A obra de arte do último domingo, naquela finalização de letra só ao alcance de um grande génio, correu mundo e trouxe para a primeira linha o nome de Nuno Santos.

Por isso, e em vésperas de defrontar o Arsenal, o Maisfutebol foi descobrir a história dele.

Nascido na Maia, cresceu no Castêlo da Maia, onde o avô aproveitou o terreno da casa para construir um prédio que dividiu em dois andares: um para o filho e um para a filha. Nuno Santos fez-se gente, portanto, num convívio constante com os avós e os padrinhos.

Ora a proximidade do padrinho e dos avós não aparece aqui por casualidade: ela acabou por ser fundamental no futuro do miúdo e na construção da carreira no futebol.

«O padrinho jogou no Castêlo da Maia, chegou a estar na terceira divisão. O Nuno andava sempre atrás dele e aí começou a paixão pelo futebol», conta o pai José Santos.

O padrinho José António, irmão da mãe de Nuno Santos, vai até mais longe.

«Quando a minha irmã soube que ia ter gémeos, ficou num alvoroço, não estava nada à espera. Eu disse logo que o rapaz ficava como meu afilhado. Pode ser que seja jogador como o padrinho. Mal eu imaginava o que aí vinha», revela José António.

«É o meu sonho ver a carreira que tem construído, emociono-me muito a vê-lo a jogar. No meu salão tenho várias chuteiras, camisolas, quadros, prémios, coisas que guardo para lhe dar um dia em que ele queira fazer um museu. Já me disse que a camisola do próximo jogo com o Arsenal está reservada para mim. A da primeira mão ele não pôde dar, ligou-me a dizer que ia para o ginásio em Sacavém, porque não tinha lá nenhuma da Liga Europa.»

A irmã gémea e a influência do padrinho na paixão pelo futebol

Sim, é verdade, Nuno Santos tem uma irmã gémea. Chama-se Cláudia e é proprietária de um espaço de beleza no Castêlo da Maia. Apesar da proximidade normal entre gémeos, Nuno e Cláudia nunca foram de partilhar muito os brinquedos.

Por uma razão: o irmão só queria bolas.

«Ele nunca foi de jogar na rua, mas jogava em casa e na escola. Muitas das vezes sozinho contra a parede. Andava sempre com a bola atrás dele. E às vezes, quando se esquecia, pedia meias às empregadas da escola e fazia uma bola com elas», recorda o pai.

«Desde pequeno que a prenda que queria era bolas ou camisolas de clubes. De vez em quando lá pedia um brinquedo ou outro, mas era muito raro. E os filhos dele já são iguais. O mais velho, que tem três anos, tem a casa cheia de bolas de futebol.»

Até nisso o padrinho diz que Nuno Santos seguiu os passos dele.

«Quando era criança não tinha as facilidades que as crianças têm agora, mas lá juntei umas coroas e consegui comprar uma bola para mim. Até dormia agarrado a ela.»

Por aqui também se percebe como a paixão de Nuno Santos pelo futebol nasceu provavelmente muito por influência do padrinho.

«O meu pai construiu um pátio ao lado da casa dele, nós íamos lá almoçar quase todos os dias e ele queria sempre jogar comigo. Era maluquinho pela bola. Íamos para a praia e quando via alguém a jogar ia logo meter-se, também queria jogar. Voltava da praia com o pezinho negro de tanto chutar», adianta o padrinho.

«Já não é do tempo de me ver jogar nos seniores, mas acompanhou-me quando estive nos veteranos. Mesmo quando já jogava no FC Porto, acabava os joguitos dele e pedia à mãe ou ao pai para ir ver-me jogar. Houve até um sábado em que acabou o jogo já tarde e obrigou o pai a ir à minha final contra o Coimbrões, no estádio do Canelas. Ainda tenho a foto com a taça da Associação de Futebol do Porto e com ele ao colo.»

Um miúdo muito agarrado aos pais, que chorava se eles não estavam na bancada

Ora foi este miúdo, obstinado e irrequieto, que aos seis anos começou a jogar no Trofense. Levado pelo pai, que é natural da Trofa e tinha uma empresa de construção na cidade.

«Eu nunca joguei, mas via que ele tinha jeito. Como dispunha de alguns conhecimentos no clube, levei-o para as escolinhas do Trofense quando fez seis anos. Mas só lá esteve três ou quatro meses e saiu logo», revela o pai.

«O FC Porto foi fazer um jogo à Trofa e já não o largou. Ele era muito rápido e o clube sentiu que valia a pena o esforço. Foi na altura em que a Constituição estava em obras, então o FC Porto deu bolas, cadeiras e essas coisas ao Trofense em troca.»

A mudança foi, de resto, uma grande notícia. No Trofense Nuno Santos tinha de pagar o equipamento, o fato de treino, o saco, enfim, o normal. No FC Porto, pelo contrário, já tinha tudo de graça e até recebia 250 euros para ajudar nas deslocações. O que para um miúdo de seis anos já significava qualquer coisa. Com o tempo, o valor subiu para 500 euros.

«No FC Porto as coisas mudaram. O primeiro ano foi complicado. Eu ia levá-lo e tinha de ficar lá, porque se ele olhava para a bancada e não via o pai ou a mãe começava a chorar. Era um miúdo que não ia a lado nenhum sem o pai ou sem a mãe.»

Felizmente o pai era empresário e tinha liberdade para viajar da Trofa ao Porto, com passagem pela Maia, para levar o miúdo aos treinos e ficar lá a vê-lo. Mais tarde, a mãe ficou grávida da irmã mais nova e também tinha mais disponibilidade para o acompanhar.

José Santos revela, aliás, que a memória que mais lhe vem à cabeça desses tempos é precisamente a dependência que o filho tinha: sempre muito agarrado aos pais.

«Quando entrava em campo, a primeira coisa que o Nuno fazia era olhar logo para as bancadas para ver se estávamos lá. Era uma coisa imediata, entrava em campo e procurava logo o pai e a mãe. Via-nos e ficava mais calmo», conta.

«O pior era quando havia aqueles torneios fora de casa, no estrangeiro e tal, torneios de dois ou três dias. Não queria ir, chorava. Nós falávamos com ele, dizíamos que se queria ser jogador tinha de ir, que o pai e a mãe iam estar lá. Com muito custo, lá o convencíamos. Depois acabava por correr bem, porque via que os pais estavam lá.»

A recusa em ser lateral esquerdo e a dispensa do FC Porto para o Rio Ave

Apesar das dificuldades iniciais, a carreira de Nuno Santos na formação evoluiu bem de uma forma geral. O esquerdino sempre foi um jogador extremamente rápido e isso fazia a diferença quando entrava em campo. Além de uma boa capacidade técnica, claro.

«Ele fez uma carreira até júnior muito boa. Ganhou alguns prémios, foi o melhor em alguns torneios. Até que nos juniores o mister Capucho dispensou-o.»

O antigo internacional tinha orientado Nuno Santos no último ano de juvenis e não quis ficar com ele na passagem para juniores. O que acabou por ser um choque.

Nessa altura surgiu a hipótese de o jogador continuar a carreira no Rio Ave ou no Nacional e a escolha recaiu na formação de Vila do Conde. Onde Nuno Santos reencontrou a felicidade.

«Ele já tinha aquele feitio que tem agora: se não jogar, fica amuado. Quer jogar sempre. O Capucho devia ter outros jogadores para o lugar dele e como sabia que ele queria sempre jogar, dispensou-o. Na altura falou comigo e com o Nuno, disse-nos que era bom jogador e que voltaria um dia ao FC Porto. Mas não gostamos de certas atitudes.»

Nessa altura acontece outro episódio que acaba por ser curioso nesta história.

«O Capucho queria-o colocar a lateral, mas ele não queria. Aliás, todos os treinadores me diziam que ele tinha qualidade para jogar a lateral. E ele sempre não, não, não.»

A verdade é que o FC Porto cedeu Nuno Santos ao Rio Ave como sendo um lateral. O que desagradava ao jogador, que pretendia continuar a fazer carreira como avançado. O Rio Ave conhecia-o, sabia das qualidades dele e sossegou o jogador na primeira conversa.

Quem o revela é François, então coordenador-técnico da formação do clube.

«O Nuno Santos foi um dos jogadores que quisemos e de facto no final dessa última época no FC Porto tinha jogado a lateral esquerdo. Quando conversei com os pais e com o jogador, mostrei-lhe que tínhamos todo o interesse que ele viesse para o Rio Ave e para jogar na posição em que mais gostava, que era a extremo», conta.

«O treinador de juniores era o Pedro Cunha, que jogava em 4x4x2 losango. O Nuno Santos era um dos dois avançados, marcou muitos golos e fez um excelente campeonato.»

A semana a treinar com a primeira equipa do Hamburgo e a pressão do FC Porto para evitar a fuga para o Benfica

A meio dessa época surgiu o interesse do Hamburgo. Que veio com tudo para contratar o jogador e chegou a levá-lo uma semana para a Alemanha, para treinar com os seniores.

«Ele fez uma semana de treinos com o plantel principal e fez testes psicotécnicos para eles perceberem se o nível de resposta dele coincida com as informações que tinham a nível de velocidade de tomada de decisão e isso tipo de coisas. E o que nos disseram é que ele tinha tido respostas altíssimas comparadas com a base de dados do clube», adianta François.

«No fim fizeram-nos uma proposta muito razoável, fizeram também uma proposta ao jogador, mas não se concretizou porque o Rio Ave não aceitou.»

Nessa altura já tinha também aparecido o Benfica, que não queria deixar fugir o jogador. Por isso mesmo as negociações com o Rio Ave e com Nuno Santos foram fechadas pelo próprio presidente Luís Filipe Vieira, o que foi um sinal de quanto o clube queria o miúdo.

«O Benfica surgiu a meio da época, já o conhecia bem dos clássicos, daqueles jogos em que ele se esfarrapava todo e veio fazer negócio com o Rio Ave. O FC Porto apercebeu-se disso, ligaram-me, houve muitos telefonemas, muitas mensagens, mas o Benfica pôs os pés no caminho, ofereceu-lhe um bom contrato e optámos pelo Benfica.»

Embora não gostem de o recordar, foram dias de enorme pressão, sobretudo da parte do FC Porto. Luís Castro era coordenador da formação, Antero Henrique era diretor geral e nenhum dos dois aceitava perder o jogador para o maior rival. Mas tanto Nuno Santos como a família não tinham apreciado a dispensa, nem a imposição para jogar numa posição que não era a que o fazia feliz, pelo que a opção por viajar para Lisboa tornou-se fácil.

«Foi uma mudança muito boa. Eu todos os fins de semana estava com ele em Lisboa, correu maravilhosamente. Ele era titularíssimo no Benfica», recorda o pai José Santos.

«Estava a jogar sempre e integrou-se bem com os colegas do Seixal. Nós íamos ver todos os jogos dele. Passávamos os fins de semana num hotel e estávamos com ele.»

Pelo meio foi à final da Youth League e foi campeão nacional com Jorge Jesus em 2016.

«Digo-lhe para ter calma e sabe o que ele me responde? Ó padrinho, tu eras pior»

Um ano, curiosamente, que ficou marcado pelos piores motivos: lesionou-se gravemente num jogo da II Liga frente ao FC Porto B e terminou a época em dezembro.

«Foi terrível, terrível», recorda o padrinho José António.

«Ele lesionou-se em dezembro, não podia viajar, a mãe não pôde ir a Lisboa e fui eu que fui passar o Natal com ele. Eu e a minha mulher passámos o Natal em Lisboa com ele, com a namorada e com a minha mãe.»

Dois anos depois, Nuno Santos regressou ao Rio Ave em definitivo, englobado no negócio que permitiu ao Benfica recuperar Ederson: pelo guarda-redes brasileiro, os encarnados cederam o esquerdino, o médio Pelé e 6,5 milhões de euros.

Em Vila do Conde, Nuno Santos voltou a brilhar a grande altura e dar o salto para um grande. Neste caso para o grande que lhe faltava no currículo: o Sporting.

Mais uma vez o FC Porto voltou a interessar-se pelo jogador e mais uma vez Nuno Santos optou por não regressar ao Olival. Em Alvalade está a viver os melhores anos da carreira.

«As pessoas do Sporting vieram cá acima, instalaram-se num hotel e só voltaram com ele. O Nuno ligou-me quando ia em Leiria, a informar que já estava a viajar para Lisboa para assinar pelo Sporting. Disse-lhe que o importante era ele estar feliz.»

Em Alvalade, não há dúvida, o esquerdino tem sido feliz. Titular quase sempre, nunca fez um ano com menos de trinta jogos, oito golos e sete assistências, por exemplo.

Os adversários não mostram grande apreciação, sobretudo devido ao carácter truculento de Nuno Santos, mas os números provam que tem sido um dos jogadores mais importantes no clube: em três épocas incompletas já fez 120 jogos, 26 golos e 24 assistências.

«Truculento? Eu era pior. Naqueles campos dos distritais do Porto, sobretudo em Gaia, numa época em que não havia vedações, aquilo era terrível. Mas eu não me importava, era assim, incendiava muito os jogos. Parecia o Otávio, do FC Porto», sorri o padrinho.

«Muitas vezes digo-lhe que ele tem de ter mais calma e sabe o que ele me responde logo? Ó padrinho, tu eras pior. Pois era, mas no meu tempo não havia este foco nos jogadores. Agora vê-se tudo e ele tem de ter atenção a isso.»

Lá está, a influência do padrinho mais uma vez a fazer-se notar.

Mais importante do que isso, o golo do último domingo. Um golo magistral, que encheu o telemóvel do pai de mensagens. O que naturalmente encheu José Santos de orgulho.

«Curiosamente, contra o Boavista, no Bessa, já tinha feito uma assistência de letra também. As pessoas conhecem-no por ser artista e ele tem queda para isso: trivelas, letras...»

Esta noite, em Londres, Nuno Santos vai ter uma boa oportunidade de mostrar todos estes truques num palco de excelência.

Ele que já correu mundo e fica agora a sonhar com um Puskas.