[artigo original publicado a 15 de abril de 2016]
O jornalista Rui Pedro Silva esteve no Staples Center, em Los Angeles, para testemunhar o último jogo de Kobe Bryant e contá-lo para os leitores do Maisfutebol. Se ainda não leu, pode, e deve, fazê-lo aqui.
Mas uma noite como aquela – se tem estado algures noutro planeta, nas últimas 24 horas, sempre lhe dizemos que Kobe Bryant despediu-se do seu público e dos adeptos de todo o mundo marcando 60 pontos e levando os Lakers à vitória – não se esgota na reportagem. Este é o texto da ressaca, escrito por um jornalista que sentiu estar a testemunhar História.
Há momentos na vida em que nos sentimos pequenos comparados com o que estamos a ver. Momentos que nos tiram o fôlego, que fazem com que tenhamos dificuldade para reconhecer em direto, naquele segundo, a dimensão precisa do que nos aparece à frente.
No caso da despedida de Kobe Bryant, o estado de transe demorou horas. Por si só, o último jogo da carreira seria especial mas o jogador conseguiu elevar o patamar em vários níveis. Como se nos sussurrasse ao ouvido "vocês achavam que ia ser bom? Pois eu garanto-vos que será ainda melhor".
Basta pensar que este texto está a ser escrito 12 horas depois do arranque e o tempo de sono continua a escassear. Por mais que tente, a sensação de ter sido testemunha de algo único é transcendente, invade-nos o estado de espírito e faz-nos voltar a cada momento de uma noite inesquecível.
De quando achámos que poderia não ser assim tão bom quando falhou vários lançamentos a abrir, de quando começámos a fazer contas sobre que patamar pontual conseguiria alcançar. De quando torcemos para chegar aos 50 pontos sem sequer ter a noção de que ia a caminho dos 60.
Kobe Bryant fez isso. Deixou-nos pregados ao chão, mas de pé. Com as pernas a tremer mas de pé. No primeiro, no segundo e no terceiro andar do Staples Center. Revendo os vídeos feitos, é impossível não reparar de que quando Kobe converteu o lance livre que lhe deu os 60 pontos, todo o pavilhão estava de pé.
O que o vídeo não mostra é que já estava assim há vários minutos. Dos lugares que custaram milhares de euros na primeira fila aos que custaram 71,50 dólares (já com taxas) lá em cima. É algo que se tornou comum a milhares de pessoas: americanos, franceses, chineses ou japoneses, passando por pelo menos dois portugueses, todos foram para casa com uma sensação indescritível de que tínhamos assistido a um momento verdadeiramente histórico.
A despedida de Guardiola como treinador do Barcelona não foi má e o quase título do Atlético Madrid na penúltima jornada de 2014 deixou-nos com uma sensação de frustração por não termos assistido a uma página de história, mas agora a recompensa chegou.
Será difícil assistir a algo melhor em breve. Os 60 pontos no último jogo da carreira de Kobe Bryant serão vistos como um dos momentos mais marcantes da NBA. Dificilmente não haverá um documentário em breve sobre aquele 13 de abril em que Kobe foi maior do que o mundo com um asterisco para lembrar que foi também nessa data que os Warriors acabaram uma fase regular com 73 vitórias.
Tive a oportunidade de escolher entre os dois. E nas últimas semanas respondi a várias perguntas sobre o destino preferido para estar nesta noite. Nunca tive dúvidas. No final, mais do que o desporto, este é um mundo de pessoas. E das suas histórias. A de Kobe Bryant foi brilhante. E teve um final a condizer.
Conseguir percebê-lo, enquanto durou, como disse o ator Jack Nicholson, só tornou tudo mais especial.