«Ainda estou no céu.» Já passaram várias horas desde que Frederico Morais saiu da água em Peniche depois de ter deixado pelo caminho o mito do surf mundial que é Kelly Slater e o surfista português continua nas nuvens. Mas logo a seguir olha em frente. «Estou no céu, mas tenho que descer à terra e concentrar-me para o próximo round.» 

Kelly Slater. 11 vezes campeão do mundo, o mais novo de sempre a ganhar o título (aos 20 anos), e também o mais velho (39). O nome do norte-americano confunde-se com o surf de competição. E Kelly, hoje com 41 anos, chegava a Peniche, penúltima etapa do circuito mundial, em segundo lugar e ainda com hipóteses de chegar ao 12º título.

Agora ficou bem mais longe. Percebe-se, portanto, que não estivesse para grandes conversas no final do heat. Conta Frederico: «Antes de começar desejámos boa sorte um ao outro. Depois no fim deu-me os parabéns. Foi só. Ele não estava para muitas palavras. Não estava contente.»

Na praia Frederico contou com o apoio e a experiência de Richard Marsh, ex-surfista australiano e seu treinador. «Ele já ganhou e já perdeu com o Slater, e disse-me para apanhar as melhores ondas do heat e depois limpar as prioridades. Apanhar as melhores ondas e não o deixar apanhá-las.»

Assim foi. Pelo menos, tanto quanto Frederico se lembra. Logo no final Kikas, como lhe chama quem o conhece, disse que viveu a eliminatória como se fosse irreal. «As melhores ondas que fazemos na vida são aquelas que acabamos e não nos lembramos do que fizemos. Acho que este heat foi um bocado assim.» Depois, explicava assim estas palavras ao Maisfutebol: «Apesar de ter sido um heat inesquecível, quando uma pessoa faz uma onda ótima não se lembra muito bem de como foi.»

Longe da praia Kikas tinha muito quem torcesse por ele, de olhos pregados ao computador, a assistir em direto à eliminatória. A começar pelo pai. Nuno Morais, antigo jogador de râguebi e o primeiro treinador de Frederico, que desta vez teve de ficar à distância. A etapa do circuito mundial de Peniche já teve vários dias de paragem, por falta de ondas. As previsões não eram boas, Nuno Morais tinha de trabalhar e não foi com Frederico.

«Estava a trabalhar. Sou fisioterapeuta, tinha marcações e não tinha previsão que houvesse campeonato hoje, não deu para ir. Não consegui ir, apesar de ser a coisa que eu mais queria. Fiquei a ver no computador, às tantas estava toda a gente aqui a ver», conta.

E viu Frederico cumprir um sonho antigo, de pai e filho. «É um sonho que acalentávamos há muito tempo, desde os oito, nove anos do Frederico», conta Nuno Morais. «Sempre soube que ele ia chegar a este ponto. E vai chegar mais alto, e estar mesmo neste circuito por mérito próprio.»

Frederico, campeão nacional em título, conseguiu algo fantástico na sua estreia numa etapa do principal circuito mundial, o WCT, onde chegou graças a um wild card atribuído pela organização. Depois de ter passado a primeira ronda, calhou-lhe Slater na segunda, e levou a melhor. Mas ele quer mais.

Na hora de saborear esta vitória, ele já olha mais alto. Ele e todos os que o rodeiam. Frederico: «O meu sonho é fazer estas etapas regularmente.» Nuno Morais: «Ele ganhou ao Kelly Slater, vai ser falado durante 15 dias. Mas nós gostávamos é que ele fosse falado durante anos. A carreira dele não se resume a isto.»

Mais. Frederico conta ao Maisfutebol que depois da vitória falou com Tiago Pires, o único surfista português que corre regularmente o circuito WCT, e que é um «irmão mais velho» para Kikas, como diz o pai. E que lhe disse Tiago Pires? «Deu-me os parabéns e disse-me para me concentrar para o próximo round.» No meio de muitos telefonemas de um dia muito agitado, foram esses os conselhos de quem Frederico tem como referência. Tiago Pires, o pai e também o tio, Tomás Morais, antigo selecionador de râguebi e atual responsável técnico da Federação. Celebrar, e logo a seguir pensar no futuro.

Como Tiago Pires sabe melhor que ninguém, chegar ao topo é um longo caminho. É muito tempo à volta do mundo, muitas ondas surfadas em muitos torneios do circuito secundário, o WQS, a tentar somar pontos para conseguir chegar à elite, onde cabem pouco mais de 30 surfistas.

Frederico «já começou a tentar», diz o pai. «Está a correr os WQS, está no top 100. Depois tenta o top 90, o top 80, é por aí.» A próxima etapa será em Carcavelos, perto de casa. Frederico é de Cascais, a sua praia de origem é o Guincho.

Foi por Cascais que começou e, apesar de Frederico só ter 21 anos, já lá vai muito tempo. «Começou como brincadeira, quando ele tinha seis anos. Eu tinha deixado de o râguebi, tinha 38 anos, comecei a ir com ele para a praia, com uma prancha de bodyboard», conta Nuno Morais. O clique para levar a coisa mais a sério aconteceu mais tarde. «Foi alguma intuição depois que nos levou a fazer este percurso. Julgo que foi a partir dos 10 anos, quando começámos a ir a campeonatos lá fora e ele começou a demonstrar capacidades acima da média, que decidimos apostar. A partir daí foi uma locomotiva a todo o gás.»

Nuno acompanhou Frederico de perto até aos 17 anos. «Depois ficou entregue a si mesmo, foi construindo o seu caminho.» Hoje, Frederico é profissional de surf e, além do treinador, trabalha com um psicólogo e um preparador físico.

Também este último seguiu à distância a eliminatória de Frederico em Supertubos. E não ficou surpreendido. «Sinceramente, estava à espera que ele passasse. O Kikas neste momento tem surf para competir com os melhores. Acho que pode ganhar a qualquer um», diz João Miguel Garcia ao Maisfutebol.

O preparador descreve a rotina diária do surfista, que não se resume à praia. «Faz-se muito trabalho de ginásio, nas semanas em que não há competição. Muitas vezes começa às sete da manhã, no ginásio ou na praia», conta. 

A chave é mesmo muito trabalho, insiste Nuno Morais: «Costumo dizer que só no dicionário é que sucesso vem antes de trabalho.» E nem sempre é fácil para um adolescente, nota o pai de Kikas: «Ele faz anos em janeiro e por várias vezes passou-os longe da família, longe dos amigos, na Austrália.»

Frederico encara a escolha que fez com serenidade. «Às vezes custa um bocado estar longe da família nos momentos mais importantes, mas é como tudo na vida, é uma questão de prioridades, acho que compensa.» E depois, admite, tem as suas vantagens. A começar pelo facto de o seu trabalho o levar a alguns dos locais mais bonitos do mundo, não é? «É verdade», sorri.