Enquanto se escreve nova história no Qatar, o Maisfutebol olha para o que está para trás. De 1930 a 2018, um Mundial por dia em pequenas histórias, figuras, números, frases, curiosidades ou o percurso de Portugal. Pistas para recordar do que falamos quando falamos do Campeonato do Mundo.

Argentina 1978

1 a 25 junho de 1978

Campeão: Argentina

2º lugar: Países Baixos

3º lugar: Brasil

4º lugar: Itália

Jogos: 38

Golos: 102 (2,68 por jogo)

Melhor marcador: Mario Kempes (Argentina), 6 golos

Portugal

No tempo em que apenas o primeiro de cada grupo garantia bilhete para a fase final, o quadro cedo ficou claro para Portugal, a ter de disputar o lugar com um adversário de peso: a Polónia, terceira no Mundial 1974. O desfecho ficou praticamente definido logo ao primeiro jogo, quando a seleção recebeu a Polónia, nas Antas, no jogo que assinalou a estreia de Bento na baliza, mas que ficou marcado pela baixa de jogadores como Damas ou Humberto Coelho, por essa altura a jogarem em clubes estrangeiros, que não eram obrigados a libertá-los. A Polónia venceu por 2-0, com um bis de Lato. A seleção venceu os quatro jogos com os outros dois adversários do grupo, Dinamarca e Chipre, mas o 1-1 na visita à Polónia selou o desfecho. Portugal voltava a ficar em casa.

O Mundial

O primeiro título da Argentina chegou em casa e os Países Baixos perderam a segunda final consecutiva, no fim de um Mundial marcado por controvérsia em torno de direitos humanos - muitos anos antes do Qatar – e também em campo, num país controlado por uma ditadura militar que não poupou esforços para garantir que tudo corria de acordo com o seu plano.

A qualificação contou pela primeira vez com mais de 100 países, ainda que tenha havido algumas desistências pelo meio, e deixou pelo caminho seleções com estatuto como o Uruguai, a Inglaterra ou a Checoslováquia, então campeã da Europa. Estrearam-se o Irão e a Tunísia, que seria aliás a primeira equipa africana a vencer um jogo num Mundial, quando bateu o México na despedida.

Por outro lado, alguns dos principais candidatos estavam privados das estrelas. A Alemanha já não tinha Franz Beckenbauer, no Mundial que assinalou em contrapartida um recorde para Helmut Schön, o treinador com mais jogos no Campeonato do Mundo. Foram 25 ao longo de quatro Mundiais, o último dos quais a derrota com a Áustria (3-2) a fechar a última fase de grupos de 1978. Os Países Baixos também não tinham Johan Cruyff, que abdicou de jogar o Mundial por motivos familiares – e não por questões políticas, como se pensou durante muito tempo. E outros, como Brasil e França, ainda não tinham atingido a maturidade de seleções para o futuro.

A Argentina tirou partido do fator casa como talvez nenhuma outra seleção, num caminho «alisado» por algumas prerrogativas, como o facto de jogar depois dos adversários. Na decisão da segunda fase de grupos, que determinaria quem chegava à final, entrou em campo a saber que precisava de vencer o Peru por quatro golos de diferença para passar e afastar o Brasil da corrida. Venceu por 6-0, num jogo até hoje envolto em suspeitas e acusações de subornos ao mais alto nível, ainda que nunca comprovadas.

A final do Mundial que ficou para a história também pela imagem dos papelitos que choviam sobre o relvado no Monumental foi tensa, com um ambiente fervilhante nas bancadas e enorme pressão em campo. Começou atrasada e esteve para nem se jogar. A Argentina exigiu que René van der Kerkhof retirasse a proteção que usava na mão, o árbitro acedeu e os Países Baixos ameaçaram abandonar o relvado. O juiz voltou atrás na decisão e jogou-se enfim.

A Final

Argentina-Países Baixos, 3-1

Estádio Monumental, Buenos Aires

Argentina: Fillol; Olguin, Galvan, Passarella, Tarantini; Ardiles (Larossa, 66m), Gallego, Kempes, Bertoni; Luqué, Ortiz (Houseman, 75m). Treinador: César Luis Menotto

Países Baixos: Jongbloed; Poortvliet, Krol, Brandts, Jansen (Suurbier, 73m); Neeskens, Haan, Willy van de Kerkhof, René van de Kerkhof; Rep (Nanninga, 59m), Rensenbrink. Treinador: Ernst Happel

Marcadores: Kempes (1-0, 38m), Nanninga (1-1, 82m), Kempes (2-1, 105m), Bertoni (3-1, 115m)

Figura

Mario Kempes

A Argentina ainda não tinha Diego Maradona, o «Pibe» que já encantava aos 17 anos, mas que Menotti deixou de fora da convocatória final. Mas tinha uma equipa forte, assente na experiência de nomes como Fillol, Passarela, Ardiles ou Mario Kempes, a grande figura desse Mundial. O avançado que já brilhava no Valencia esteve em três Mundiais com a Argentina, de 1974 a 1982, mas foi em 1978 que se fez herói. Demorou, no entanto. Ficou em branco na primeira fase de grupos e foi apenas ao seu 10º jogo no Campeonato do Mundo que se estreou a marcar. A partir daí fez seis golos em quatro jogos, sempre aos pares. Marcou os dois primeiros frente à Polónia, num jogo em que foi protagonista também por ter defendido um remate sobre a linha, em voo e com a mão. Uma bela defesa, fosse ele guarda-redes. Incrivelmente, não foi expulso. O lance valeu penálti contra a Argentina, mas Fillol defendeu. «El Toro» voltou a bisar na goleada ao Peru na segunda fase de grupos. E depois brilhou na final. Inaugurou o marcador aos 38 minutos, apontou no prolongamento o golo que deixou a Argentina em definitivo na rota do título e fez o passe para Bertoni selar o 3-1 final. Foi o melhor marcador do Mundial e foi também eleito melhor jogador, na primeira vez que a FIFA promoveu uma eleição para a distinção, ainda que ela só tenha passado a ser atribuída oficialmente a partir de 1982.

Frase

«São a nossa última esperança. Por favor, ajudem-nos»

Esta é a voz de um Mãe da Plaza de Mayo. Uma de muitas mulheres que desafiaram as autoridades, juntando-se semana a semana a evocar os filhos desaparecidos, para que não caíssem no esquecimento. As atrocidades da ditadura argentina eram conhecidas na Europa. Em França, um movimento chamado COBA apelava ao boicote ao Mundial, com palavras de ordem como esta: «Não ao futebol no meio de campos de concentração.» Várias seleções foram pressionadas a não viajar para a Argentina, entre elas os Países Baixos, mas acabaram por marcar presença. Nada impediu a realização do Mundial, que a junta militar liderada por Jorge Videla usou como arma de propaganda e distração e que seria uma manifestação de dissociação coletiva, com milhões a vibrarem com a festa do futebol, enquanto o regime prosseguia uma perseguição sanguinária a alegados opositores. Um dos campos de detenção ficava a poucas centenas de metros do Estádio Monumental de Buenos Aires, palco da final. Foram milhares de «desaparecidos», estima-se que 30 mil entre 1976 e 1983, quando a junta foi derrubada em eleições. O regime manteve-se até bem para lá do Mundial, apesar de muitos terem aproveitado a competição para denunciar o que se passava no país. Como as Mães da Plaza de Mayo, vozes de desespero aos microfones de equipas de reportagem estrangeiras que cobriam o Mundial.

Número

6 segundos depois da hora

O Brasil-Suécia de abertura do Grupo 3 estava empatado a uma bola à entrada para o último minuto. O escrete ganhou um canto, batido por Nelinho depois de um bate-boca junto à bandeirola com o árbitro assistente. Na área, Zico subiu para receber a bola e cabeceou para golo. Mas não. O árbitro galês Clive Thomas apitou para o fim do jogo quando a bola ia no ar. Tinham passado seis segundos desde os 90 minutos. De nada adiantaram os protestos brasileiros. O golo não valeu. «Vi o cabeceamento, mas não vi a bola entrar. Tinha virado costas. Pela minha parte o jogo tinha acabado. Os brasileiros só se podem culpar a si próprios. Não deviam ter perdido tanto tempo a bater o canto», disse o árbitro após o jogo, em declarações recordadas pelo Guardian. No dia seguinte foi mandado para casa. O empate complicou as contas do Brasil, que ficou a zero com a Espanha no segundo jogo e se apurou graças a uma vitória por 1-0 sobre a Áustria última jornada. Mas o pior estava para vir. Na segunda fase de grupos o Brasil falhou a presença na final por causa da diferença de golos, garantida pela Argentina no tal jogo com o Peru.

Histórias

A inglória obra de arte de Archie Gemmill

A Escócia esteve oito vezes em Mundiais e em nenhuma delas conseguiu passar a fase de grupos. Em 1978 chegava com expectativas altas, numa equipa que tinha nomes como Kenny Dalglish ou Graeme Souness. Começou a correr mal, numa derrota com o Peru. O nulo ao segundo jogo frente ao Irão não foi muito melhor, mas permitiu que a equipa chegasse à última jornada com hipóteses de apuramento. Para isso precisava de vencer a poderosa seleção dos Países Baixos, vice-campeã do mundo, por três golos de diferença. À passagem da meia-hora, um golo de Resenbrink deu vantagem à Laranja. Tudo parecia perdido, mas em cima do intervalo um golo de Dalglish igualou a partida. Logo a abrir a segunda parte, um penálti convertido por Archie Gemmill colocou a Escócia pela primeira vez em vantagem. E depois o baixinho médio do Nottingham Forest de Brian Clough arrancou com a bola, serpenteou entre as pernas dos rivais e inventou um golo fantástico, para a memória dos Mundiais. A Escócia sonhou, mas apenas por três minutos, até Johnny Rep fixar o 3-2 final e deixar o Tartan Army a chorar a vitória mais inglória, no dia em que tocou o céu.

Quando o Kimberley jogou o Mundial

Ao longo dos anos houve vários percalços a envolver equipamentos no Mundial, mas nenhuma imagem ficou para a história como a da França em campo com camisolas de riscas verticais verdes e brancas, sobre o habitual calção azul. Os Bleus confundiram as indicações da FIFA e viajaram para Mar del Plata, onde defrontariam a Hungria a fechar a primeira fase de grupos, com camisolas brancas, iguais às do adversário. As camisolas azuis estavam a 400km de distância e era preciso encontrar uma solução. Foi então que alguém se lembrou de pedir emprestadas as camisolas do Kimberley, um clube local. Ao fim de 40 minutos de atraso, o jogo podia enfim começar, para divertimento dos adeptos argentinos nas bancadas. No fim, festejaram a vitória do Kimberley, por 3-1.

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