeada é Salima Mukansanga. Tem 35 anos, é natural do Ruanda e quis ser jogadora de basquetebol, antes de se focar no futebol e na arbitragem. Fez um longo percurso até chegar ao ponto mais alto da sua carreira, no início deste ano. A 18 de janeiro, apitou o Guiné Conacri-Zimbabue da última jornada da fase de grupos da Taça das Nações Africanas. A pressão era grande, numa prova que já tinha ficado marcada por vários erros de arbitragem, incluindo o momento caricato protagonizado pelo zambiano Janny Sikazwe, que por duas vezes apitou antes do tempo para o final do jogo entre Mali e Tunísia. Sikazwe está aliás na lista de árbitro nomeados pela FIFA para o Qatar.

Mukansanga contou à DW Sports o que representou apitar na CAN. «Depois do jogo foi muito emotivo e chorei no balneário. Estava muito, muito feliz e entusiasmada porque o meu sonho tinha-se tornado realidade», disse, assumindo de bom grado o papel de exemplo: «Alguns países ainda não permitem mulheres e raparigas no futebol. Dizem que não é para meninas. Este é o momento de lhes dar uma oportunidade e apoiá-las. Eu sou mulher, estou pronta e sou capaz, porque trabalhei muito pela minha carreira.»

A Mukansanga, Yamashita e Frappart vão juntar-se no Qatar mais três mulheres, nomeadas como árbitras assistentes: a brasileira Neuza Back, a mexicana Karen Díaz e a norte-americana Kathryn Nesbitt.

Foram escolhidas para estar onde qualquer árbitro ambiciona pela qualidade, disse Pierluigi Collina. «É a qualidade que conta para nós, e não o género», afirmou o responsável da arbitragem da FIFA, desejando que isto que agora é notícia um dia se torne banal: «Espero que no futuro a seleção de árbitras de elite para competições masculinas importantes seja vista como algo normal e já não como sensacional.»