Quando, na próxima madrugada, Kobe Bryant fizer, diante dos Utah Jazz, os últimos lançamentos de uma carreira que abarcou 20 anos de NBA, os olhos do mundo do desporto estarão postos no Staples Center, em Los Angeles. Afinal, não é todos os dias, nem todos os anos – nem sequer todos os dez anos – que se testemunha o final de carreira de um dos melhores basquetebolistas de todos os tempos. E quando o desportista se desdobra, fora dos courts numa personalidade polémica, polarizadora de ódios e afetos, os fãs de desporto são mesmo obrigados a prestar atenção na despedida. Numa altura em que os melhores anos da carreira já passaram há muito, eis algumas das razões por que o adeus de Kobe é universalmente importante, mesmo para quem não é fã, ou não segue regularmente a NBA.

Os números

1345/220- o seu total de jogos na fase regular e nos play-off numa carreira iniciada em 1996. O registo deixa-o no 11º lugar da classificação de todos os tempos, para a temporada regular, e num impressionante 5º, no que diz respeito a jogos de play-off, numa tabela liderada por Derek Fisher (259).

18 anos e 72 dias- a idade que tinha quando se estreou, a 3 novembro de 1996, tornando-se na ocasião o mais novo jogador de sempre a alinhar na NBA. O registo, entretanto batido por Jermaine O’Neal, foi reforçado três meses mais tarde, quando se tornou o mais novo titular de sempre na NBA. Filho de um antigo basquetebolista, Joe Bryant, que jogou profissionalmente na NBA e na Europa até 1992 – Kobe tinha sido escolhido ainda com 17 anos, pelos Charlotte Hornets no draft, após um acordo com os Lakers, que trocaram o consagrado poste Vlade Divac pelo jovem rookie.

Kobe, aqui com 19 anos: já um fenómeno

25.000.000- o salário de Kobe, em dólares, na temporada 2015/16, novamente o mais alto da NBA pelo sexto ano seguido. A isto junta-se uma verba semelhante em patrocínios, apenas superada pelos contratos de LeBron James e Kevin Durant. Mesmo que o rendimento esteja longe dos tempos áureos, a marca continua a ser das mais poderosas no desporto norte-americano.

33.583- O total de pontos na carreira, terceiro melhor de sempre, apenas atrás de Kareem-Abdul Jabbar (38.387) e Karl Malone. A este registo juntam-se os 5.640 pontos em conseguidos em play-off, registo apenas superado por Michael Jordan (5.987) e Kareem Abdul-Jabbar.

81- os pontos que somou na vitória dos Lakers sobre os Toronto Raptors, a 22 de janeiro de 2006, segundo melhor registo de sempre numa partida, apenas superado por Wilt Chamberlain, em 1962.

8/24- os únicos dorsais que envergou nos 20 anos em que representou os LA Lakers – já agora, recorde absoluto de longevidade da NBA numa mesma equipa. Começou com o 8 – já que não podia usar o número preferido, o 33, retirado pela equipa de Los Angeles em tributo a Kareem Abdul-Jabbar – e sagrou-se três vezes campeão, entre 2000 e 2002. Em 2006, porém, decidiu mudar, para pôr fim a uma série de insucessos. Foi já com a 24 que conquistou os outros dois títulos da carreira, em 2009 e 2010.

O mestre e o discípulo

198- a altura, em centímetros, rigorosamente idêntica à de Michael Jordan, o ídolo da juventude, com quem chegou a partilhar os holofotes entre 1997 e 2003. Muitas vezes designado – até por nomes grandes da NBA, como Dirk Nowitzki ou Magic Johnson – como «o Jordan da geração seguinte», Kobe perde no confronto com his Airness em quase todos os items – mas só o facto de a comparação ser possível dá a medida da sua grandeza.

Registos de carreira Michael Jordan Kobe Bryant
Títulos da NBA 6 5
Títulos olímpicos 2 2
All-Star Games 15 18
MVP da temporada 5 1
MVP das finais 6 2
Equipa ideal 10 11
Pontos por jogo 30.1 25
Ressaltos por jogo 6.2 5.2
Assistências por jogo 5.3 4.7
Total de pontos 32.292 33.583
Total de ressaltos 6.672 7.043
Total de assistências 5.633 6.302
% de lançamento 49.7 44.7
% de 3 pontos 32.7 33.0

Como miúdo, a crescer em Itália, só tinha um vídeo para seguir a NBA. Por isso estudava tudo o que podia. Mas quando regressei aos EUA e percebi que não teria mais de dois metros comecei a estudar apenas Michael. Quando cheguei à NBA e comecei a medir-me com ele, descobri que era extremamente aberto a uma relação de mentor, e começou a dar-me uma quantidade incrível de conselhos e pormenores, estratégias, métodos de treino e coisas do género.

(Kobe Bryant, acerca da relação com Michael Jordan)

As controvérsias

É duvidoso que no ultracompetitivo mundo da NBA se possa atingir estatuto de estrela sem dar mostras de um ego descomunal. Mas, mesmo à escala habitual do basquete norte-americano, é indiscutível que Kobe levou muitas vezes longe de mais a sua ânsia de protagonismo. Se o talento é indiscutível, a crítica feita com maior frequência é o de, demasiadas vezes, relegar os interesses da equipa para segundo plano, para impor o seu estatuto.

Foi o que aconteceu, por exemplo, com o fim de uma das mais célebres parcerias da história recente da NBA, quando os sucessivos desentendimentos e as recíprocas ciumeiras pelo maior protagonismo com o ex-amigo Kobe levaram Shaquille O’Neal a forçar a saída dos Lakers para os Miami Heat, em 2004 – com feias trocas de acusações via imprensa pelo meio. A história repetiu-se em 2012, quando os Lakers juntaram Kobe, Pau Gasol e Dwight Howard na tentativa de reconquistar o título perdido em 2011. Mas a incompatibilidade de Kobe com Howard fez com que os resultados ficassem muito aquém das expetativas – e com que Howard trocasse os Lakers pelos Rockets ao fim de apenas um ano.

Kobe e Shaq - tão amigos que eles foram...

A visibilidade do lado comercial de Kobe, quer nas parcerias de vestuário ou de calçado desportivo, quer nas incursões pela música, também o tornaram um alvo fácil para os não convertidos à causa, bem como alguns insultos a colegas de equipa ou árbitros, registados em vídeo ao longo da carreira.

Mas nada manchou tanto a sua reputação como a acusação de violação e assédio sexual de que foi alvo em 2003, quando se preparava para ser operado a um joelho, no Colorado. A queixa, inicialmente apresentada por uma funcionária do hotel onde estava alojado, acabou por ser retirada, graças um entendimento extrajudicial. Kobe sempre negou as acusações, afirmando que o sexo foi consensual, mas a exposição prolongada ao processo e o assumir, entre lágrimas públicas, com a mulher a seu lado, de uma ligação extra-conjugal causaram danos muito prolongados à sua imagem – já para não falar na perda de diversos contratos publicitários. Mas, polémicas à parte, ficam os números, as memórias e as inumeráveis expressões de talento e magia, falando mais alto do que tudo o resto. Esta madrugada, no Staples Center, é uma lenda do basquetebol e do desporto mundial a encerrar a carreira.