Efeméride é uma rubrica que pretende fazer uma viagem no tempo por episódios marcantes ou curiosos da história do desporto, tenham acontecido há muito ou pouco tempo. Para acompanhar com regularidade, no Maisfutebol:

Pelé é sinónimo de golo, de redes que abanam com o impacto da redondinha, de magia com a bola nos pés ou na cabeça, de gritos de êxtase nas bancadas. Mas o rei do futebol, o astro que marcou 1284 golos em 1375 jogos, que foi tricampeão mundial pelo Brasil, bicampeão intercontinental pelo Santos, e muito mais, também trocou de papel. Virou as costas à baliza, calçou as luvas e colocou-se sob a trave para impedir aquilo que ele tanto gostava de fazer: o golo.

A carreira do guarda-redes Pelé conta com quatro encontros, um total de 59 minutos jogados com as luvas postas e nenhum golo sofrido. O mais importante desses jogos foi exatamente há 50 anos.

Dia 19 de janeiro de 1964, jogava-se o Santos-Grêmio, segundo jogo da meia-final da Taça Brasil. Na primeira mão, em Porto Alegre, o Santos venceu por 3-1. Mas em casa, a equipa santista teve que suar para manter a vantagem.



O jogo até começou bem para os homens da casa. Aos seis minutos, Pepe fez o golo do Santos e a eliminatória parecia controlada. Mas, em cinco minutos, os gaúchos não só fizeram a reviravolta do marcador, como estavam a vencer por dois golos de vantagem.

Depois foi a vez de Pelé tomar conta do jogo. O goleador do Santos marcou três golos (um deles de grande penalidade) e a final da Taça voltou a estar no caminho da sua equipa.

Já se festejava no Pacaembu quando, a três minutos do fim, o guarda-redes Gilmar foi expulso. Como na altura não eram permitidas substituições, coube a Pelé a missão de vestir a camisola negra e calçar as luvas.

Até ao final do encontro, o novo guarda-redes santista ainda fez duas grandes defesas e garantiu a inviolabilidade da baliza. A euforia tomou conta do público. O ídolo, o Rei, Pelé também sabia defender. O Santos estava na final e acabaria por ganhar a Taça.



O mito e a ficção

São muitos os que ainda se recordam desse jogo. Miúdos de olhos brilhantes que acompanhavam, com entusiasmo, os pais ao futebol. Outros, mais graúdos, que estavam no estádio a ver o jogo ou a trabalhar. São vários os que juram a pés juntos que viram Pelé defender um penálti nesse jogo. Há mesmo um jornalista que se lembra de o relatar. Mas são muitos também os que garantem que isso nunca aconteceu. E não há mesmo registo de que isso tenha acontecido. A lenda surgiu e foi-se disseminando. Há quem assegure, ainda, que não foi nesse jogo, mas num outro, um amigável frente aos norte-americanos Baltimore Bays. Mais uma vez, sem qualquer registo.

Neste caso, a ficção ajuda a colmatar as falhas da realidade. Pelé acabou mesmo por defender uma grande penalidade. Foi no filme «Os Trapalhões e o Rei do Futebol», de 1986.




O gosto pela baliza e a alcunha

Quem se recorda deste jogo de 64 é Pepe, o autor do primeiro golo santista. «Lembro-me bem. O Pelé vestiu uma camisola preta de mangas compridas, era do Gilmar. Fez grandes defesas, duas ótimas, pelo menos, e garantiu o marcador», explicou numa entrevista recente à imprensa brasileira.

«Era muito bom guarda-redes, elástico, voava muito. Tinha uma agilidade impressionante. Nas brincadeiras, em alguns treinos, ele jogava como guarda-redes. Gostava», garante. Tanto que ganhou uma alcunha dos companheiros de equipa.

«Na altura, na cidade de Bauru, o Noroeste jogava com um guarda-redes negro, alto, forte, chamado Julião. Então, eu, o Coutinho e o Dorval, na brincadeira, apelidamos o Pelé de Julião nos treinos do Santos. O apelido pegou, e até hoje, chamo-lhe sempre Júlio ou Julião. E ele acha piada».

50 anos depois, o mundo viu um Pelé emocionado receber um prémio na Gala de Ouro da FIFA. Viram-se imagens do avançado, do goleador, daquele que todos conhecem. Mas o guarda-redes, esse, é uma parte da história que poucos tiveram a oportunidade de conhecer.



Jogos em que Pelé foi para a baliza


1959 - Substituiu Lalá, que desmaiou após uma pancada na cabeça, num jogo contra o Comercial de Ribeirão Preto.

1964 - Substituiu Gilmar, que foi expulso, no Santos-Grêmio, no Pacaembu, para a Taça Brasil.

1969 – Substituiu Jair Pessoa num amigável Santos-Botafogo. Foi no encontro em que Pelé fez o 999º golo da carreira.

1973 – Substituiu Cláudio num amigável Santos-Baltimore Bays (EUA)