As paredes enrugadas do Castelo de São Jorge, a Estufa Fria, o Jardim Zoológico de Lisboa. Manuel Negrete não olvida os recantos «encantadores» que Lisboa lhe ofereceu. Em Portugal ressoava o escândalo de Saltillo, no México o presidente João Rocha contratava o avançado azteca. Chegaria a Alvalade para uma temporada «atormentada»: 21 jogos, cinco golos e uma bagagem cheia de histórias.

«O treinador Manuel José não queria a minha contratação. Isso prejudicou-me», explica ao Maisfutebol. «Depois vieram ainda mais dois: o Keith Burkinshaw, com quem nunca troquei uma palavra, e o Marinho Peres. Esse sim, adorava. Era uma pessoa excelente, comunicador nato. Comecei bem, é verdade, mas a adaptação aos relvados, à mentalidade, ao tipo de futebol foi difícil. Devia ter ficado mais tempo. A plata, uma vez mais, ditou as leis.»

Os lamentos são surpreendentemente actuais. «Aqueles dirigentes do Sporting, madre de Dios», desabafa. «Os meus colegas eram soberbos, mas vi coisas inimagináveis. Nos estágios, por exemplo, ficava sempre na mesa do Manuel Fernandes. Ele era o capitão e por isso no lugar dele havia vinho a dobrar. Eu gostava mais de refrigerantes, mas tinha de beber, claro. Era uma forma de conquistar a simpatia deles.»

«Golos de Deus? O meu e o de Maradona»

Durante o dia, nos tempos livres, Negrete corria Lisboa «de uma ponta à outra». «O Mário, o Zinho e o Silvinho, os brasileiros, moravam comigo na Quinta do Lambert. Era perto do estádio. Passeávamos muito, foram tempos fabulosos. Foi pena o ano ter corrido tão mal desportivamente.»

Correu, de facto. O Sporting acabou o campeonato nacional no quarto lugar, perdeu a final da Taça de Portugal contra o Benfica e foi eliminado pelo Barcelona na segunda ronda da Taça UEFA.

«Nesse ano o Sporting era superior ao Barcelona»

Num annus horribilis pejado de desilusão e instabilidade, há lugar a excepções históricas. Foi precisamente nessa temporada que o Sporting aplicou o déspota 7-1 ao Benfica. «Fiquei no banco de suplentes, ali mesmo ao lado da glória. Fui um espectador priveligiado e atento. No balneário estavam todos loucos. Não há nada melhor do que golear o rival.»

E foi nessa época que o Barcelona de Zubizarreta, Schuster, Carrasco e Lineker sofreu a bom sofrer em Alvalade. «Perdemos 1-0 no Camp Nou e ganhámos 2-1 em casa. Não chegou. Marquei um bom golo, num remate já perto da baliza. Nesse ano o Sporting era superior ao Barcelona. Antes tinha marcado também ao Akranes, da Islândia, numa goleada de 9-0.»

A internet permite a Negrete manter contacto com alguns dos colegas do Sporting. «Oceano, Mário, Fernando Mendes, Duílio, Litos, falo com eles de vez em quando. O Oceano era um poço de força, levava tudo à frente, o Mário tinha um talento enorme. De quem tenho mais saudade? Do Vitor Damas. Grande guarda-redes, grande homem.»

Antes do até breve, uma confidência mais. «Sabe com quem eu jantava muitas vezes? Com o Eusébio, o pantera negra. Falávamos horas a fio sobre futebol. Eu nem me acreditava que estava com um dos meus ídolos à minha frente», confessa o antigo avançado mexicano.

Depois do Sporting, Negrete jogou no Sp. Gijon (Espanha) e em vários clubes mexicanos, até se reformar em 1996 com a camisola do Atlante. Actualmente colabora com a federação mexicana, tem uma fundação de cariz social em San Diego (EUA) e espera voltar a ser treinador principal, depois de algumas experiências «bem conseguidas» no México.

«Vou voltar a Portugal e conhecer o novo Estádio de Alvalade. Prometo.»

O golo de Negrete ao Barcelona: