Há dias assim. Há coisas das quais é impossível fugir. Quando tem de correr mal, corre mesmo. Mesmo que se seja o melhor de todos a fazê-las. Há vezes em que um erro ou um descuido estúpido toma uma proporção tamanha que desfaz aquilo que de mais certo se tem. Nessas ocasiões, nem todos sabem reagir da mesma forma. A incredulidade é tal que quase todas as manifestações de repúdio ou indignação são permitidas, quando se decide tê-las; porque nem todos sabem manter-se no pedestal perante a adversidade, até porque essa queda é amparada por quem está abaixo.
Com Ian Thorpe, não foi bem assim que aconteceu. O maior nadador da actualidade sofreu um forte revés na carreira desportiva. Mas não foi por isso que o australiano baixou a cabeça como os simples mortais. Pelo contrário. O grande campeão manteve a sua altivez de fora-de-série e mostrou como reage o melhor de todos, habituado a ganhar sempre: com a magnitude daqueles que, mesmo perante o que todos consideram uma grande injustiça, não perde a pose e dá o exemplo mais inesperado para aqueles que estavam dispostos a suportar a maior das birras, porque se julgam tão indignados como o protagonista em causa.
Thorpe está fora dos 400 metros livres dos jogos Olímpicos de Atenas. O campeão olímpico e recordista mundial da distância perdeu a hipótese de deliciar o mais comum ao mais fanático adepto com sua categoria nessa especialidade onde é o melhor de todos. Chocante. Perdeu Thorpe. Perderam todos os que gostam do melhor desporto. O australiano fez uma falsa partida nas provas de selecção do seu país para as Olimpíadas e foi desclassificado. Não houve segunda hipótese. Desde 1998 que, de acordo com os regulamentos internacionais, fazer uma falsa partida é tão falso como esta definição: equivale à desclassificação. Ponto final.
Esperava-se um maremoto nas piscinas do complexo olímpico de Sydney. Não aconteceu. O Tsunami da natação mundial saiu calmo e sereno em direcção aos balneários deixando incólume o cenário de que era o centro. O recurso da sua equipa apenas adiou o que foi inadiável. O representante de Thorpe, David Flaskas, revelou que, nos vestiários, o campeão australiano fez questão de conter as emoções. Thorpe não se quis desconcentrar das provas de selecção dos 200 metros livres, na próxima segunda-feira. O ouro nos 400 metros livres ficou inalcançável, mas Thorpe é favorito às medalhas também nos 100 e 200 metros livres e nas três estafetas das referidas distâncias.
O vencedor na prova dos 400 metros livres foi Grant Hackett e nada melhor do que as suas declarações para descrever como o melhor nadador da actualidade pôs um ponto final no episódio que deixa a modalidade em estado de choque: «Fiquei chocado. Pensei Meu Deus! Ele está fora. Não posso acreditar! É horrível. Devia haver uma regra para que fosse autorizada outra partida. Isto é ridículo. Estamos a falar de um dos maiores atletas da história e esta é a sua prova. Ele deve estar muito triste, mas agiu como um verdadeiro desportista. Honestamente, não sei o que teria feito no lugar dele. Ele não atirou cadeiras ao ar nem ficou a mostrar raiva. Foi-se embora tranquilamente.» Mais palavras para quê?