Enquanto se escreve nova história no Qatar, o Maisfutebol olha para o que está para trás. De 1930 a 2018, um Mundial por dia em pequenas histórias, figuras, números, frases, curiosidades ou o percurso de Portugal. Pistas para recordar do que falamos quando falamos do Campeonato do Mundo.

EUA 1994

17 junho a 17 julho 1994

Campeão: Brasil

2º lugar: Itália

3º lugar: Suécia. 4º lugar: Bulgária

Jogos: 52

Golos: 141 (2,71 por jogo)

Melhor marcador: Hristo Stoichkov (Bulgária) e Oleg Salenko (Rússia), 6 golos

Portugal

Carlos Queiroz assumiu a seleção AA e foi lançando os jogadores que orientou na conquista de dois Mundiais de sub-20, daquela quem chamaríamos geração de ouro, um processo que tinha sido iniciado com Artur Jorge: Baía, Couto, Paulo Sousa, Figo, João Vieira Pinto, Rui Costa. Era promissor, mas era também ainda um processo em curso. E acabou mal. Depois de um nulo na Escócia a abrir, a derrota em casa com a Itália e o empate na Suíça deixaram Portugal a fazer contas, mas a chegar à reta final com possibilidades de apuramento. Uma vitória sobre a Estónia na penúltima jornada por 3-0 soube a pouco. Com mais um golo, Portugal poderia apurar-se empatando em Itália na ronda final. Assim, precisava de vencer. Em Milão, um jogo tenso foi decidido num golo de Dino Baggio. Portugal perdia e voltava a ficar em terra, para desespero de Carlos Queiroz, que no final do jogo disparou na direção da «porcaria» que era preciso varrer da Federação.

O Mundial

Estiveram mais de 94 mil espectadores no Rose Bowl de Pasadena a assistir à final que deu o tetra ao Brasil, naquele que foi até hoje o Mundial com maiores assistências nos estádios, uma incrível média de 68,991 por jogo e um total de 3,587,538 espectadores, que permanece ainda hoje um recorde. E eram apenas 52 jogos, contra os 64 atuais. O futebol foi muito bem recebido no país que lhe chama «soccer».

Com as vitórias a valerem pela primeira vez três pontos, uma das medidas para tentar promover um futebol mais positivo depois da sensaboria do Itália 90, o Mundial 94 teve a melhor média de golos desde 1982, que também não voltou a ser superada. Teve muito que contar: drama, tragédia e surpresas. A Argentina ficou cedo pelo caminho, eliminada nos oitavos de final depois da triste despedida de Maradona.

Em nova ausência de França, eliminada em choque pela Bulgária de Kostadinov, Stoichkov, Iordanov e companhia, mas também da Inglaterra ou da campeã europeia em título Dinamarca e com a Jugoslávia suspensa por causa da guerra, o Mundial refletiu em campo a nova ordem mundial saída do desagregar da União Soviética e teve a Alemanha de novo unificada. Mas, sobretudo, assistiu à alegre caminhada das gerações de ouro de seleções como a Roménia de Gheorghe Hagi e, sobretudo, Suécia e Bulgária, que atingiram as meias-finais.

No fim, contudo, tudo se decidiu entre dois pesos-pesados, duas seleções tricampeãs à partida para a decisão, numa final bem menos generosa do que o mês de futebol que a antecedeu. Seria a primeira sem golos em 120 minutos.

A final

Brasil-Itália, 0-0 ap (3-2 gp)

Estádio Rosebowl, em Pasadena

Brasil: Taffarel; Jorginho (Cafú, 22m), Aldair, Marcio Santos, Branco, Mazinho, Mauro Silva, Dunga, Zinho (Viola, 106m), Bebeto, Romário. Treinador: Carlos Alberto Parreira

Itália: Pagliuca; Mussi (Apolloni, 34m), Baresi, Maldini, Benarrivo, Berti, Dino Baggio (Evani, 95m), Albertini, Donadoni, Roberto Baggio, Massaro. Treinador: Arrigo Sacchi

Figura

Romário

«Quando eu nasci, papai do céu apontou o dedo para mim e disse: ‘Esse é o cara’.» O cara levou o Brasil ao tetra, o primeiro título mundial do escrete sem Pelé. O Baixinho já tinha estado no Mundial 90, mas chegou a Itália lesionado e fez apenas um jogo. O mundo já se tinha rendido ao talento de Romário, primeiro no PSV e depois no Barcelona. Brilhou na Dream Team de Johan Cruyff na época anterior ao Mundial e passou boa parte da qualificação afastado da seleção, depois de um dos muitos desentendimento que teve com treinadores e com a estrutura da CBF ao longo da carreira. Voltou para marcar dois golos no decisivo jogo de qualificação com o Uruguai, e a partir daí, numa parceria feliz com Bebeto, foi a bandeira da irreverência num Brasil bem menos criativo do que os anteriores campeões. Fez cinco golos na caminhada até ao título: marcou em todos os jogos da fase de grupos, depois fez o primeiro da vitória sobre os Países Baixos nos quartos de final e decidiu a meia-final com um golo à Suécia. De cabeça. Esse foi o último Mundial de Romário, o craque malandro e indomável, mistura explosiva de talento, petulância e instinto goleador. Em 1998, a exclusão do avançado voltou a ser polémica. Lesionado, Romário foi cortado quando já se encontrava em França com a seleção. Em 2002, quando estava de volta ao Vasco da Gama, implorou para que Scolari o levasse, mas Felipão não o incluiu na seleção que conquistou o penta.

Frase

«Goste ou não, vou carregar aquele penálti para sempre»

Mais de 25 anos depois daquela noite, Roberto Baggio refletia assim sobre o momento dramático que decidiu o Mundial 1994. Il Divin Codino, melhor jogador daquela Itália e uma das maiores referências de talento da história da «Azzurra», tinha-se apresentado ao Mundial em 1990 com um golo de génio frente à Checoslováquia. Quatro anos mais tarde, chegou aos Estados Unidos depois de ter vencido a Bola de Ouro em 1993, quando conquistou a Taça UEFA com a Juventus, e levou a Itália até à final. Depois de uma fase de grupos cinzenta – mais uma – a «Azzurra» embalou ao ritmo de Baggio e dos seus cinco golos em três jogos. E chegou a final com o Brasil, que se arrastou até ser decidida nos penáltis, pela primeira vez na história. Depois de falharem Baresi para a Itália e Márcio Santos para o Brasil, Taffarel defendeu o remate de Massaro e Dunga rematou a contar. Coube a Roberto Baggio bater o quinto e decisivo penálti da Itália. E ele rematou por cima. O capitão Baresi também tinha falhado, mas foi sobre Baggio que se abateu todo o peso daquele momento.

Número

5 golos para um recorde

Oleg Salenko representou a URSS – foi o melhor marcador do Mundial sub-20 de Riade, aquele em que Portugal foi campeão do mundo-, depois jogou pela Ucrânia, de onde era natural, e acabou por optar pela Rússia. Tudo indicava que passaria discreto pelo Mundial 1994, tanto mais que a Rússia perdeu os dois primeiros jogos. O então avançado do Logroñes, que se tinha distinguido no Dínamo Kiev, marcara um único golo, na derrota com a Suécia ao segundo jogo. E no entanto aquele jogo com os Camarões deixou dois marcos para a história do Mundial. Salenko marcou um golo, depois outro, mais outro, mais outro e mais outro. Cinco golos num único jogo, recorde absoluto em Mundiais, que chegaram para se sagrar melhor marcador do Mundial 1994, a par da estrela búlgara Hristo Stoichkov. Pelo meio, Roger Milla fez o golo de honra dos Camarões, tornando-se, aos 42 anos, o mais velho de sempre a marcar num Mundial. As duas seleções ficaram por ali e aquele foi o último jogo pela Rússia para Salenko, que prosseguiu uma carreira irregular, com passagens por Valencia, Rangers e pela Turquia.

Histórias

A enfermeira de Maradona

Por aquela altura, Maradona já se tinha enredado numa teia sombria de decadência. Mas não resistiu aos apelos para voltar uma vez mais a vestir a camisola do coração, com a Argentina em apuros na qualificação. No final de 1993 liderou a equipa na vitória no play-off com a Austrália e, depois de meses agitados, estaria mesmo nos Estados Unidos, para jogar aos 33 anos o seu quarto Mundial. Para a história fica a imagem do olhar esgazeado de Maradona a correr para as câmaras depois do golo à Grécia na estreia, mais um grande golo. Mas fica sobretudo a forma como se despediu do Mundial. Ainda festejava a vitória sobre a Nigéria ao segundo jogo, depois de participar nos dois golos, com uma assistência para o bis de Caniggia, quando entrou no relvado uma enfermeira – aparentemente por sugestão do médico argentino – para o levar ao controlo anti-doping. Maradona a sair do campo de mão dada com aquela mulher vestida de branco é a última imagem de El Pibe num Campeonato do Mundo. A análise a Diego acusou positivo, para a substância estimulante efedrina.

Tassotti e Leonardo, cotovelos ao alto

O Mundial 94 fica também marcado por momentos de violência em campo. O mais famoso de todos é a cotovelada do italiano Tassotti a Luis Enrique, que deixou o atual selecionador espanhol a sangrar copiosamente, enquanto o italiano continuava em campo. Tassotti seria sancionado mais tarde com oito jogos de castigo. Luis Enrique não guardou rancor, no entanto. «O meu nariz até ficou melhor», viria a dizer. Mas aquele não foi caso único nesse Mundial. Nos oitavos de final, uma violenta cotovelada do brasileiro Leonardo sobre Tab Ramos provocou uma fratura no crânio ao norte-americano, que teve de ser de imediato conduzido ao hospital. Receberia depois a visita de um arrependido Leonardo, que viu cartão vermelho em campo e seria suspenso por quatro jogos. 

Tassotti e Luis Enrique

Leonardo e Tab Ramos

A morte de Andrés Escobar

Andrés Escobar era referência da defesa de uma seleção da Colômbia que chegara ao Mundial em estilo, depois de uma histórica vitória por 5-0 sobre a Argentina. Era uma personalidade acarinhada na Colômbia, pela qualidade e pela atitude. Chamavam-lhe Caballero. Nos Estados Unidos a equipa não esteve à altura das expectativas. Depois de perder o primeiro jogo com a Roménia, ficou eliminada após nova derrota com os Estados Unidos, que começou num autogolo de Escobar, infeliz na tentativa de aliviar um cruzamento. Dez dias depois, de volta a Medellin, Escobar foi assassinado à porta de um bar. Nunca foram cabalmente esclarecidos os contornos do crime, numa cidade dominada pela violência, meses depois da morte do barão da droga Pablo Escobar. Humberto Castro, que trabalhava para um narcotraficante, foi considerado o autor moral do homicídio e condenado, entre teorias de que o dinheiro perdido em apostas por causa da eliminação da Colômbia teria estado na origem do crime. O funeral de Andrés Escobar reuniu dezenas de milhares de pessoas e a sua memória é evocada até hoje.

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