Enquanto se escreve nova história no Qatar, o Maisfutebol olha para o que está para trás. De 1930 a 2018, um Mundial por dia em pequenas histórias, figuras, números, frases, curiosidades ou o percurso de Portugal. Pistas para recordar do que falamos quando falamos do Campeonato do Mundo.

Suíça 1954

16 junho a 4 de julho de 1954

Campeão: Alemanha (como RFA)

2º lugar: Hungria

3º lugar: Áustria. 4º lugar: Uruguai.

Jogos: 26

Golos: 140 (5,38 por jogo)

Melhor marcador: Sandor Kocsis (Hungria), 11 golos

Portugal

Mais uma vez, a corrida ao Mundial redundava numa humilhação para Portugal. Depois dos 0-9 frente à Espanha para 1934, agora foi a Áustria, a seleção que viria a chegar ao terceiro lugar no Mundial 1954, a arrasar quaisquer expectativas da seleção nacional, num jogo de sentido único em Viena. 9-1 foi o resultado final do desastre no Prater, em setembro de 1953. A eliminatória terminou dois meses mais tarde, quando Portugal se precaveu para se pôr a salvo de nova goleada e saiu do Jamor com um nulo.

O Mundial

A Suíça recebeu um festival de futebol ofensivo, liderado por uma Hungria que maravilhava o mundo, era a grande favorita à vitória e fez justiça às expectativas ao longo do campeonato, mas caiu na final. Ganhou a Alemanha, na altura RFA, de volta ao Mundial depois da exclusão de 1950, num dos maiores choques de sempre. Chamaram-lhe Milagre de Berna.

Além de marcada por novo boicote da Argentina, a qualificação terminou com várias surpresas. Suécia e Espanha, semifinalistas quatro anos antes, falharam o apuramento. A fase final teve 16 seleções e o formato voltou a mudar, com uma primeira fase de grupos em que cada equipa só fazia dois jogos e passavam os dois primeiros.

A Hungria até tinha vencido a Alemanha na primeira fase, um 8-3 que reforçou a confiança e tornou ainda menos previsível o que viria a acontecer. Na verdade, o selecionador Sepp Herberger pôs em campo uma equipa de segundas linhas nesse jogo, sabendo que uma derrota não impediria o apuramento da Alemanha. Além do mais, uma entrada de Liebrich deixou fora de combate Ferenc Puskas. A estrela da Hungria só voltaria para a final, já depois de a equipa ter superado o Uruguai numa meia-final também ela memorável (4-2). Puskas voltou ainda longe do seu melhor e na decisão de Berna, num campo muito pesado por causa do mau tempo e mais adverso ao futebol fluido da Hungria, os «Poderosos Magiares» viram o triunfo fugir.

A Final

Alemanha-Hungria, 3-2

Estádio Wankdorf, em Berna

Alemanha - Turek; Kohlmeyer, Posipal, Liebrich, Mai, Fritz Walter, Eckel, Rahn, Morlock, Ottmar Walter e Schäfer. Treinador: Sepp Herberger

Hungria - Grosics - Buzánszky, Lantos, Bozsik - Lóránt, Zakariás - Czibor, Kocsis, Hidegkuti, Puskás (c) e M.Tóth. Treinador: Gusztav Sebes

Golos: Puskas (0-1, 6m), Czibor (0-2, 8m), Morlock (1-2, 10m), Rahn (2-2, 18m), Rahn (3-2, 84m)

Figura

Ferenc Puskas

Boszik, Hidegkuti, Kocsis, Puskas, Czibor. Havia muito talento naquela Hungria, a seleção campeã olímpica, que chegava a Berna do alto de um recorde de 54 jogos sem derrotas e que um ano antes tinha arrasado a Inglaterra com duas vitórias estrondosas, 6-3 em Wembley naquele a que chamaram «Jogo do Século» e depois 7-1 em Budapeste, mostrando um mundo novo, um futebol feito de técnica, mobilidade e frescura física. «Quando atacávamos todos atacavam e quando defendíamos todos defendiam. Fomos os percursores do Futebol Total», resumiu Ferenc Puskas, o capitão e primeira figura da equipa, que tinha magia no pé esquerdo e foi talvez a primeira grande estrela internacional, uma lenda alimentada por golos. Muitos. Na Suíça, a lesão contraída no primeiro jogo frente à Alemanha, que o levou a falhar dois jogos e a jogar debilitado a final, privou o Campeonato do Mundo de ver o melhor de Puskas, mas não beliscou a sua aura. A alcunha de Major Galopante vem da longa ligação ao clube que era a base do sucesso daquela seleção, o Honved Budapeste. Era a equipa do exército húngaro, o que fazia de Puskas militar por inerência. Marcou 84 golos em 85 jogos pela Hungria entre 1945 e 1956, quando abandonou o país na sequência da tentativa de revolução que terminou com uma violenta repressão soviética. Foi suspenso durante dois anos pela FIFA – que muitos anos mais tarde viria a dar o seu nome ao troféu que premeia o melhor golo de cada ano. A carreira de Puskas estava longe de terminar. Em 1958, já com 31 anos, começou uma segunda vida em Espanha, onde se tornou referência eterna do Real Madrid que se fez grande na Europa. Venceu três Taças dos Campeões Europeus, marcou 262 jogos com a camisola branca. Representou a Espanha no Mundial 1962 e só se retirou em 1966, aos 39 anos.

Frase

«Rahn tem de rematar de longe! Rahn remata! Golo! Golo! Golo! Golo!...  Golo da Alemanha! A Alemanha lidera por 3-2! Chamem-me louco, chamem-me maluco!»

Pelo meio destas palavras o narrador alemão Herbert Zimmerman fez uma pausa, a absorver o significado do momento. Seis minutos depois, terminou assim um relato que ficou para a história: «Acabou… Acabooou… Acabooouuu… O jogo acabou!» A super favorita Hungria já vencia por 2-0 aos oito minutos de jogo. A Alemanha reagiu e dez minutos mais tarde tinha igualado a partida. Seguiram-se várias oportunidades e uma exibição para a lenda do guarda-redes alemão, Toni Turek, mas só entrou a bola rematada por Helmut Rahn, o avançado a quem chamavam «Boss» e que bisou naquele dia em Berna. O relato de Zimmerman traduz a emoção de um momento gigante. De um lado a desilusão da Hungria, talvez a melhor equipa de sempre a não vencer o Mundial. Do outro a incredulidade e a felicidade alemãs, num triunfo que não só teve enorme simbolismo para um país em reconstrução e à procura de uma nova identidade depois das Grandes Guerras, como começou a escrever uma história diferente no futebol mundial, assinalando o nascimento daquela que se tornaria uma das grandes potências do jogo.

Número

5.38 golos por jogo

É a incrível média de golos do Mundial da Suíça, um recorde que dificilmente virá a ser batido. Esse Campeonato do Mundo, com 140 golos em 26 jogos, bateu uma série de marcas que perduram até hoje. Os 27 golos que a Hungria marcou representam ainda novo máximo, tal como os 25 golos da Alemanha são recorde para um campeão. Teve também o jogo com mais golos de sempre, 12 num Áustria-Suíça dos quartos de final que terminou 7-5, além de uma vitória por 9-0 da Hungria sobre a Coreia do Sul, diferença recorde que já foi igualada mas não ultrapassada. Os 11 golos de Sandor Kocsis, o melhor marcador de 1954, foram superados quatro anos mais tarde pelo francês Just Fontaine, que apontou 13 golos no Mundial 1958. Essa foi a última edição que teve média superior a três golos por jogo.

Histórias

Na TV, mas pouco

O Mundial 1954 foi o primeiro com transmissão televisiva, mas ela foi ainda muito limitada. Os direitos foram partilhados apenas por oito países europeus, aqueles que tinham condições de emissão instaladas. Portugal, onde a RTP apenas fez a primeira emissão experimental em 1956, ficou de fora. O acordo envolveu a transmissão de nove jogos, acordados entre todos e sem lugar a escolha de cada país. Para alguns jogos, foram apenas transmitidas as segundas partes. Mais tarde, passavam nos cinemas a mais algumas imagens, em resumos consumidos entusiasticamente por adeptos em todo o mundo. A novidade não agradou a todos, havia quem receasse que fosse tirar adeptos aos estádios, mas a televisão tinha vindo para ficar e transformar o futebol.  

A Batalha de Berna

Ao longo dos tempos houve vários jogos de Mundiais marcados pela violência, mas o Hungria-Brasil tem um lugar especial nessas «Batalhas». O clima antes do jogo tinha sido aquecido por discursos inflamados de dirigentes e jornalistas brasileiros, aumentando a pressão sobre a equipa e diabolizando o adversário. O jogo foi intenso e foi aquecendo, até terminar com duas expulsões no Brasil e uma na Hungria. O pior foi depois do apito final. Como sempre, há várias versões da história. Segundo contava muitos anos mais tarde ao portal UOL o lateral Djalma Santos, que jogava ali o primeiro de quatro Mundiais, tudo começou no acesso aos balneários com uma garrafa – de vidro – atirada pelo médico brasileiro a Puskas, que nem sequer tinha jogado. A garrafa acertou no defesa Pinheiro, a quem alguém disse que tinha sido Puskas o autor da agressão. A partir daí o caldo entornou. Jogadores, jornalistas e dirigentes envolveram-se em pancadaria, cuspidelas e outros mimos. Um jornalista rasteirou um polícia, o selecionador brasileiro Zezé Moreira acertou com uma chuteira num ministro húngaro. O Brasil foi para casa a lamber literalmente as feridas e a Hungria seguiu em frente, até à desilusão final.

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