E se um clube do quarto escalão alemão tirasse a Alemanha do Mundial 2014? Esse fantasma paira no futebol germânico por causa de uma batalha legal que os amadores do SV Wilhelmshaven mantêm com a FIFA há cinco anos. O SVW foi agora condenado à despromoção, admite recorrer para os tribunais civis e a sua história chegou aos principais meios de comunicação alemães nas últimas semanas. Uma história de David contra Golias, um David que teima em ser uma pedra no sapato das autoridades.

O caso tem nome de jogador. Sergio Sagarzazu, médio argentino hoje com 26 anos, que chegou em janeiro de 2007 ao clube alemão, no meio de vários outros reforços. Tinha 19 anos, tinha estado ligado ao River Plate e chegava livre, além de ser considerado cidadão da União Europeia, por ter um passaporte italiano.

Fez uma dúzia de jogos e ao fim de época e meia no clube foi-se embora, de volta a casa, jogando até hoje em clubes de escalões secundários da Argentina. Até aqui nada de mais, até ao dia em que, no final de 2008, o SV Wilhelmshaven recebeu uma carta da FIFA a dizer que tinha de pagar 157,500 euros ao River Plate e ainda ao também argentino Atlético Excursionistas, ao abrigo da compensação pela formação de Sagarzazu.

A compensação por formação está regulamentada pela FIFA e é devida por cada transferência de um jogador até completar 23 anos. Mas o SV Wilhelmshaven recusou-se a pagar uma verba que era praticamente o valor de todo o seu orçamento anual, argumentando que a compensação pela formação «desrespeita a legislação alemã e europeia». Para isso, cita decisões judiciais anteriores a considerar que a compensação por formação viola a livre circulação. Incluindo uma de 2005 que ganhou a outro clube alemão, noutro caso com contornos idênticos.

O Wilhelmshaven começou por reclamar para o Tribunal Arbitral do Desporto, mas este legitimou a decisão da FIFA, num acordão de 2009.

Também há uma decisão do Tribunal Europeu de Justiça de 2010 sobre esta questão. Diz respeito a uma disputa entre o Lyon e o Newcastle por Olivier Bernard, e nessa altura o tribunal europeu considerou legítima a compensação por formação, considerando que esta «deve ser determinada tendo em conta as despesas suportadas pelos clubes para formar tanto os futuros jogadores profissionais como os que nunca o serão».

O SV Wilhelmshaven argumenta que até aceita essa interpretação, mas diz que nesse caso não terá de pagar tanto como pedem os clubes argentinos. Tentou chegar a acordo, oferecendo algo como 40 mil euros, mas o River e o Atlético Excursionistas não aceitaram.

Como o Wilhelmshaven continuava a não pagar, a FIFA fez o que costuma fazer nestes casos. Mandou a Federação alemã atuar disciplinarmente contra o clube. Em dois anos consecutivos, 2011/12 e 2012/13, foram retirados na secretaria seis pontos ao Wilhelmshaven, que ainda assim conseguiu manter-se no escalão em que se encontrava, o primeiro da Liga Regional Norte. Agora, no final de 2013, a FIFA decidiu que o clube terá de ser despromovido quanto terminar a corrente época.

A Federação alemã mandou a Federação Regional do Norte aplicar a sentença. As autoridades dizem que estão de mãos atadas. «Esta é uma história legal interminável. O Wilhelmshaven não pode ir para a justiça civil. E nós temos que executar a decisão da FIFA», diz Eugene Gehlenborg, presidente da Federação Regional do Norte. A Federação alemã tem evitado dar muita importância ao assunto, mas tomou uma posição de princípio defendendo que o clube tem de respeitar os princípios da legislação desportiva: «As relações legais internacionais no desporto só podem funcionar se todas as partes se comprometerem com um conjunto comum de regras.»

Mas o Wilhelmshaven não desiste. «Não queremos entrar em guerra com a FIFA ou a Federação. Mas quando somos atacados com esta violência temos de defender-nos», argumenta Harald Naraschewski, representante legal do clube.

O Wilhelmshaven já tinha avançado com um pedido de anulação da perda de pontos, cuja decisão espera para breve. E anunciou que apresentaria outro recurso para anulação da sentença de despromoção, admitindo avançar a partir daí para tribunais civis. O passo a que a FIFA responde por norma com a ameaça de suspensão do país das competições internacionais.