* com Vítor Hugo Alvarenga

Depois do Adeus
é uma rubrica dedicada à vida de ex-jogadores após o final das carreiras. O que acontece quando penduram as chuteiras? Como passam os dias? O dinheiro ganho ao longo dos anos chega para subsistir? Confira os testemunhos, todos os meses, no Maisfutebol.


Onze inicial do Benfica, 28 de novembro de 1993:

Neno; Abel Silva, Mozer, Nuno Afonso e Veloso; Vítor Paneira, Rui Costa, Schwarz; João Vieira Pinto, Ailton e Yuran.

3-0 ao Belenenses, golos de JVP, Mozer e Paneira. Lá pelo meio, aliás, pela defesa, um menino desconhecido. Ora, repare no central que fez dupla com Carlos Mozer: Nuno Afonso, isso. Tinha 19 anos e um ror de promessas presas ao emblema da águia. Ficaram por cumprir.

Esse foi o primeiro e último jogo de Nuno na equipa principal das águias. Dispensado, passou por Belenenses, Campomaiorense e brilhou no luso-Salamanca, orientado por João luvas pretas Alves.

Esteve no Mundial sub-20 de 1993 e nos Jogos Olímpicos de 1996, contabiliza 90 internacionalizações pelas seleções jovens de Portugal. Por onde anda Nuno Afonso?

20 anos depois, o Maisfutebol encontra-o em Salamanca, de raquete na mão e num campo de padel. É instrutor da modalidade. Já ouviu falar? A nossa conversa começa por aí. O antigo internacional sub-21 fala da disciplina com incontida paixão.

«O padel teve origem no ténis e surgiu no México. Chegou ao sul de Espanha há alguns anos e tornou-se muito popular. É o segundo desporto mais praticado no país, atrás do futebol», explica o ex-futebolista do Benfica, agora já perto dos 40 anos.

Nuno experimentou a modalidade e nunca mais a largou. De praticante passou a instrutor e já possui dois clubes. «É um desporto social, para famílias e mais acessível do que o ténis. Daí este boom em Espanha. Cerca de dez milhões de espanhóis já experimentaram o padel».

Se quiser saber um pouco mais, o próprio Nuno Afonso dá umas dicas importantes neste vídeo:



Voltemos atrás. Estamos em novembro de 1993, o Benfica perde 5-2 em Setúbal. A pressão em redor da equipa treinada por Toni torna-se insuportável. Na jornada seguinte, o Belenenses vai à Luz e as águias perdem um dos centrais titular: Hélder.

Quem joga ao lado do monstro sagrado Carlos Mozer? William é a alternativa natural. Está lesionado. Sobram Jovo Simanic, um gigante sérvio de 1,93 metros, e um ex-júnior. Nuno Afonso, claro. Toni não hesita.

«Tocou-me a mim. Foi um dos dias mais lindos da minha vida. É o meu grande troféu», recorda. Há emoção em cada sílaba. Os sentimentos vão ao fundo da memória e regressam à tona plasmados em recordações vívidas.

NUNO AFONSO: o empresário mau e o sonho perdido nos Jogos Olímpicos


O tempo não se alimenta da nostalgia, é autofágico. Sobrevive de si e por si. Nuno Afonso gosta do que conta, não há remorso ou arrependimento.

«Foi só uma vez, mas vejo esse dia todos os dias. Tenho a foto na garagem (risos)». E o que faltou para ter continuidade? Nuno reflete. «Pus todo o empenho no que fiz e esse jogo até me correu bem. Vencemos e fiz um cruzamento para o golo do Mozer».

«Tento responder a essa questão muitas vezes. Tinha talento e fiz o mais difícil. Fui titular do Benfica com 19 anos». A análise continua em cima da mesa por mais minutos. Nuno Afonso lamenta a saída de Toni com a faixa de campeão, a queda da direção, a entrada de Artur Jorge.



«Mudaram 14/15 jogadores. Eu era um central bom de bola, de recorte fino, e na altura valorizava-se o defesa feio, porco e mau. Cuspir no adversário era normal. Eu não era assim, talvez tenha jogado na época errada», vinca Nuno Afonso, duas décadas depois.

«A geração do Mundial-93 ficou queimada»

Falar do percurso deste antigo central é falar também de Carlos Queiroz e Nelo Vingada. «Foram as pessoas mais importantes da minha carreira, juntamente com os meus pais, que sempre me acompanharam para todo o lado».

A dupla técnica leva Nuno ao Mundial da Austrália, por exemplo. As coisas correm mal. «Portugal era bicampeão mundial e toda a gente pensava que bastava ir lá para ganhar o tri. Tínhamos bons jogadores e ficámos todos marcados por esse torneio».

Não correu bem, nada. Três jogos, três derrotas (Gana, Alemanha e Uruguai), um só golo marcado, por Bambo.

«Tenho orgulho do que fiz pelo país. Eu transfigurava-me, para melhor, com a camisola de Portugal. Sempre tive um prazer imenso. Essa geração ficou queimada, tornou-se reles para a maior parte das pessoas».

Nessa equipa figuravam Costinha, Porfírio, Pedro Henriques, Litos, Poejo e Andrade, por exemplo.

Há voltas e voltas, a carreira de Nuno Afonso deu muitas. Foi a Espanha, voltou a Portugal, correu Setúbal, Funchal, Paços de Ferreira, Aves e Oliveira Azeméis. Acabou aos 27 anos.

A entrevista faz ricochete e acaba no ponto de partida.

«Estávamos no túnel, o barulho era ensurdecedor. O Veloso, capitão, grita para todos: isto é o que nos espera hoje, safem-se, vamos a eles. E eu, um puto, metido no meio daquilo. Lá me safei».